‘Listas definindo ‘os melhores’ filmes de determinado período são geralmente trágicas. Acaba-se esquecendo nomes fundamentais e lembrando outros desnecessários. Recentemente foi lançado no Brasil o livro A magia do cinema (pela editora Ediouro), do crítico americano Roger Ebert.
Nele há uma controversa seleção de cem grandes filmes do primeiro século do cinema. Para muitos, a lista seria por demais americanizada, privilegiando as produções de Hollywood. Em entrevista, feita por e-mail, ao Jornal do Brasil, Roger Ebert disse que até concorda com as críticas e falou sobre a postura do governo dos Estados Unidos em relação aos produtores de cultura do país.
– Alguns críticos acham a lista do seu livro muito americanizada, com 65 filmes dos Estados Unidos, e com apenas um russo. O que você pensa a respeito?
– Eles estão certos. No A magia do cinema 2, que será publicado em breve, estarão filmes como Solaris, de Tarkovsky, e Ivan, o terrível, de Eisenstein. Mas é importante ressaltar que esses não são ‘os’ cem melhores filmes (apesar disso estar escrito na capa do livro brasileiro), mas apenas alguns dos melhores filmes do mundo, sem ordem ou ranking.
– O senhor afirma no seu livro que as produções de Hollywood nivelam o público por baixo. Onde se pode encontrar bom cinema hoje?
– Houve um tempo em que as cinematografias de vários países emergiram, uma atrás da outra. A nouvelle vague francesa foi seguida de um movimento cinemanovista na Alemanha, no Brasil e na Espanha. Hoje, as cinematografias mais interessantes que têm surgido podem ser vistas em países como Irã, Coréia, México e Hong Kong. Contudo, um dos filmes mais eletrizantes dos últimos anos foi o brasileiro Cidade de Deus, que certamente é um grande filme, e poderia ter entrado no meu livro. Mas, normalmente, eu prefiro selecionar filmes com pelo menos dez anos, já que a idéia do livro é pegar grandes filmes do passado.
– Você acha que é importante reduzir a quantidade de efeitos especiais, para enfatizar a construção da narrativa cinematográfica?
– Não necessariamente. O próprio Cidadão Kane é um filme repleto de efeitos especiais. A questão é: os efeitos estão a serviço da história, como em 2001: uma odisséia no espaço, ou a história está a serviço dos efeitos, como no recém-lançado A batalha de Riddick.
– É possível acompanhar as produções latino-americanas nos Estados Unidos?
– Isso depende da boa vontade dos distribuidores, que normalmente não arriscam seu dinheiro em filmes com os quais não tenham certeza de lucro.
– Como você avalia o cinema brasileiro? Conhece o trabalho de um Glauber Rocha, de um Nelson Pereira dos Santos, do Walter Salles?
– Dos diretores mencionados, eu não tenho orgulho de dizer que não vi filmes de nenhum deles, exceto de Salles. Geralmente, se um filme não entra em circuito em Chicago, não tenho nenhuma outra oportunidade de vê-lo. Dos filmes brasileiros, gosto muito de Bye Bye, Brasil, Pixote, Central do Brasil, O beijo da mulher-aranha, Carandiru, Abril despedaçado e Ônibus 174. Pixote certamente estará na minha próxima lista, do futuro livro, e ainda devo adicionar Cidade de Deus a essa lista.
– A imprensa publicou que a Disney não quis fazer a distribuição do novo filme de Michael Moore, Fahrenheit 11 de setembro, com medo de sofrer retaliações do governo americano. Qual é a relação entre o governo e os produtores culturais? Você acha que os filmes americanos não são críticos o suficiente com o governo?
– A decisão da Disney parece ter sido tomada sozinha, sem influências do governo, e o filme dele não só conseguiu uma distribuição alternativa como teve um fortíssimo desempenho na primeira semana, com US$ 25 milhões de caixa, grandes filas, aplaudido de pé. Pelo menos neste país uma pessoa pode criticar o governo e e ainda ganhar dinheiro fazendo isso.
– Como você vê a reação dos cineastas americanos à política externa de Bush?
– Posso dizer seguramente que a grande maioria dos cineastas americanos se opõe à política externa de Bush e ao seu governo de modo geral.’
Rodrigo Fonseca
‘O rei do achismo’, copyright Jornal do Brasil, 21/07/04
‘Para um homem que se orgulha de ter visto 8 mil filmes em 62 anos de vida, o americano Roger Ebert tem muito pouco a dizer sobre os longas-metragens que avalia. Fanático por Cidadão Kane, o jornalista que, aos 15 anos já assinava reportagens sobre esportes, inegavelmente escreve muito bem, calcando seu texto em floreios graciosos de linguagem e chistes provocativos, mas um tanto preconceituosos. Mas argumentar é algo que ele faz sem nenhum brilhantismo, nenhuma inspiração, ainda que o Pulitzer que recebeu por seu jornalismo opinativo tente sugerir o contrário. Em suma, Ebert faz mexerico da Candinha, não análises fílmicas densas.
Logo na primeira dezena de páginas viradas de A magia do cinema é possível perceber um certo ‘achismo’, do tipo ‘gostei, o filme é bom; não gostei, ele é ruim’. Troca de idéias, reflexão semiológica, investigação de sentido, nada disso recheia a obra, que chegou ao Brasil numa luxuosa publicação da Ediouro. Só há um prazer em sua leitura: acompanhar o destilar de ironia do crítico, que é doutorado pela Universidade do Colorado e palestrante fixo do curso de Belas Artes da Universidade de Chicago. Isso faz até com que se perdoe a miopia com que ele enxerga o cinema europeu e asiático, descartando obras de autores do porte de um Luchino Visconti (O leopardo) ou um Valerio Zurlini (A primeira noite de tranqüilidade).
Dono de uma prosa ágil, preocupada em polemizar questões por vezes insignificantes de uma obra, como o topete de um ator ou a pintinha na bochecha de uma estrela, Ebert fez um livro que, para estudiosos ou cinéfilos, serve como um roteiro introdutório às diferentes vertentes da produção hollywoodiana. O descaso freqüente do crítico para com cineastas-autores um tanto esquecidos nos dias de hoje – como John Cassavetes (de Faces), Martin Ritt (de Conrack) e Arthur Penn (de Duelo de gigantes) – causa certo desconforto, mas não diminuiu a importância do livro como guia de referência.’