‘Pode haver pelo menos um lado positivo no caso recente de espionagem empresarial-governamental envolvendo uma agência de arapongagem internacional (Kroll), duas empresas telefônicas (Brasil Telecom e Itália Telecom) e, pelo menos, dois integrantes do governo Lula (Luiz Gushiken e Cassio Casseb). É possível que agora ande mais rapidamente o projeto de lei que regulamenta grampos telefônicos legais -quando um juiz os autoriza.
Hoje, a forma mais fácil de grampear um telefone passou a ser a entrada escusa em algum processo judicial legítimo. A lei é difusa. O delegado pede a um juiz autorização para monitorar conversas. Envia dezenas de números que supostamente são usados por pessoas suspeitas.
O delegado não tem a obrigação de detalhar a razão de incluir todos aqueles números de telefone. Não há lei que obrigue o juiz a exigir tal detalhamento. Resultado: muita gente que não tem nada a ver com o caso acaba grampeada. O próprio delegado autor do pedido às vezes também não sabe quais são todos os personagens, pois apenas passa adiante o que seus subordinados solicitaram.
Um projeto de lei está em formulação no Ministério da Justiça. Se aprovado pelo Congresso, o delegado terá de oferecer uma explicação substantiva para grampear cada número de telefone. O juiz ficará co-responsável. As empresas telefônicas terão de se aparelhar para permitir monitoramento remoto e digital.
Delegado e juiz poderão acompanhar, com senhas, cada passo do grampo. Se vazar algo, ambos serão responsáveis. Nada disso impedirá fraudes. Mas será um passo enorme em relação à pré-história atual.
Como não poderia faltar, o projeto tem um lado ruim. Veículos de comunicação serão processados se divulgarem o conteúdo de um grampo. É um erro. Conversa que tenha interesse público deve ser publicada -e não ficar restrita aos que fizeram a gravação. Felizmente há tempo para alterar esse ponto obscuro de um projeto que pode melhorar o país.’
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‘Governo quer prender quem divulgar grampo’, copyright Folha de S. Paulo, 28/07/04
‘O governo pretende aproveitar o ambiente criado pelo recente caso de espionagem envolvendo empresas de telefonia para apressar o debate e a aprovação de uma lei que punirá com até quatro anos de prisão, mais multa, quem divulgar o conteúdo de grampos telefônicos.
O anteprojeto está no Ministério da Justiça e pode ser enviado ao Congresso quando deputados e senadores voltarem do recesso, no mês que vem.
O escopo principal será regulamentar de maneira mais estrita os monitoramentos telefônicos. No mesmo texto, entretanto, o governo pretende restringir a divulgação do conteúdo de conversas gravadas -legal ou ilegalmente.
Hoje, há controvérsia no meio jurídico a respeito da divulgação do conteúdo de um grampo de telefônico por um jornal. Esta Folha, por exemplo, considera que a transcrição de uma conversa deve ser divulgada quando há notório interesse público envolvido.
Um exemplo foi o grampo ilegal de telefones na sede do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) em 1998, durante o processo de privatização das empresas de telefonia. A Folha teve acesso ao material, gravado em mais de 40 fitas. As informações pessoais foram descartadas, mas o jornal optou por divulgar as conversas entre o então presidente Fernando Henrique Cardoso e seus assessores quando tratavam da venda das estatais. Ao ser indagado se seu nome poderia ser usado na montagem de um dos consórcios, FHC respondeu: ‘Não tenha dúvida, não tenha dúvida’.
O anteprojeto que o governo Lula pretende patrocinar vai além da punição para quem divulga conversas telefônicas gravadas de forma ilegal ou por meio judicial. Se aprovado pelo Congresso, haverá restrição para que sejam gravadas conversas pessoais sem que todos os interlocutores estejam de acordo. Hoje, a lei do país é omissa a respeito deste tema.
Com a nova regra, será punido com até três anos de reclusão, mais multa, quem ‘divulgar gravação de conversa própria, por telefone ou por outro meio, gravada sem o conhecimento do interlocutor’. Ao final da redação, existe um complemento ambíguo: ‘Salvo para o exercício regular de um direito’. Não fica claro no texto qual seria esse ‘direito’.
