O nebuloso episódio que tem como protagonistas centrais o ex-presidente Lula da Silva e o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes – e como única testemunha o ex-ministro e ex-presidente do STF Nelson Jobim – acrescenta à história recente do país um daqueles episódios que começam em crise e terminam em anedota.
Para melhor entender a questão, os historiadores de amanhã precisarão acrescentar ao enredo meia dúzia de outros personagens, que no momento do entrevero se encontram reunidos em São Paulo no 5º Congresso Brasileiro da Indústria da Comunicação. São eles os diretores das principais empresas brasileiras de jornalismo.
Um resumo do caso diz que o ex-ministro Jobim promoveu em seu escritório de Brasília um encontro entre o ex-presidente da República e o ministro Gilmar Mendes. Mendes saiu se queixando de ter sofrido “pressões” para adiar o julgamento dos 38 acusados no chamado caso “mensalão” e chegou a insinuar uma tentativa de chantagem por parte de Lula da Silva. Mas não levou o caso à Procuradoria Geral da República nem fez uma comunicação oficial aos seus pares da Suprema Corte: foi se queixar à imprensa, mais precisamente à revista Veja, que funciona há sete anos como uma espécie de comitê central da imprensa brasileira para assuntos políticos.
Eleições municipais
Por que razão o ministro Gilmar Mendes preferiu o caminho do escândalo ao da Justiça? Porque sabe que a imprensa lhe daria todo apoio, ainda que ele não pudesse provar sequer que o ex-presidente da República lhe tivesse dado bom-dia. E a partir do barulho da imprensa, se o caso vier a ocupar o plenário do STF, a pressão da mídia funcionaria a seu favor.
O ministro sabe que, radicalizando-se o debate público sobre o processo contra o senador Demóstenes Torres e seu sócio, o bicheiro Carlos Cachoeira, qualquer notícia de relacionamento com esses dois personagens será capaz de manchar reputações cuidadosamente elaboradas. Trata, portanto, de antecipar publicamente que tinha relações com o senador acusado, qualificando-as de meramente protocolares.
Do episódio em si e suas possíveis interpretações, vale tomar emprestada a opinião do jornalista Janio de Freitas, colunista da Folha de S. Paulo, publicada na terça-feira (29/5). Ele pondera que “será sempre por mera preferência pessoal, ainda que de fundo político, a escolha que se faça entre as versões conflitantes de Gilmar Mendes e de Nelson Jobim” para a conversa em questão.
Também é válida a estranheza do articulista para o fato de o ministro do Supremo ter esperado um mês, depois do relatado encontro, para se tomar de indignação e procurar a revista Veja e fazer a denúncia.
A honra do ministro esperou até surgirem especulações sobre a viagem que fez da Alemanha para o Brasil em companhia de Demóstenes Torres. Se sua motivação, como insinua o jornalista, pode ter sido influenciar nas eleições municipais deste ano, o tiro pode dar na água, a julgar pela pouca relevância que o público parece dar ao acontecimento, apesar do grande esforço que faz a imprensa para torná-lo importante.
Cada um escolhe um lado
Porém, se há – como costuma haver – uma motivação política por trás de todo esse barulho, o objetivo do escândalo não pode ser simplesmente reduzir a influência do ex-presidente da República nas eleições municipais.
As manifestações de parlamentares oposicionistas e de colunistas que não dissimulam suas vinculações partidárias indicam que o alvo da campanha é mais ambicioso: promover a inelegibilidade do próprio Lula para o caso de ele decidir concorrer de novo à Presidência da República, em 2014.
Um processo iniciado agora e misturado ao caso “mensalão” poderia ganhar tamanha complexidade daqui a dois anos que tal hipótese deixaria o campo do absurdo.
Especulações à parte, na terça-feira (29) os jornais registram uma versão mais amena da conversa: segundo o ministro Gilmar Mendes, aquilo que era uma pressão pelo adiamento do julgamento do “mensalão” em troca de suposta imunidade na CPI Demóstenes-Cachoeira se transformou em mera “insinuação”.
Mais um pouco e as partes estarão convencionando que tudo não passou de um mal-entendido.
Lula e Gilmar Mendes ainda poderão ser vistos novamente, no futuro próximo, em cenas públicas como os mais recentes amigos de infância, mas a imprensa nacional terá dado um passo a mais em seu esforço por desgastar a própria reputação.