Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Chaparro

‘A Globo fez uma cobertura exemplar das cerimônias de oração e testemunho, em favor da paz e contra a violência, realizadas em São Paulo e no Rio de Janeiro no dia 12 de julho, para homenagear memória a do jovem jornalista Leonardo Blaz Cicoti, seqüestrado e assassinado nove dias antes. Mas a mesma Rede Globo, que tão exemplarmente contribuiu para a repercussão social desse clamor coletivo pela paz, usa a arte da sua dramaturgia, a competência do seu jornalismo e o extraordinário poder da sua difusão para, semanalmente, fazer a vulgarização teatralizada do discurso da violência, no programa ‘Linha Direta’.

1. Submissão ao medo

‘A violência não existe nem pode existir por si só; está invariavelmente entrelaçada com a mentira.’ A frase pertence ao escritor russo Aleksandr Soljenitsyn, Prêmio Nobel, autor do Arquipélago Gulag. Foi dita em 1972, a propósito da perseguição aos intelectuais, na antiga União Soviética. Referia-se Soljenitsyn, de modo especial, à violência política, que aparentemente pouco ou nada tem a ver com um outro tipo de violência, a urbana, essa que matou o nosso colega Leonardo Blaz Cicoti, a mesma que mantém desaparecido, há nove meses, outro jornalista seqüestrado, Ivandel Godinho, diretor executivo da Impress. Violência que tantas vítimas faz, no dia-a-dia do viver urbano, e à qual tão dramaticamente estamos submetidos, nas grandes cidades do Brasil de hoje.

Mas se, nos motivos de origem e nos objetivos, a violência política e a violência urbana são coisas diferentes, elas se assemelham, na lógica e nos efeitos. Como ação concreta de agressão física, ou como ação demonstrativa de um poder que se quer impor à vontade de indivíduos e grupos, a violência cria e sustenta situações de terror. Tolhe a liberdade das pessoas, por submissão ao medo irracional que se estabelece. E nessa situação de perplexidade nos encontramos, imobilizados pelo medo irracional que nos transforma em vítimas.

Voltemos, entretanto, à frase de Soljennitsyn, para perguntar: – De que maneira se pode perceber a mentira ‘invariavelmente entrelaçada’ na violência?

Na violência política, sempre associada ao poder, é fácil detectar o ingrediente da mentira. Está nas simulações discursivas do Estado ou dos grupos agressores, cujo poder lhes permite controlar também a informação. Mas, na violência urbana, essa que nos assusta e nos tolhe pelo medo irracional, onde estaria a mentira e como ela se esconde?

Sem meias palavras, é preciso dizer que a mentira está na mídia, em particular no relato jornalístico.

2. ‘Jornalismo’ que engana

A pretexto de noticiar as ações da violência direta – aquela que rouba, espanca, coage, destrói, seqüestra e mata –, o relato jornalístico investe na exploração emocional dos fatos, submisso ao objetivo estratégico da conquista de audiências. É o que se vê, de modo particularmente cínico, nesses telejornais movidos a sangue e a crime.

Esses programas nos enganam com a mentira de uma retórica moralista, a de que cumprem o dever de mostrar a realidade. Mas a ação verdadeiramente realizada é a de vulgarizar emocionalmente o discurso da violência – porque isso lhes convém, já que na violência nutrem o sucesso que procuram. O ‘Linha Direta’, citado no ‘Xis da Questão’, serve apenas de exemplo.

Na encenação da violência, sem discutir, esses programas fazem a simulação do jornalismo. Com apresentadores gritando bordões justiceiros, simplificam as coisas à necessidade de prisões e punições. Entretanto, cinicamente, exploram o protagonismo da bandidagem, transformando criminosos em heróis. Chegam mesmo a socializar uma pedagogia do crime, não só pela vulgarização das ações violentas, mas até pela acolhida editada à argumentação do crime.

Esse jornalismo que faz o espetáculo da violência, e dele se alimenta, acaba sendo o principal agente produtor da violência indireta que nos prende neste ambiente do medo irracional. O medo que nos conduz à inércia da omissão.

Na verdade, vivemos em estado de perplexidade, assustados, limitados à capacidade de dizer que ‘alguma coisa precisa ser feita’. Mas que coisas devem ser feitas? E quem as deve fazer?