Pelo que a Folha apurou, a ressalva serviria para alguém se precaver em alguma disputa. Por exemplo, um consumidor que se sinta lesado por um prestador de serviços poderá gravar a conversa para registrar sua negociação e cobrar seus direitos na Justiça.
Não fica claro, entretanto, se um eleitor poderá gravar o que diz um político em um almoço de campanha para depois cobrar o cumprimento de uma promessa. O que fica certamente proibido, ouviu a Folha, são as reportagens em que jornalistas usam câmeras ocultas ou gravadores ocultos.
O pretexto inicial para produzir uma nova lei sobre grampos telefônicos foi regular esse tipo de atividade quando há uma ordem judicial. Hoje, delegados de polícia solicitam o monitoramento aos juízes, que quase sempre autorizam sem saber ao certo a quem pertencem todos os telefones citados no pedido.
Se for aprovada a lei em discussão dentro do governo Lula, o delegado terá de apresentar mais argumentos para convencer o juiz. O magistrado, por sua vez, ficará co-responsável pelo processo.
As empresas telefônicas terão de se adaptar para permitir que o policial e o juiz monitorem remotamente a gravação, que será em meio digital. Haverá senhas de acesso e será possível saber quem teve acesso ao material. Em tese, isso tornará mais difícil o vazamento -e mais fácil a identificação de quem tentar divulgar as conversas gravadas.
Edson Luiz e Mariângela Gallucci
‘OAB e oposição atacam ‘mordaça telefônica’’, copyright O Estado de S. Paulo, 29/07/04
‘O governo pretende proibir que os órgãos de comunicação divulguem o teor de escutas telefônicas, sejam elas feitas de forma legal ou clandestina. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, confirmou ontem que o Poder Executivo enviará ao Congresso, em agosto, projeto de lei que pune com penas de um a quatro anos de prisão quem publicar trechos de grampos telefônicos.
A proposta, que já provoca polêmica no Congresso, começou a ser preparada em 2003, pouco depois da descoberta das interceptações ilegais feitas na Bahia a mando do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), e ganhou força no Executivo após sucessivos casos de divulgação de conversas telefônicas de autoridades do governo.
O presidente interino da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, criticou a proposta. ‘Será correto dizer que o jornalista é criminoso quando descobre um fato criminoso numa escuta?’, indagou. ‘Considero um erro equiparar no mesmo crime aquele que divulga com o que faz a escuta ilegal. A Lei de Imprensa já resolve o problema, pois diz expressamente que quem divulga a matéria, sabendo-a caluniosa ou mentirosa, responde pelo mesmo crime, ou mesmo pela responsabilidade material.’
O projeto prevê formas legais de escuta telefônica para a apuração de 16 tipos de crime, mas proíbe que particulares usem esse meio de investigação, como teria feito a empresa Kroll, acusada de interceptar e-mails e ligações de autoridades do governo. As gravações não poderão ser divulgadas nem com a autorização de um dos interlocutores.
A proposta, que já é chamada de ‘mordaça telefônica’, também pune a gravação de conversas entre detentos e seus advogados. Em muitos casos, esse tipo de escuta já ajudou a policia a desvendar crimes diferentes dos que estavam sendo investigados.
Pelo projeto, só a autoridade policial pode pedir à Justiça a quebra de sigilo telefônico de um suspeito. Hoje, a iniciativa é permitida ao Ministério Público. A proposta prevê penas mais severas para funcionários públicos que promoverem escutas telefônicas ou por outros meios. Foi o que aconteceu no caso do ex-assessor do Palácio do Planalto Waldomiro Diniz. Um diálogo que ele teve no Aeroporto de Brasília com o bicheiro Carlinhos Cachoeira foi gravado por funcionários da Infraero e difundido por uma revista.
Se depender da oposição, o projeto dificilmente será aprovado no Congresso.
Para os líderes do PSDB e PFL, senadores Arthur Virgílio (AM) e José Agripino (RN), a iniciativa favorecerá sobretudo pessoas envolvidas em corrupção. Virgílio disse que qualquer homem público no País deve saber que sua vida pode ser devassada, sem que isso comprometa sua carreira. ‘O máximo que o homem público pode sofrer se seu telefone for grampeado é o divórcio’, brincou. ‘Se olhar para seu telefone ou computador e sentir medo do que está ali, deve sair de qualquer atividade pública.’
Virgílio lamentou que essa idéia, ‘que se assentaria melhor num regime ditatorial, tenha saído da ‘cabeça’ de Bastos. ‘Aconselharia o ministro a se lembrar da boa biografia que tem em vez de se arriscar.’ A líder do bloco governista no Senado, Ideli Salvatti (PT-SC), acredita que o projeto solucionará situações ‘absurdas’. ‘A escuta e a gravação se transformaram em instrumento de chantagem.’’
Janio de Freitas
‘O país dos grampos’, copyright Folha de S. Paulo, 29/07/04
‘Com a novidade de que o governo pretende proibir a publicação de gravações telefônicas mesmo que legais, já são três os aspectos que, embora igualmente suscitados pelo vale-tudo entre Telecom Italia e Brasil Telecom, merecem tratamentos distintos e próprios. Os três têm implicações que excedem os limites do conflito de poder empresarial, mas dois deles têm dimensão política e pública de gravidade.
Um dos aspectos é, claro, o de verificar se e como a legislação foi transgredida nas investigações da Kroll Associates para a Brasil Telecom e em qualquer procedimento de uma ou outra parte do conflito.
Com dimensão diferente, o segundo aspecto é o indício de tráfico de influência implícito na informação, presente entre as conclusões da Kroll já publicadas, de que o ministro Luiz Gushiken e o presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, comprometeram-se no conflito das empresas privadas quando já integrantes do governo.
Não consta que o governo tenha adotado providência alguma para a apuração do indício. Se supõe que a omissão é o mais conveniente, engana-se: indício não apurado continua vivo e sempre lembrável. Em caso de dúvida, é só perguntar aos envolvidos nas marotagens telefônicas da privatização, ainda agora citados, todos, com direito a fotografias.
O mais recente dos aspectos sugere, de saída, uma pergunta: se o ministro Luiz Gushiken não aparecesse como um dos nomes proeminentes nesse caso de intrigas, processos, espionagem e poderosas fortunas em jogo, teria empolgado o Planalto a idéia de proibir a publicação de gravações telefônicas, ainda que autorizadas em juízo?
As afinidades naturais do poder com as soluções autoritárias querem, sempre, preencher a distância entre o questionamento e a reação. A pretendida proibição tem o mesmo berço dos ‘pingos nos is’ que o ministro José Dirceu prometeu aos promotores e aos procuradores da República – única promessa petista cujo esquecimento, parece que real, é benfazejo.
No Brasil há gravações telefônicas, desde muito tempo, para todos os lados e propósitos. E não poderia ser diferente, no país em que os jornais até trazem anúncios assim: ‘Detetive [fulano], investigação empresarial […] acompanhamentos, provas fotográficas, filmagens, gravações telefônicas, levantamentos em geral’. O jornal que transcrevo tem oito anúncios semelhantes – e é um dia fraco. Podem dizer que as gravações e outros ‘levantamentos’ só se fazem com autorização judicial. Pois sim.
As gravações clandestinas é que precisam do combate que não lhes é dado. Proibir a publicação só resulta em restrição antidemocrática à liberdade de ser informado sobre assunto de interesse público: tal proibição não restringe a prática das gravações clandestinas. O provável é que as torne ainda mais difundidas, porque a publicação eventual de um caso desses serve, sempre, para acautelar possíveis vítimas e advertir possíveis contratantes.
O propósito tão extremado do governo faz parecer que são freqüentes as transcrições de gravação nos jornais. Se mais houvesse, haveria menos corrupção e menos fraudes.’
Folha de S. Paulo
‘Escuta e Censura’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 29/07/04
‘Pode ter pelo menos uma conseqüência positiva o episódio envolvendo a empresa Kroll, gigante multinacional do ramo de investigações e segurança, integrantes do governo federal e as companhias de telefonia Brasil Telecom e Telecom Italia. O caso levou o Ministério da Justiça a iniciar a elaboração de um projeto de lei que visa a regulamentar a interceptação telefônica.
É louvável a preocupação de estabelecer critérios claros para o emprego de escutas, assim como é elogiável a decisão de endurecer as sanções aos abusos e à utilização ilegal dos monitoramentos de ligações telefônicas. A questão da regulamentação é complexa e não diz respeito apenas à punição dos chamados grampos ilegais, mas deve contemplar também as escutas legais.
Atualmente, quando solicitam escutas, os delegados de polícia não são obrigados a detalhar as razões que os levaram a incluir exatamente aqueles números de telefone na investigação. Na prática, a ausência desse detalhamento propicia a oportunidade para que linhas telefônicas sejam impropriamente incluídas nesses pedidos e acabem sendo violadas com a anuência do Judiciário. Ao que parece, a lei tentará estabelecer mecanismos que dificultem esse desvio. Os delegados terão que fornecer argumentos convincentes nas solicitações de escutas e os juízes serão co-responsáveis pelos grampos autorizados.
No entanto, o texto prevê punições severas a quem divulgar o conteúdo de um grampo, o que pode se transformar numa restrição autoritária e inconstitucional, se o intuito for vetar a publicação, por parte da imprensa, de conversas gravadas.
Cabe certamente aos poderes públicos disciplinar seus agentes e procurar assegurar os direitos de quem está sob investigação. Isso, porém, não pode se confundir de maneira alguma com uma inaceitável tentativa de censura prévia aos meios de comunicação -para cujos desvios já há legislação em vigor.’
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‘Oposição no Congresso vê censura em projeto que restringe grampos’, copyright Folha de S. Paulo, 29/07/04
‘O anteprojeto de lei do Ministério da Justiça que visa restringir a divulgação de transcrições de grampos telefônicos foi recebido no Congresso como uma forma de censura por parlamentares da oposição. Já aliados do governo avaliam que a medida é necessária para impedir abusos.
‘É lamentável e inconstitucional. O artigo 220 da Constituição diz que é proibida toda e qualquer censura. Essa medida é mais violenta do que a Lei da Mordaça’, disse o presidente da CPI do Banestado, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT). A Lei da Mordaça, em tramitação no Congresso, proíbe a divulgação de informações pelo Ministério Público enquanto as investigações estiverem em curso. Sua aprovação é defendida no governo principalmente pela Casa Civil.
‘A regulamentação não é somente a respeito de escutas ilegais, mas também de procedimentos adotados com escutas legais. Muitas vezes são incluídos telefones de pessoas que não fazem parte do foco das investigações. As escutas acabaram se transformando em fonte de chantagem’, disse a líder do PT, senadora Ideli Salvatti (SC).
Se for aprovada a lei em discussão, o delegado de polícia terá de apresentar mais argumentos para convencer o juiz a autorizar o monitoramento telefônico. O magistrado, por sua vez, ficará co-responsável pelo processo. O texto também prevê pena de até quatro anos de prisão, mais multa, para quem divulgar o conteúdo de grampos telefônicos.
‘Isso equivale à mentalidade da ditadura militar, que queria demitir quem denunciava fraudes, e não quem fazia as ilegalidades. Grampo ilegal é crime, mas a divulgação de seu conteúdo não é criminosa’, disse o líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM).
O presidente do PT, José Genoino, defendeu a punição para o autor dos grampos ilegais, mas não de quem divulga.
O líder do PFL, senador José Agripino (RN), criticou a motivação do projeto de lei, que seria, segundo ele, o caso da empresa Kroll, contratada pela Brasil Telecom para investigar a Telecom Italia, mas que acabou monitorando integrantes do governo.
‘É claro que o projeto de lei é produto da Kroll. O governo sempre age em cima de fatos que podem prejudicá-lo, está sempre correndo atrás do prejuízo. O zelo com a qualidade da informação é meritória, o cerceamento não.’’