O projeto da Ficha Limpa estava morto, esquecido, enterrado e sepultado nas gavetas mais ilustres do Congresso Nacional. Até que subitamente ressuscitou, ergueu-se, ganhou força e fôlego para reviver, vigoroso e irrefreável, na pauta do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal. Virou lei – e mandamento incontestável da política ética e decente que exige o povo brasileiro – não por decisão de nossa elite política, mas pela pressão e imposição do próprio povo, através das redes sociais.
Quando o projeto chegou às mãos do deputado Michel Temer, em outubro de 2009, o então presidente da Câmara alegou que a Ficha Limpa “não tinha apoio político”. Só a pressão popular, cada vez mais consistente nos oito meses seguintes, permitiu que a lei fosse enfim sancionada em junho de 2010 pelo presidente Lula. Os políticos perceberam que não seria sensato desafiar a vontade popular, principalmente em ano eleitoral.
A pressão externa sobre o Congresso começou pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que recolheu mais de 1,5 milhão de assinaturas, superando a margem de 1% do eleitorado (1,3 milhão de assinaturas) de cinco Estados exigida pela Constituição para projetos de iniciativa popular. Com ela, o Congresso quebrava um jejum de cinco anos para matérias com origem externa ao rito parlamentar.
Biografia respeitada
Nas redes sociais, além do patrocínio decisivo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Ficha Limpa teve outro impulso notável. Através da Avaaz.org, uma rede de ativistas para mobilização social que reúne 13 milhões de internautas de 15 línguas diferentes, a campanha da Ficha Limpa tornou-se um top trending topic (assunto mais postado) do Twitter por uma semana. Outros dois milhões de assinaturas foram colhidos virtualmente, graças ao ativismo das redes sociais. Quando o projeto foi enfim aprovado, o senador Cristovam Buarque tuitou: “O Ficha Limpa é uma vitória dos internautas”.
Agora, chegou o momento de convocar, outra vez, as redes sociais. É preciso salvar a CPI do Cachoeira do fiasco e do vexame de um acordo imoral entre os suspeitos de sempre. Partidos, políticos, governantes, empresários e lideranças flagrados em conversas pouco republicanas e nada decentes, em milhares de grampos da Polícia Federal autorizados pela Justiça, aparecem se acertando para livrar uns e outros da inevitável condenação sob o odor insuportável da pizza que nos nauseia e repugna.
As investigações já estão concluídas, os autos já são públicos, os constrangimentos já foram explicitados. O que resta à CPI é fazer o que deve ser feito: avaliar os indícios, elementos e provas coletados e cumprir com o seu dever perante a sociedade brasileira, apontando os culpados e recomendando as soluções devidas para coibir a ação de organizações criminosas no interior da máquina pública.
Mas, nada disso acontecerá se o Congresso não for, outra vez, virtualmente cercado pelas redes sociais da cidadania. Precisamos que os brasileiros, neste admirável mundo novo da internet, façam o que parcela ponderável de senadores e deputados não querem fazer: tomem posição, adotem atitudes, avancem, protestem e denunciem a inércia, a omissão, o conluio, a cumplicidade.
Hoje, graças à mobilização consciente de milhões de pessoas que nunca vieram a Brasília, temos um país regido por uma legislação que exige apenas o óbvio: a política como um território livre e aberto apenas às pessoas de ficha limpa, de biografia respeitável e respeitada. A Ficha Limpa é a comporta essencial para impedir que a boa política seja afogada pela cachoeira dos piores instintos humanos.
Brasil conectado
O Facebook no Brasil é compartilhado por 50 milhões de pessoas, quase metade do eleitorado, um de cada quatro brasileiros. É uma multidão que cresce de forma vertiginosa. Nos últimos seis meses surgiram mais de 16 milhões de brasileiros na rede do Facebook. É o eleitorado somado do Rio de Janeiro e de Goiás, duas áreas centrais de atuação da construtora Delta e do bicheiro Cachoeira. É mais da metade do eleitorado de São Paulo, o maior colégio do país.
No Orkut, são mais de 30 milhões de usuários. São quase 6 milhões de usuários do Twitter, num país onde apenas 30 milhões de residências possuem internet. O Brasil, hoje, é o país de maior crescimento no mundo em termos de redes sociais.
Fica aqui, meu apelo. Vocês das redes sociais – do Facebook, do Orkut, do Twitter –, que acessam blogs e enviam e-mail, ajudem o Brasil a evitar o fiasco desta CPI do Cachoeira. Invadam a grande rede, cerquem virtualmente o Congresso e façam jorrar sobre senadores e deputados a indignação nacional contra esta vergonhosa armação que ameaça jogar o Parlamento no fundo do poço.
Mostrem sua indignação, escrevam, gritem, denunciem. Apesar de tudo, o Congresso e os políticos não são surdos à voz das ruas, que inventam e sustentam suas carreiras. Exerçam sua cidadania.
Não podemos ter vergonha do Parlamento. Precisamos nos orgulhar dos brasileiros. Este é o apelo que faço aqui, agora. O Brasil, conectado, precisa reconectar o Parlamento com a dignidade. Mexam-se!
***
[Pedro Simon é senador pelo PMDB-RS]