O embaixador brasileiro Mário Vilalva jura que estava no jantar, em Tóquio, e que não se falou de Argentina, de Chile ou de América do Sul. Eduardo Scolese e Leonencio Nossa, autores do livro Viagens com o presidente – Dois repórteres no encalço de Lula do Planalto ao exterior, confirmam que Sua Excelência falou, e falou pesado, sobre os presidentes da Argentina e do Uruguai, e teceu considerações depreciativas sobre o Chile.
Mas nosso problema não é este: nosso problema é que as frases desrespeitosas teriam sido ditas pelo presidente Lula num jantar com cerca de 20 convidados, em maio de 2005. E, no entanto, só agora, quase um ano e meio depois, a notícia foi divulgada. Caso a notícia seja verdadeira – e deve ser, não apenas pela boa reputação dos autores do livro como por se amoldar perfeitamente ao presidente que temos – por que não foi divulgada na época?
Há várias possibilidades, e todas, exceto uma, muito ruins. A aceitável é imaginar que algum dos presentes ao jantar (onde não havia repórteres) soube que Scolese e Nossa estavam escrevendo um livro e procurou-os para contar o incidente, até então desconhecido fora do círculo dos convidados. Os jornalistas confirmaram a informação (aliás, detalhadíssima, até com o número de uísques já consumidos por Sua Excelência) e a incluíram no texto.
As demais alternativas são péssimas: vontade de preservar o presidente; vontade de evitar problemas diplomáticos; pressões sobre os jornalistas que sabiam do fato; pressões sobre os veículos – haverá outras possibilidades a levantar?
Fato normal
Chama a atenção, também, que nenhum veículo de comunicação tenha cobrado a demora na divulgação do incidente. Estaremos nos conformando – nós, jornalistas – com a idéia de que podemos escolher a hora e a data em que uma informação deve ser divulgada?
Panela de pressão
É claro que é difícil enfrentar o governo – qualquer governo, de qualquer partido. O repórter que publicar informações inconvenientes pode ser surpreendido com a quantidade de notícias entregue a seus concorrentes diretos, que irão furá-lo com enorme freqüência. Na escolha dos participantes de uma entrevista, ele pode ser esquecido – se bem que, no governo daquele que o chanceler Celso Amorim chama de ‘nosso guia’, isso não seja grande problema, pois entrevistas do presidente não há. A concessão de credenciais pode sofrer atrasos burocráticos, sabe como é, faltou um carimbo.
Há muitos e muitos anos, o excelente repórter Ewaldo Dantas Ferreira foi cobrir a visita oficial do general-presidente Emílio Medici aos Estados Unidos. Como era persona non grata, o Itamaraty negou-lhe a credencial. Ewaldo foi assim mesmo, com aval do Jornal da Tarde, de São Paulo. Fez uma esplêndida cobertura. Mas, enquanto os colegas iam nos ônibus oficiais de um ponto a outro da visita, ele tinha de achar um táxi; enquanto os colegas entravam direto nas cerimônias, ele passava um bom tempo se identificando na portaria; enquanto o governo facilitava a transmissão de matérias dos repórteres credenciados, ele tinha de encontrar um telex (sim, companheiros: na época, telex era o top de linha, o state of the art das telecomunicações), num lugar sem fila, para remeter seu texto a tempo.
E, por favor, não me digam que o governo Médici não tem nada a ver com o governo Lula. Governo é governo. E, se um governo não tivesse nada a ver com outro, por que ambos receberiam apoio do mesmo José Sarney?
Os nomes! Os nomes!
Está no boletim de campanha do presidente Lula, com o curioso nome de ‘Antivírus’, uma defesa apaixonada da tal ‘democratização dos meios de comunicação’ (este Observatório da Imprensa é comunicação democratizada, sem patrão, e não precisou da interferência do governo para se apresentar à opinião pública). Diz o texto:
‘Gente que se considera liberal, considera nocivo que se defenda maior concorrência na área da comunicação. Duplamente curioso: gente que repudia publicamente a presença do Estado na comunicação, privadamente luta com afinco para obter financiamento público e verbas publicitárias’.