Mesmo quando – como aconteceu nas cerimônias do dia 12 de Julho, pela Paz e contra a violência, na Sé de São Paulo e na Igreja de São José, no Rio de Janeiro – nos reunimos às centenas ou aos milhares, tudo o que fazemos, além de rezar, é clamar por alguma coisa que alguém deve fazer. E não se sabe nem o quê nem quem..

Gritamos, de alguma forma, o clamor da nossa própria impotência.

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Pois penso que está na hora de, no jornalismo e entre os jornalistas, fazermos algo mais do que gritar o clamor da impotência. Se quisermos realmente homenagear a memória de jovem Leo, tão brutalmente roubado à vida e aos seus, há que ter a coragem de fazer e encarar duas perguntas:

– O que podemos e devemos mudar, no jornalismo que fazemos, em favor da paz e contra a violência?

– O que podemos fazer para acabar com o entrelaçamento ‘violência e da mentira’, no relato jornalístico?

Com essas questões sobre a mesa, e por proposta minha, um grupo de jornalistas se reunirá na Voice, empresa na qual Leonardo Cicoti trabalhava e fez amigos. A metodologia ou a atitude que proponho é a de se fugir de tentações retóricas, para que cada um coloque a questão na realidade do seu espaço, o seu meio de trabalho, levando em conta limitações e possibilidades, na aplicação da pergunta a si próprio.

Do que se discutir e propuser, darei conta no próximo texto. E quem quiser, poderá desde já participar do debate, nos comentários do Comunique-se.

Todos os comentários serão levados à mesa da discussão – prometo.’



COBERTURA INTERNACIONAL
Antonio Brasil

‘A cobertura internacional continua a mesma’, copyright Comunique-se, 16/07/04

‘Em outubro do ano passado, procurei discutir ‘O fim de uma era’ e as promessas da cobertura internacional no telejornalismo brasileiro, ou seja, na Globo. Sinto muito. Mas, os ‘outros’ telejornais continuam a ignorar o mundo. Praticam uma cobertura internacional burocrática, refém das agências de notícias e da própria incompetência.

Naquela época, a Globo anunciava mudanças drásticas nas operações do jornalismo internacional. Obviamente, o objetivo principal era a redução de custos. Mas ‘crise’, em caracteres chineses, também pode ser traduzido por ‘oportunidade e ousadia’. As dificuldades poderiam significar uma sacudida no marasmo e estagnação de muitos anos de ócios e mordomias entre seus correspondentes internacionais. Sem competição, não existe nem televisão, nem jornalismo. O setor do telejornalismo no Brasil continua sua trajetória de monopólio poderoso, principalmente na cobertura internacional. E isso, é muito perigoso para a nossa jovem e titubeante democracia.

Mercosul

A TV é a nossa janela para o mundo. Desenvolvemos preconceitos e tomamos decisões importantes todos os dias, baseados em informações que obtemos pela nossa televisão. As nossas recentes disputas comerciais com a Argentina, na questão dos fogões e geladeiras, é um bom exemplo desses preconceitos que geram desconfianças e a falta de informações confiáveis. Como crítico de telejornalismo, acompanhei a cobertura da Globo durante dias e não pude assistir a uma simples matéria produzida na Argentina sobre a visão, a perspectiva do ‘hermanos’ em relação ao problema. Estamos arriscados a deflagrar uma guerra comercial ou partir para retaliações econômicas desastrosas por motivos pequenos. Podemos acabar com um projeto tão importante para o futuro da região como o Mercosul, por incompetência diplomática, mas também por antigas desconfianças e preconceitos históricos, resultado de ignorância e desinformação.

Na Europa, países tradicionalmente inimigos como a Alemanha e a França, são hoje, aliados importantes. Eles enfrentam as ameaças do poder imperial americano, em uma comunidade européia cada vez mais sólida, onde seus cidadãos procuram substituir velhos preconceitos, desconfianças e rivalidades com conhecimento e informação. Para isso, a cobertura internacional pela TV tem um papel muito importante.

No Brasil, as tais promessas da cobertura internacional da Globo não deram em nada. Devem ter sido esquecidas no meio da crise. Pude notar que o jornalista gaúcho Marcos Losekan se mudou da aprazível Londres para Jerusalém. Envia ‘passagens’ para as matérias produzidas pelas agências diretamente da capital israelense. A bomba explodiu em Bagdá, manifestações no Cairo, entre tantos outros acontecimentos diários e a Globo comenta tudo diretamente de Jerusalém. Essa mania de jornalista internacional de TV brasileira de colocar passagem na matéria dos outros, ou seja, matérias de agências ou da CNN, deveria ser repensada. Tem problemas éticos, operacionais e ‘confunde’ ou engana o telespectador.

