Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Associação pede apoio da sociedade civil

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp-Brasil) divulgou documento no qual solicita o apoio da sociedade civil ao poder investigatório de procuradores e promotores, cuja atuação vem sendo alvo de críticas e objeto de medidas restritivas atualmente em análise no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal. Abaixo, a íntegra do documento, encaminhada ao Observatório da Imprensa pelo presidente da Conamp, João de Deus Duarte Rocha.

Do: Presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP-Brasil) – João de Deus Duarte Rocha

Assunto: Pedido de manifestação de apoio ao poder investigatório criminal do Ministério Público brasileiro

Nas últimas duas décadas, e principalmente após o advento da Constituição democrática de 1988, o Ministério Público tem atuado de forma bastante eficiente na investigação de alguns crimes de maior gravidade, que até então costumavam ficar impunes, principalmente quando os investigados eram pessoas, política ou economicamente, influentes. As provas de crimes coletadas diretamente pelo Ministério Público em seus procedimentos administrativos têm sido indispensáveis para respaldar as condenações nos processos judiciais, posto que, em muitos casos e por diversas razões, a Polícia Judiciária não vem conseguindo realizar apurações com a independência e a profundidade necessárias.

Sem embargo da relevância social deste trabalho que vem sendo desenvolvido, algumas iniciativas junto ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal pretendem suprimir o poder investigatório criminal do Ministério Público, o que poderia representar um sério retrocesso institucional, com reflexos negativos imediatos para a repressão da corrupção, da criminalidade organizada, da macrocriminalidade econômica, dos crimes eleitorais e das violações dos Direitos Humanos.

A importância da investigação criminal direta do Ministério Público para o combate à corrupção

A apuração dos casos de corrupção e de outros crimes contra a Administração Pública (peculato, concussão, tráfico de influência, fraude em processo licitatório, etc.) exige que o órgão investigador tenha absoluta independência do Poder Executivo, posto que os autores – que em sua maioria são agentes públicos – costumam fazer pressões e ingerências para obstar as investigações ou conduzi-las a resultados não verdadeiros.

Em tais circunstâncias, os integrantes do Ministério Público estão em melhores condições que os integrantes da Polícia Judiciária para realizar apurações efetivamente independentes, posto que não estão subordinados às cúpulas do Poder Executivo, bem como dispõem das garantias constitucionais da inamovibilidade, da irredutibilidade de vencimentos e da vitaliciedade.

A História recente do Brasil tem confirmado que o Ministério Público consegue atuar com maior independência – e, conseqüentemente, com maior eficiência – que a Polícia Judiciária quando se trata de apurar crimes praticados por autoridades. De fato, antes que os Procuradores da República e Promotores de Justiça começassem a investigar diretamente as infrações penais, eram raríssimas as punições de agentes públicos corruptos; porém, nos últimos vinte anos, depois que vários deles foram finalmente investigados pelo Ministério Público, depois processados e condenados, a sociedade vem se acostumando com a idéia de que as pessoas que antes eram ‘intocáveis’, que se punham ‘acima da Lei‘, agora também são passíveis de punição.

A importância da investigação criminal direta do Ministério Público para o combate à criminalidade organizada

As principais áreas de atuação das organizações criminosas no Brasil são o tráfico de drogas, o contrabando de armas e munições, a extorsão mediante seqüestro, os assaltos a bancos e veículos de carga, o tráfico de órgãos e de seres humanos e o contrabando e a falsificação de produtos industrializados. Tais organizações criminosas estão cada vez mais poderosas, posto que vêm atuando em cooperação com máfias internacionais, bem como infiltrando seus agentes nas estruturas de poder do Estado.

As investigações sobre o crime organizado no Brasil vêm descobrindo ligações das máfias com alguns integrantes do Poder Executivo, sobretudo da Polícia Judiciária, do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do próprio Ministério Público. As evidências da infiltração do crime organizado nas estruturas do Estado brasileiro vêm surgindo em diversas investigações que contam com a participação direta do Ministério Público, como a ‘Operação Anaconda‘, que desbaratou uma rede de proteção policial e de venda de decisões judiciais para contrabandistas e narcotraficantes.

Então, quando o Estado mais precisa da colaboração de todos para conter a expansão do poder das máfias, inclusive para dentro de suas próprias estruturas, seria um evidente contra-senso impedir o Ministério Público de realizar diretamente as investigações dos crimes praticados pelas organizações criminosas, principalmente quando existam suspeitas de participação de integrantes da Polícia Judiciária ou de outros agentes públicos nas quadrilhas ou bandos.

A importância da investigação criminal direta do Ministério Público para o combate à macrocriminalidade econômica

O Ministério Público também vem investigando autonomamente diversos crimes contra a Ordem Tributária, a Ordem Econômica e as relações de consumo que anteriormente não vinham sendo devidamente investigados pela Polícia Judiciária (v.g., a sonegação fiscal, as fraudes no mercado financeiro, a formação de cartel em diversos setores, etc.).

O combate de tais práticas criminosas é fundamental para o desenvolvimento econômico e social do País, haja vista que elas acarretam a diminuição das receitas públicas – que os governos insistem em tentar compensar com aumentos da carga tributária – geram insegurança no mercado interno e desconfiança dos investidores externos, pressionam a alta da inflação e vulneram a proteção dos consumidores de produtos e serviços, entre outros males.

Assim como nos casos de corrupção e de atuação do crime organizado, os autores dos crimes contra a Ordem Tributária, a Ordem Econômica e as relações de consumo também costumam ser pessoas que gozam de enorme influência, não apenas pelo poder econômico de que dispõem, mas principalmente pelas notórias relações que mantêm com várias lideranças políticas nacionais e regionais, cujas campanhas eleitorais muitas vezes são financiadas por suas empresas.

A experiência dos últimos anos tem demonstrado que o Ministério Público, por estar menos sujeito às pressões políticas e econômicas que a Polícia Judiciária, realiza investigações criminais bem mais proveitosas, como aconteceu, por exemplo, nos casos da ‘Máfia dos Fiscais da Receita Estadual’ no Rio de Janeiro e do ‘Cartel dos Postos de Combustíveis’ em Minas Gerais. Por estas razões, o Ministério Público deve continuar realizando investigações diretas destes graves crimes.

A importância da investigação criminal direta do Ministério Público para a garantia da lisura nos processos eleitorais

O Art. 127 da Constituição Federal de 1988 prevê como uma das atribuições do Ministério Público a defesa do regime democrático. Entre as principais distorções no funcionamento da democracia brasileira estão o abuso do poder econômico e o abuso do poder político nas campanhas eleitorais, sendo que a ordem jurídica incumbiu o Ministério Público de promover a responsabilização dos implicados. Mais especificamente no âmbito criminal, incumbe ao Ministério Público buscar a punição dos autores dos crimes que maculam a lisura dos pleitos, dentre os quais se destaca a corrupção eleitoral (Art. 299 da Lei 4.737/65), por sua grande nocividade e por sua prática ainda muito freqüente nos bolsões de pobreza.

Além da compra de votos, o Ministério Público também investigou e vem investigando diretamente outras condutas muito lesivas que ainda não foram criminalizadas de forma específica, especialmente as relacionadas com o financiamento ilegal de campanhas eleitorais, em troca de favores legislativos e administrativos dos futuros mandatários, como ocorreu na chamada ‘Operação Uruguai‘ – a não-declaração de doações recebidas para a campanha do Ex-Presidente Fernando Collor de Melo à Justiça Eleitoral, a remessa de sobras dos fundos respectivos para contas particulares no País vizinho e a formação de um esquema, comandado pelo ex-tesoureiro Paulo César Farias, para favorecer os ‘doadores ocultos’ na obtenção de contratos com a Administração Federal.

Também nos crimes eleitorais, os integrantes do Ministério Público estão em melhores condições de realizar investigações verdadeiramente independentes, posto que os integrantes da Polícia Judiciária são subordinados aos chefes do Poder Executivo e não possuem as garantias de inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos e vitaliciedade estando, portanto, mais susceptíveis às ingerências e às pressões do poder político.

A importância da investigação criminal direta do Ministério Público para a repressão às violações dos direitos humanos

Infelizmente, mesmo após o final do regime ditatorial, o Brasil continua sendo citado freqüentemente nos relatórios de organismos internacionais e de organizações não-governamentais sobre violações de Direitos Humanos. Na grande maioria dos casos, há envolvimento de policiais nos casos de tortura, maus-tratos, abuso de poder e formação de grupos de extermínio, sendo que, em tais situações, o Ministério Público vem investigando paralelamente os crimes, para evitar que as apurações não sejam levadas a bom termo pela Polícia Judiciária, em razão do corporativismo.

A propósito da necessidade de apurações independentes dos crimes contra os Direitos Humanos, o Relatório da Organização das Nações Unidas sobre execuções sumárias no Brasil recomendou que o Ministério Público deveria ser estimulado a desenvolver investigações em face desses comportamentos delitivos.

O poder investigatório criminal do Ministério Público perante a opinião pública

A opinião pública brasileira sempre reconheceu e apoiou a atuação investigatória realizada pelo Ministério Público no âmbito criminal. Numa pesquisa realizada em fevereiro de 2004 pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), a maioria absoluta dos entrevistados entendeu que o Ministério Público deveria investigar diretamente as infrações penais, sobretudo nos casos de corrupção, nos casos relacionados com as organizações criminosas e nos casos em que policiais estivessem envolvidos. Apenas 4% (quatro por cento) dos entrevistados manifestaram-se a favor do monopólio da investigação criminal pela Polícia Judiciária.

A mobilização em defesa do poder investigatório criminal do Ministério Público

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) vem conclamando todas as pessoas, as entidades e as organizações comprometidas com o combate à corrupção, com a luta contra o crime organizado, com a repressão da macrocriminalidade econômica, com o bom funcionamento das instituições democráticas e com a defesa e a promoção dos Direitos Humanos no Brasil a declarar publicamente seu apoio à manutenção das atribuições investigatórias do Ministério Público no âmbito criminal.

Nos últimos meses, a CONAMP tem recebido o apoio e a solidariedade de diversas associações de classe, sindicatos, organizações não-governamentais e entidades representativas da sociedade civil. Porém, como ainda persistem as ameaças contra o poder investigatório criminal do Ministério Público, a CONAMP vem solicitar uma moção de apoio à luta dos Procuradores da República e dos Promotores de Justiça para que seja mantida esta atribuição institucional tão importante para a sociedade brasileira.

A CONAMP tem buscado esclarecer a sociedade civil brasileira e a comunidade internacional sobre a importância da manutenção do poder investigatório criminal do Ministério Público através de notas e reportagens em jornais, revistas, websites, rádios e emissoras de televisão e solicita que esta associação/organização/entidade possa fazer o mesmo, bem como possa comunicar as iniciativas adotadas à CONAMP, através de e-mail (conamp@conamp.org.br) ou por correspondência para o seguinte endereço: SRTVS, Quadra 701, Centro Empresarial Assis Chateaubriand, Bloco II, salas 634/635, C.E.P: 70340-906 – Brasília (DF) – Brasil.

Finalmente, a CONAMP gostaria de convidar esta associação/organização/entidade para fazer-se representar num ato público, a ser realizado no dia 10 de agosto de 2004, em Brasília-DF, contra a impunidade e em favor do poder investigatório criminal do Ministério Público. Agradecendo antecipadamente,

Brasília, 16 de julho de 2004

João de Deus Duarte Rocha, Presidente da CONAMP