Deve ser verdade; um boletim ligado ao presidente da República não mentiria. Mas cadê os fatos? Quem é que repudia publicamente a presença do Estado na comunicação e privadamente luta com afinco para obter financiamento público e verbas publicitárias? Os nomes, senhores! Como dizem os publicitários americanos, where is the beef? Cadê a carne por baixo desse angu?
Sem nomes! Sem nomes!
O leitor Waldinei de Oliveira, de São Paulo, reclama que este colunista não dá nome aos bois quando expõe os vacilos da imprensa. ‘Se é para esconder informações, melhor não dizer nada’, conclui. Este colunista optou por evitar nomes, sempre que possível, porque seu objetivo é discutir os problemas da área de comunicações; e, para isso, usa o noticiário como exemplo. Como diria algum religioso, discute-se o pecado, mas não o pecador. A questão não é discutir quem fez o que, mas examinar se aquilo deve ou não ser feito. Não é denúncia, é análise.
Gente poderosa
Cadê o noticiário da Operação Dilúvio? É aquela ação da Polícia Federal, que utilizou 1.400 agentes em dez estados e em Miami, e que atingiu comerciantes conhecidos, acusados de importações fraudulentas que teriam gerado mais de 500 milhões de reais de prejuízo ao país. A Operação Dilúvio foi manchete no dia 16 de agosto, teve seu noticiário reduzido rapidamente e, de repente, nem se ouve mais falar nela.
Cadê a suíte? Contra quem foi aberto inquérito? Já houve alguma denúncia formal? Houve alguém que, tendo sido atingido, já conseguiu livrar-se de problemas, comprovando ser inocente?
O Ministério Público e a Polícia Federal não têm obrigação de divulgar notícias todos os dias. Mas os meios de comunicação têm obrigação de buscá-las. Logo vai aparecer alguém, maldoso, tentando vincular o silêncio da imprensa ao poder dos empresários apontados como fraudadores.
É maldade, mesmo. Este colunista prefere parafrasear o ótimo Ivan Lessa, achando que no Brasil, a cada 15 minutos, há um escândalo que obscurece a repercussão do escândalo ocorrido nos 15 minutos anteriores.
E eu com isso?
Dana de Teffé, milionária tcheca que fez sucesso na sociedade do Rio, desapareceu há uns 50 anos. Um cavalheiro disse que a matou, depois disse que não a matou, aí levou a polícia ao local onde a teria enterrado e onde nada foi encontrado – enfim, cadê Dana de Teffé? O ícone dos cronistas, Carlos Heitor Cony, sempre pergunta onde estão os ossos de Dana de Teffé. Como responder-lhe?
Raoul Wallenberg, diplomata sueco que salvou milhares de pessoas do regime nazista, desapareceu no final da Segunda Guerra Mundial. Há rumores de que tenha sido preso pelos soviéticos e morrido na prisão; mas nenhuma certeza. Não há como saber se Wallenberg está vivo ou morto; ou, se morto, como morreu.
São incertezas que incomodam, que causam certa inquietação, que a alguns chegam a tirar o sono. Mas, em compensação, nossa imprensa nos esclarece, nos informa, nos dá flashes de realidade sem os quais, definitivamente, não poderíamos sobreviver. Vejamos:
1.
Fernanda Torres vai à praia com ‘tesão’.2.
Ex-BBB posa com pitbull em ensaio e diz ter tomado remédio. [Só acrescentando detalhes: o ensaio é para uma revista gay. E o remédio era um Viagra, ou similar, para garantir-lhe a ereção. Fantástico! O remédio deve ser ótimo, para garantir uma ereção com um pitbull do lado!]3.
John Travolta é fotografado beijando outro homem.4.
Prestigiado pela sogra, Roberto Justus lança livro em SP.5.
Sensual, Paris Hilton leva irmã para festa pós-Emmy.Paris Hilton. A imprensa não pára de falar nela, como se fosse uma personalidade mundial. É ótimo ter sobrenome de hotel, não é mesmo?
Como é mesmo?
E, nesta semana, dois títulos são sem dúvida os campeões. Em segundo lugar:
‘Quase 1 dos turistas estrangeiros querem voltar ao Brasil’
E o primeiríssimo:
‘Pilotos de avião que caiu nos EUA não se queixaram da pista’
Responda depressa: dava tempo?
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados