Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Isabela Salgueiro

‘Não bastassem as faixas, cartazes e outdoors dos candidatos espalhados pelas ruas, a propaganda política invadiu também o mundo virtual, fazendo surgir de um só site -o Orkut- militância voluntária on-line.

O site, febre que tomou conta dos brasileiros -ou de que os brasileiros tomaram conta, uma vez que são maioria entre os usuários (50%)-, virou mania entre simpatizantes e filiados aos partidos de políticos que disputam as eleições. Ao todo, a Folha catalogou 305 comunidades.

As comunidades são um recurso que o Orkut oferece aos seus usuários e têm o objetivo de reunir pessoas de interesses iguais. Os ‘orkuteiros’ são livres para criá-las, escolher o tema e têm à disposição um fórum de discussão. Cada usuário tem ainda uma página pessoal e, por meio dela, encontra e faz amigos.

Os vereadores são maioria: 65 candidatos contam com comunidades próprias e, para cativar um eleitor em potencial, expõem até o número de suas legendas.

Mas são os candidatos a prefeito que chamam mais a atenção, especialmente os da cidade de São Paulo. Se a propaganda é realmente a alma do negócio, Marta Suplicy (PT), Paulo Maluf (PP) e José Serra (PSDB) estão bem representados -tanto no bom como no mau sentido.

Juntos, os três agregam, contra ou a favor, 43 comunidades. Isso até a última sexta, pois a cada dia surgem novas comunidades.

Os títulos variam sobre o mesmo tema. A prefeita Marta, candidata à reeleição, tem sozinha 13 comunidades a seu respeito, todas falando bem ou mal, sempre.

‘Eu odeio Marta Suplicy’ é a mais populosa entre as que se propõem a falar mal da prefeita -são 714 membros. Ao todo, são nove contra Marta, enquanto a favor, só quatro: ‘Eu amo Marta Suplicy’ é a maior, com 104 pessoas.

Maluf é o campeão. São 26 comunidades sobre o ex-prefeito, numa quase harmonia: 12 a favor e 14 contra. A ‘Paulo Maluf’ é a maior das que o defendem, com 553 associados. Seu criador, Fabrício Amoroso, 20, diz ser um ‘malufista fanático’. ‘Sempre me identifiquei com o Maluf’, declarou o estudante de engenharia civil. A idéia de criar a comunidade, diz ele, foi para rebater as que criticam o candidato, ‘mas nunca comprovam nada’.

Contra o ex-prefeito há a numerosa ‘São Paulo odeia Paulo Maluf’ -1.705 anti-Maluf. Fernando Darcie, 21, seu fundador, diz não ter ódio de Maluf, mas, ‘politicamente falando, ele já deveria ter saído há muito tempo’.

Fernando é um engajado atípico, pois nem sequer vota em São Paulo, mas sim em Lençóis Paulista, onde moram seus pais. O estudante de publicidade se justifica: em ano eleitoral, o ‘fantasma’ de Maluf sempre volta. No interior, disse que vota no PSDB. E se votasse em SP? ‘Votaria na Marta, mas porque não gosto do Serra.’

O tucano, apesar de em menor número (são só quatro comunidades as suas), também tem representantes no Orkut. A mais numerosa é a ‘Serra Prefeito -Eleições 2004’, 105 associados.

Ao contrário do anti-Maluf, que vota no interior, o criador da comunidade pró-Serra é filiado ao PSDB e trabalha na Câmara Municipal como assessor do vereador tucano Ricardo Montoro (que também tem comunidade).

Bruno Caetano, 25, sociólogo, frisa que a iniciativa foi dele. ‘Acho que o partido nem sabe.’

A comunidade contra Serra é a ‘José Serra Deus me livre!!!’, de 27 membros e criada por Paulo Leite, 25. ‘Criei para usar o Orkut para criticar o candidato e fazer campanha para quem apóio’, disse ele, que é formado em cinema e filiado ao PT há dois anos. Paulo também não vota em São Paulo, mas sim em Guarulhos.

A candidata Luiza Erundina tem somente duas comunidades, de sete associados, que lhe dão apoio incondicional.’