Os problemas operacionais e os riscos profissionais de cobrir todo o Oriente Médio de perspectiva única, ou seja, da capital do Estado de Israel são óbvios. Viajar de Jerusalém para Bagdá ou para muitas capitais árabes torna-se uma operação cara e complicada. É claro que as grandes redes internacionais de TV mantêm correspondentes em Jerusalém. Mas elas também possuem jornalistas em outras capitais árabes.

No mais, a cobertura internacional continua a mesma. ‘Passagens’ em Roma, Londres, Nova Iorque ou Paris com os mesmos repórteres de sempre, com as mesmas matérias burocráticas de sempre. As promessas e as mudanças ficaram com a cara do Brasil. Muita onda e poucas mudanças de verdade. Ou, onde você menos espera, é aí que não sai nada mesmo!

Nesse ponto da discussão surgem os velhos argumentos em defesa do ‘mas é melhor do que não ter cobertura nenhuma’. E assim segue a nossa cobertura internacional. Sem competição, é claro que qualquer coisa é melhor do que nada. E nada melhora. Até muda. Mas, no fundo, continua mesma coisa ou até piora.

Nos tempos do Jornal Internacional

A Globo, ou mesmo a Globonews, deveria ter a ousadia de retomar o velho projeto do

‘Jornal Internacional’ dos anos 70. Não sou um saudosista. Mas em televisão, recordar também é viver. Prometo um artigo com mais detalhes sobre esse momento tão significativo do telejornalismo brasileiro.

Naquela época, outro grande jornalista gaúcho, Heron Domingues (ver aqui) se tornou um precursor dos nossos âncoras atuais. Ele contrariava a tendência da época. Segundo Carlos Castilho, editor chefe do JI, Heron sabia sobre o que lia. O velho locutor do ‘Repórter Esso’, chegava para apresentar o JI já tendo lidos os jornais e ouvido a ‘Voz da América’. Ele discutia as matérias do seu telejornal.

Mas assim como outros programas de qualidade da emissora carioca, como o excelente Globo Repórter do tempo dos cineastas, o Jornal Internacional seria vítima do seu próprio sucesso. Ao saltar de índices medíocres de audiência para mais de 30 pontos durante o escândalo Watergate, o Jornal Internacional garantiria o seu próprio fim. Uma das experiências mais bem sucedidas e esquecidas do nosso telejornalismo, um telejornal totalmente internacional se tornou o Jornal de Amanhã, depois, o Amanhã e, hoje, o jornal das ‘caras e bocas’, o Jornal da Globo . O JI foi o único telejornal noturno brasileiro totalmente dedicado às notícias internacionais.

Uma proposta nova em oposição aos limites e objetivos do Jornal Nacional, tanto em termos de conteúdo, como de linguagem televisiva. O Jornal Internacional fez história, criou audiência e educou o seu público. O programa acreditava no texto inteligente de jovens rebeldes como o próprio Carlos Castilho, Jorge Pontual e Sandra Passarinho. Eles não tinham correspondentes internacionais. Mas apesar da censura, do horário e da pequena audiência, o telejornal dos editores conquistou a liberdade para comentar as notícias do mundo e mostrar que era possível ter vida inteligente na TV brasileira. O JI informou, formou e educou toda uma geração de jornalistas, como eu, que ainda acredito na importância do noticiário internacional. Um contraste evidente com as atuais promessas não cumpridas e constantes decepções com o telejornalismo sem competição da rede Globo de hoje.’



ELEIÇÕES NOS EUA
Jornal do Brasil

‘Candidatos miram o telespectador’, copyright Jornal do Brasil, 19/07/04

‘O presidente dos EUA, George Bush, concentra os anúncios de TV de sua campanha para a reeleição nos intervalos dos programas policiais, enquanto seu oponente, o senador democrata John Kerry, em séries apreciadas pelas mulheres, segundo uma pesquisa divulgada ontem pelo jornal The New York Times.

Isso não significa que Bush prefira ver tiros e sangue na tela e que Kerry goste de assuntos mais sensíveis, mas reflete os diferentes objetivos de suas campanhas para as eleições presidenciais de 2 de novembro.

Bush tenta enviar suas mensagens a homens conservadores que preferem séries como Cops, Law & Order e JAG, de acordo com a pesquisa feita pela empresa Nielsen Monitor-Adicional e pelo Projeto de Publicidade da Universidade de Wisconsin, publicado pelo jornal.

Kerry, por sua vez, quer ganhar o voto de mulheres solteiras, que gostam de séries como Judge Judy, The Ellen DeGeneres Show e People´s Court.

Além disso, o senador pelo Estado de Massachusetts comprou mais espaços publicitários em programas com protagonistas negros, como The Parkers e The Steve Harvey Show.

Os negros são predominantemente democratas, e a campanha de Kerry pretende motivá-los a acudirem às urnas, já que nos Estados Unidos o voto não é obrigatório.

Ao mesmo tempo, ambas as campanhas põem muitos anúncios em programas vistos por mulheres de todas as idades, porque o sexo feminino freqüentemente demora mais a decidir em quem votará. Pessoas mais velhas estão na mira porque votam em maior porcentagem que os jovens. Para alcançar esta audiência, Bush e Kerry anunciam em programas como Oprah, A Roda da Fortuna, Dr.Phil e noticiários locais.

Além disso, a pesquisa indica que os gastos do candidato democrata à Presidência e dos comitês que o apóiam marcaram seus mais altos níveis, superando os da campanha de Bush na maioria dos Estados.

Foi detectada uma grande diferença entre os investimentos feitos entre os dias 4 de junho, quando Kerry conquistou a candidatura democrata nas primárias, e 20 de junho.

A equipe do senador exibiu mais comerciais do que Bush e os republicanos em dois terços dos 93 veículos de comunicação estudados. A veiculação dos anúncios cresce quanto mais se aproxima a eleição.

A campanha para a reeleição do presidente levou mais comerciais ao ar do que a de Kerry em 83 veículos, mas foi superada pelos democratas na maioria das áreas, quando estes receberam o apoio de grupos simpatizantes, como o Media Fund, MoveOn.org e AFL-CIO.

– O escritório de Kerry e seus aliados estão chegando aos eleitores com mais freqüência do que os de Bush na maioria dos Estados que não têm fidelidade a nenhum dos partidos e são considerados o campo de batalha da eleição – afirmou Ken Goldstein, diretor do Projeto de Publicidade.

Segundo Goldstein, os dois grupos gastaram mais de US$ 2 milhões em publicidade televisiva, um recorde neste momento da campanha, com os ‘democratas registrando uma pequena vantagem’.

– A campanha de Bush está surpresa com a quantidade de dinheiro que os democratas conseguiram reunir – disse.

Os analistas perceberam que Kerry já havia gasto muito em publicidade durante a disputa partidária.’



INDÚSTRIA AUDIOVISUAL
Sérgio Dávila

‘Estudo confirma hegemonia dos EUA no cinema mundial’, copyright Folha de S. Paulo, 15/07/04

‘De cada dez pessoas que saem de casa para ir ao cinema no mundo inteiro, 8,5 verão um filme dos Estados Unidos. De cada dez habitantes do planeta Terra, um assistiu à produção norte-americana ‘Titanic’ (1997), o filme mais visto de todos os tempos. De cada US$ 10 que são gastos numa bilheteria de qualquer lugar do globo, US$ 3,5 vão para Hollywood.

Esses são alguns achados do estudo ‘Globalização e escolha cultural’, do Relatório do Desenvolvimento Humano 2004, que confirma a hegemonia norte-americana na indústria cinematográfica mundial e a concentração de dólares culturais nos países ricos e recomenda leis de incentivo, e não barreiras, como maneira de incrementar a produção nacional.

No primeiro caso, de acordo com levantamento que a equipe da ONU faz no site de busca The Internet Movie Database, o popular IMDb, de todos os filmes que atingiram mais de US$ 100 milhões de bilheteria fora dos EUA até abril deste ano, os 43 primeiros são norte-americanos.

O primeiro estrangeiro será ‘A Viagem de Chihiro’, japonês, e os outros citados são todos de fala inglesa, os britânicos ‘Ou Tudo ou Nada’ (69º), ‘Quatro Casamentos e um Funeral’ (86º) e ‘O Diário de Bridget Jones’ (96º). Até o fim da lista de 282 títulos, haverá mais três de fora dos EUA.

