Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Os duros ossos do ofício de um editor público

Contratado em novembro para um período de 18 meses, o editor público do New York Times, Daniel Okrent, está enfrentando todas as dificuldades que esperava encontrar como primeiro ombudsman de um dos jornais mais influentes do mundo. Aos 56 anos, o veterano editor de revistas chegou a seu cargo após o abalo causado pelo escândalo do repórter-plagiador Jayson Blair e da revelação pública de vários problemas internos na redação do diário nova-iorquino.

Hoje, meses depois, Okrent já está calejado pelas escaramuças com a equipe do jornalão. Em entrevista a James Bandler [The Wall Street Journal,12/7/04], ele afirma que o Times tem ‘um sistema imunológico muito forte’. ‘Eu fui um tipo de antígeno muito diferente. Se tivessem havido três editores públicos antes de mim, o corpo poderia ter me absorvido um pouco melhor’. Okrent faz questão de deixar claro que não é parte da equipe. Sua função é de observador externo. Assim, comprometeu-se a nunca recomendar a demissão ou contratação de algum repórter e recebeu permissão para não seguir as regras de estilo do diário, regalia concedida também a outros colunistas.

Jornalistas reclamam

Dos jornalistas do Times já recebeu todo tipo de reclamação. Alguns se queixam de perderem muito tempo com as mensagens dos leitores encaminhadas por Getler e seu assistente – ao todo, já foram mais de 4.600, sobre os mais diversos assuntos. Também há repórteres e editores que não gostaram de não serem consultados antes de verem seu trabalho criticado na coluna do editor público.

Em abril, em artigo incomum, Okrent criticou uma cobertura do caderno cultural antes mesmo de ela acontecer. Ele antecipava que o Times iria dar espaço demasiado aos Tony Awards, prêmios de teatro que, em sua opinião, são comerciais e ‘sem significado artístico’. Seu texto influenciou o trabalho dos repórteres. Dois dias depois de sair, uma matéria fazia menção às objeções do ombudsman aos Tony Awards. Algum tempo depois, foi publicado um artigo crítico sobre a premiação.

Outra participação de destaque de Okrent foi o mea culpa publicado pelo jornal com relação à cobertura da existência de armas de destruição em massa no Iraque de Saddam Hussein. Ele avisou ao editor executivo Bill Keller que trataria do tema, o que fez com que a equipe de editorialistas se adiantasse e publicasse um artigo assumindo que o diário não havia noticiado satisfatoriamente a falta de evidências de que o ex-ditador iraquiano dispunha de armas de destruição em massa.

Para Keller, Okrent tem contribuído de forma valiosa para o Times. ‘Ele não só ajuda a educar os leitores, como provoca muita introspecção construtiva no jornal’. Isso não impede, no entanto, que o ombudsman e o editor executivo também tenham suas desavenças. Na semana passada, o editor público escreveu que o diário não deveria ter publicado uma matéria em que o autor de best-seller Tony Hendra é acusado por sua filha de abuso sexual na infância. O acusado nega o crime. Keller ficou sabendo – e não gostou – das perguntas que Okrent andara fazendo ao editor responsável pela matéria. ‘Tenho de dizer: cara, você precisa de umas férias’, escreveu em e-mail a Okrent. Este admitiu que estava precisando mesmo de férias e sugeriu que Keller também precisaria de um descanso. Mas não deu o braço a torcer com respeito à coluna: ‘Às vezes, uma pergunta é só uma pergunta. Isto se chama reportagem, certo?’.