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‘Comunidades satirizam presidente’, copyright Folha de S. Paulo, 1/08/04

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é figura popular no Orkut, mesmo que essa popularidade esteja mais para ‘falem mal, mas falem de mim’: de 26 comunidades sobre ele, somente três delas são a favor do petista.

Entre as mais comuns, como ‘Fora Lula!’ e ‘Eu acredito no Lula’, há uma que não se propõe a criticar ou elogiar o presidente, mas sim questionar onde foi parar o dedo mindinho da mão esquerda que ele perdeu em 1964, na prensa de uma fábrica do ABC, onde trabalhava como torneiro mecânico. ‘Onde estará o dedinho do Lula?’ tem 325 membros.

Entre as teses, a maioria de evidente mau gosto, está: ‘Dizem que é o dedo de Lula que vem articulando a oposição. O mindinho de Lula nunca foi de confiança. Além de sofrer um complexo de inferioridade, nunca admitiu ser de esquerda, lançando-se da mão e assumindo papel próprio nos bastidores da política nacional’.

Outra pessoa afirma que seria melhor que Lula tivesse perdido a língua, não o dedo. Há também comentários anônimos, provavelmente de simpatizantes do presidente, que, irritados com as críticas e as possibilidades aventadas sobre o dedinho, acabam discutindo pela internet.

Uma das mensagens diz que não entende o porquê de tanta gozação. Outra questiona por que, se falam tão mal, não pode ter alguém falando bem.

Essas discussões são comuns, mas não eram a intenção inicial de Carlos Alexandre Ferreira Bahiense, 25, o fundador. Conta ele que, um dia, enquanto passeava pelas páginas do Orkut, teve a idéia, ‘do nada’, de criar uma comunidade sobre o dedo ausente do presidente. Carlos afirma não ser filiado nem simpatizante de partido nenhum. Formado em engenharia da computação, mora no Rio e diz que deve votar em Cesar Maia (PFL).

A segunda comunidade com mais associados é ‘Morte ao Lula’, que conta com 306 filiados. A imagem que a ilustra mostra o presidente em uma guilhotina, e as mensagens no fórum são ferinas: há quem queira saber como pedir o impeachment de Lula.

Mas o presidente tem suas comunidades de glória. A ‘Viva Lula’, com 116 pessoas, é descrita assim pelo seu criador: ‘Como só existem comunidades que nasceram para falar mal do governo Lula, esta aqui se propõe a mostrar o quanto o país melhorou desde a saída do nosso tirano e entreguista FHC’. A Folha tentou falar com o fundador, mas não obteve resposta.’



Reinaldo Azevedo

‘Os Kojaks do PT’, copyright Primeira Leitura, 30/07/04

‘Não, não se tratou, como deu a entender uma reportagem do SP TV, da Globo, de um confronto entre militantes tucanos e petistas, assim, como dois adversários que se encontrassem na calçada e disputassem a primazia de não recuar, partindo, então para o confronto. Fosse isso, estaríamos diante do corriqueiro, ainda que censurável. O que se viu na Vila Maria foi uma abordagem do tipo fascistóide empreendida por militantes, ou coisa que o valha, do PT. Nos ‘bons’ tempos de Paulo Maluf, ele costumava recorrer a seguranças à paisana, comandados por um certo Kojak, um homem truculento que saía a distribuir sopapos. Suspeito que o dito-cujo agisse apenas porque recebia para tanto. Na versão modernizada, misturam-se escombros de ideologia, aparelhamento de subprefeitura e agitação a soldo.

O candidato tucano José Serra foi cercado. Tentaram agredi-lo. É a forma como certas correntes políticas entendem que se deva exercitar a divergência no país. Também não é nova. O governador Mário Covas foi agredido em praça pública depois que um petista cinco-estrelas recomendou àquele mesmo público que batesse nos tucanos ‘na rua e nas urnas’. Em 1989, uma passeata em favor do então candidato Lula praticamente cercou a atriz Marília Pêra num teatro. Ela havia cometido o ‘crime’ de expressar seu apoio a Fernando Collor. Em 2002, a máquina de desqualificar reputações do petismo tentou destruir a atriz Regina Duarte. Seu crime: ela disse que tinha medo do PT.