No Brasil, não é diferente. Segundo dados obtidos pela Folha junto ao boletim especializado ‘Filme B’, um solitário título nacional (‘Dona Flor e Seus Dois Maridos’, de 1975) consta dos dez filmes mais vistos no país em todos os tempos, em terceiro lugar; os outros nove são dos EUA.

Superestrutura

‘Esse relatório comprova que a especificidade do capitalismo norte-americano foi converter a superestrutura cultural na infra-estrutura econômica’, disse Gilberto Felisberto Vasconcellos, professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de ‘Glauber Pátria Rocha Livre’, entre outros.

Procurado pela Folha, Steve Solot, que comanda o braço latino-americano da Motion Picture Association (MPA), entidade que defende o interesse dos principais estúdios norte-americanos no mundo, não se manifestou sobre os resultados do estudo.

A hegemonia cultural norte-americana, cuja indústria audiovisual é o braço mais forte e óbvio, é um dos itens de consumo do que o relatório chama de ‘elite global’. Essa casta seria formada por uma ‘classe média global’ que segue o mesmo estilo de compras e prefere as ‘marcas globais’.

Aqui, dominam os ‘adolescentes globais’, que habitam um ‘espaço global’, o singular mundo da cultura pop, assistindo aos mesmos clipes e programas de TV, ouvindo as mesmas músicas, vendo os mesmos filmes e movimentando um imenso mercado de tênis, camisetas e jeans ligados a esses produtos culturais.

Esse mercado global de bens culturais não pára de crescer, afirma o levantamento da ONU. Multiplicou-se por quatro entre 1980 e 1998, pulando de US$ 95 bilhões para US$ 380 bilhões -para ter uma idéia, o PIB brasileiro foi de US$ 493 bilhões em 2003.

Tal explosão traz embutida em si dois problemas. O primeiro é a ‘concentração de renda’: US$ 4 de cada US$ 5 movimentados por esse mercado global estão em apenas 13 países, exatamente as maiores economias, excetuando a China (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Canadá, Espanha, México, Coréia, Índia, Austrália e Holanda).

O segundo é a perda da identidade cultural nacional. Para que esta seja preservada, conclui o relatório, é melhor dar incentivos locais do que impor barreiras a bens culturais. ‘Restringir a influência estrangeira não promove a liberdade cultural’, diz o texto.

A ONU cita entre outros o Brasil como exemplo bem-sucedido de país com indústria cinematográfica que utiliza subsídios e incentivos fiscais sem interromper o fluxo de produtos culturais do exterior para seus mercados locais.

‘O ponto de vista do relatório é generalizante, ou seja, do lugar de observação deles, o cinema brasileiro conseguiu sobreviver sem impor limitações ao produto estrangeiro’, disse à Folha Gustavo Dahl, diretor-presidente da Agência Nacional do Cinema (Ancine). ‘Mas o reconhecimento mostra que estamos no caminho certo.’

Só política de incentivo, no entanto, não adianta, acredita Paulo Sérgio Almeida, editor do Filme B. ‘A fatia do mercado do filme nacional foi de 22% no ano passado, um fato histórico, mas deve fechar neste ano em torno de 10%’, diz. ‘Ou seja, precisamos também de política de mercado.’’



Jornal do Brasil

‘Diversificado, mas proibitivo’, copyright Jornal do Brasil, 15/07/04

‘A concorrida abertura do Festival Internacional de Cinema de Brasília (FIC), ontem, na Academia de Tênis, mostra que Brasília é uma cidade de cinéfilos cada vez mais dedicados à sétima arte. O público da capital federal não faz filas apenas para assistir aos últimos lançamentos hollywoodianos, mas também para os documentários, filmes europeus e nacionais. Essas vertentes, fora do grande circuito, têm se fortalecido na cidade, talvez pelas características de nossa população, de alta renda per capita e escolaridade acima da média nacional.

Além da programação normal das 74 salas de cinema do DF estar mais diversificada, os festivais da cidade têm ganho força e repercussão nacional. Em sua sexta edição, o FIC programa quase uma centena de longas-metragens e o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro vem recuperando suas qualidades: o ineditismo e a abertura para experimentações.

Mas nem tudo são boas notícias no universo da película. Filmes ainda são uma opção de lazer pouco acessível à população em geral, já que a maioria das salas de exibição fica no Plano Piloto e os preços são proibitivos para quem tem um orçamento restrito. Um casal com dois filhos, por exemplo, gasta pelo menos R$ 60 em uma simples saída ao cinema. Apenas duas salas têm entradas a menos de R$ 10 e as promoções são cada vez mais raras. Circula pela Internet uma corrente que conclama os brasilienses a boicotarem os cinemas no próximo dia 1º de agosto, para que as empresas revejam suas tabelas, consideradas abusivas por muitos.

Como as salas de exibição são quase todas controladas pela iniciativa privada, o governo tem pouco poder para democratizar o acesso ao cinema. As ações da Secretaria de Cultura resumem-se aos festivais gratuitos no Cine Brasília. É pouco. O cinema itinerante ao ar livre – ou ‘voador’ -, antigo projeto do GDF, parece ter sido abandonado. Essa parece uma boa hora para reativá-lo.’



OUTFOXED
Helena Celestino

‘Filme acusa TV Fox de favorecer Bush’, copyright O Globo, 14/07/04

‘‘Não caiam na armadilha fácil do luto pela perda de vida de americanos’. ‘Cortem a matéria muito antes da primeira crítica ao uso excessivo da força em Faluja’. As frases fazem parte de memorandos internos, assinados pelo vice-presidente de jornalismo da Fox, dando instruções sobre como noticiar a guerra do Iraque no canal de televisão do megaempresário de comunicação Robert Murdoch. As frases são reproduzidas num documentário devastador sobre o jornalismo da Fox, apresentado ontem pela primeira vez na New School University, em Nova York, causando polêmica no país.

‘OutFoxed; Robert Murdoch’s War on Journalism’ mostra com riqueza de detalhes os recursos usados pela emissora para transformar notícias em material de propaganda a favor do governo George W. Bush e do Partido Republicano. O veterano diretor de cinema Robert Greenwald utilizou imagens dos programas jornalísticos da Fox e montou-as junto com memorandos internos, entrevistas de ex-produtores, repórteres e funcionários da TV, numa colagem que evidencia a falta de isenção nos noticiários. Em depoimentos, professores e jornalistas famosos contam a história do grupo de Murdoch e analisam o jornalismo da emissora.

— A Fox é um comercial em tempo integral dos conservadores e do Partido Republicano — acusa no filme o crítico Jeffrey Chester, do Centro para a Democracia Digital.

Fox reage e critica George Soros e ‘New York Times’

A Fox reagiu e acusou o megaespeculador George Soros de estar por trás da organização MoveOn, um dos produtores do filme, e o ‘New York Times’, que publicou uma reportagem domingo sobre o documentário.

— Não tem precedentes a infração às leis de propriedade intelectual cometidas pela MoveOn em colaboração com o ‘New York Times’ — afirmou um porta-voz da Fox, dizendo que o jornal estava recebendo ordens de Soros.

O ‘New York Times’ não partiu para a tréplica e disse que não entrava em debates sobre as coberturas do jornal.

O diretor de ‘Outfoxed’, junto com a MoveOn, montou uma verdadeira operação de guerrilha cultural para mostrar o filme: elaborou um calendário de projeções em universidades e promoverá três mil festas no domingo, nas quais o documentário será projetado. O DVD do filme também já está à venda na Amazon.com e na MoveOn.

— Vamos usar o filme numa campanha de denúncia da Fox. Esta é a oportunidade de defender os princípios de um jornalismo isento, essencial para a democracia — explica o site da MoveOn, uma organização criada por John Podesta, ex-chefe de campanha de Bill Clinton.

Nem diretor nem produtor escondem que se trata de um filme com objetivos políticos. Greenwald, 58 anos, produtor e diretor de cinema de Hollywood, tem no currículo 53 filmes de TV e um punhado de documentários sobre temas políticos.

‘OutFoxed’ custou US$ 300 mil (R$ 910 mil) , US$ 80 mil (R$ 240 mil) financiados pela MoveOn e o resto conseguido por meio de doações. Durante seis meses, 12 aparelhos de DVD gravaram o canal de notícias da Fox 24 horas por dia, sete dias por semana, material que foi editado para evidenciar o que o diretor chama de ‘as técnicas de propaganda da Fox’. Todas as imagens foram usadas sem permissão da Fox. Por isso a necessidade da operação de guerrilha, pois a empresa poderia impedir a distribuição do filme.’