Sou aqui tentado a dizer que os petistas cometem um erro estratégico ao proceder dessa maneira. Comportam-se como horda. A cultura democrática já avançou um pouco além dos tempos que se seguiram à crise da República de Weimar. Se é que me entendem.

A campanha, sabe-se, assume nova dimensão quando começar o horário eleitoral gratuito, em 17 de agosto. A onipresença do PT nas ruas, garantida pelo caixa gordo do partido, tende a ter menos importância: Serra e Marta terão praticamente o mesmo tempo na TV. Com freqüência, esse tipo de blitz do agitprop petista tende mais a irritar o eleitor do que a conquistá-lo.

Poderia me furtar a comentar para evitar chateações e patrulha, mas não vou. Exibidas na TV as cenas da selvageria petista, tendo Serra acusado a ação organizada do partido naquele tipo de abordagem, coube à prefeita Marta Suplicy, altaneira, dizer que não comentaria o assunto porque o PT já havia divulgado uma nota a respeito. Quem ler a tal nota vai se espantar. Foi redigida em novilíngua pelo Grande Irmão. Os agressores transformam-se em agredidos. Com requinte, alguns deles registraram até boletim de ocorrência. E o texto termina apelando aos petistas que não aceitem provocações.

Ok, ok, estou preparado para ser também alvo da MMRAP, a Máquina de Manchar Reputações e Atingir Pessoas. Ela dirá que este texto decorre do meu ‘serrismo’, do meu ‘alinhamento com o PSDB’ e outras bobagens. Pretende, como faz no caso da nota, usar ainda outra vez o ataque para esconder a sua truculência original.’

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‘Critérios do Jornal Nacional beneficiam Marta em São Paulo três vezes’, copyright Primeira Leitura, 27/08/04

‘Devo uma explicação aos internautas de Primeira Leitura. Havia publicado aqui um texto em que estranhava que o Ibope fizesse pesquisa em São Paulo sem simular o segundo turno e sem apurar a rejeição aos candidatos. Era mesmo tão estranho, que o meu estranhamento não procedia. Sim, o instituto apurou as duas coisas. E o problema, pois, só aumentou. As informações não estavam disponíveis no site do instituto na noite de terça-feira (agora estão) porque, afinal, o dono dos dados é quem encomenda a pesquisa – no caso, a Rede Globo, que recebeu tudo direitinho.

Por alguma razão desconhecida, a emissora houve por bem omitir que, num eventual segundo turno, o tucano José Serra bateria a petista Marta Suplicy por 50% a 32% e venceria Maluf por 57% a 26%. No caso de um embate Marta-Maluf, a petista bateria o adversário por 44% a 34%. Segundo a mesma pesquisa, Maluf tem a rejeição de 47% dos eleitores, Marta, de 36%, Erundina, de 18%, e Serra, de 7%. Os números foram publicados na edição desta quarta do jornal O Globo, do mesmo grupo a que pertence a emissora.

O Jornal Nacional não noticiou a pesquisa do mês passado, quando o tucano tinha uma vantagem de 14 pontos percentuais sobre a petista (30% a 16%). Deu, no entanto, com destaque os números de agora do primeiro turno, quando há empate técnico (24% para Serra, 23% para Marta e 21% para Maluf), beneficiando a petista, queira ou não, nas duas vezes. E beneficia uma terceira ao omitir os números do segundo turno e os índices de rejeição. Diga o que disser o Jornal Nacional, não há objetividade jornalística possível que explique as decisões editoriais tomadas. Não houve mentira. Apenas verdades incompletas. O eleitor tem de ficar atento.’



Wanderley Guilherme dos Santos

‘De quebra-cabeças na história pátria’, copyright Valor Econômico, 29/07/04

‘Estudiosos menos avisados herdarão, no futuro, os quebra-cabeças armados pelos dias que correm. Um deles se refere ao pasmo que os visitará ao descobrirem em coleções de jornais antigos, isto é, de agora, que a posse de um ex-torneiro mecânico na Presidência da República foi aclamada pelo povaréu, em meio à agitação de dezenas de bandeiras vermelhas, aos gritos de ‘meu rei!, meu rei!’. A turma da cultura cívica da época tomará o paradoxo como indestrutível e definitiva evidência do caráter ibérico e, pois, conformista e heterônimo, do povo brasiliense. ‘Brasiliense’, no futuro, terá substituído o histórico ‘brasileiro’, em conseqüência, precisamente, da predominância do caráter cortesão adquirido pela maioria do povo. Se cortesãos, nada mais lógico que vissem no chefe do executivo uma espécie de imperador, de quem tudo se espera e a quem tudo se cobra. Embora o juízo sobre a essência mais súdita do que cidadã do caráter nacional latino-americano tenha estado em circulação desde o seminal (jargão acadêmico) volume Civic Culture, de Gabriel Almond e Sidney Verba (anos sessenta do século passado), foram necessárias várias décadas até que todos o aceitassem. A manifestação do populacho na posse de Lula teria marcado, segundo a turma da cultura cívica, o extraordinário momento em que a grande transformação começou. Finalmente, o fordismo se instalava pela consagração do iberismo. Ou seja, uma mixórdia.

Por ser de trivial conhecimento, escapou ao registro jornalístico a informação de que ‘meu rei’ não passa de antigo coloquial afetivo soteropolitano, adotado durante certo tempo pelas capitais de muitos estados brasileiros. Inadvertidamente, o jornalismo investigativo contemporâneo terá criado um lapso de informação, preenchido, então, pelas extravagantes teorias dos menos avisados.

Outro exemplo terá sido o abril vermelho deste ano de 2004. Não faltarão aqueles que lerão, no futuro, o noticiário de agora e que, sendo escassos os indícios, e à falta de melhor entendimento, levantarão a suspeita de que se tratou de rebelião promovida por movimentos camponeses milenaristas, contrários à reificação do Presidente da República e, portanto, em radical oposição àqueles que gritavam ‘meu rei! meu rei!’. Raríssimo caso, como se percebe, de movimento camponês milenarista a favor de uma ordem política republicana e laica. Os conflitos de hermenêuticas não deixarão pedra sobre pedra das reputações em jogo.

Ora, a verdade é que não houve abril vermelho algum, pelo menos em 2004, e nem qualquer outro mês do ano foi marcado por confrontos sangrentos entre realistas e republicanos. Mas vai ser difícil persuadir àqueles estudiosos do futuro a abandonarem o vasculhar de arquivos, depoimentos, memórias e velhos jornais em busca da prova de que a aclamação real do presidente foi a causa imediata de sangrenta rebelião camponesa, anti fideista, que, dizimada, desapareceu tal como a civilização maia, isto é, sem deixar mortos para trás.

Interpretar as eleições municipais do corrente ano também não vai ser nada fácil. Parece que, pela primeira vez, partidos de orientações muito diferentes, no plano nacional, se juntam para disputar postos em governos estaduais ou prefeituras e câmaras de vereadores. Não é, assim como não é novidade a gritaria em torno da matéria. Embora se saiba que, localmente, em países continentes como o Brasil, as siglas partidárias costumam variar de conteúdo, imagina-se que seja possível uniformizar o quadro partidário por via democrática, consultando a população. Engano. Por golpe legislativo, talvez, o qual seria certamente derrubado se submetido a referendo.

Curiosamente, todos os líderes partidários, bem como a maioria das opiniões educadas dos editorialistas, esbravejam contra o péssimo hábito dos partidos de andarem em má companhia, a saber, na companhia de adversários. Deve existir uma tremenda força contrária a tão poderosa coalizão, certo?, impedindo que afinal aconteça o que todos desejam. Por onde andará essa força?

Em todo lugar onde existam eleitores, é claro, mas essa evidência, tão óbvia quanto a carta em cima da mesa, no conto de Edgar A. Poe, não será descoberta pelos estudiosos menos avisados do futuro. É que eles, como os de hoje, não conseguem discernir com nitidez os motivos simples, nada sofisticados. No caso, a vontade dos eleitores. A democracia sempre será um enigma para esses estudiosos.’