Se o jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter, como disse o jornalista Cláudio Abramo, o tratamento que a grande imprensa brasileira tem dado a certas questões nacionais, como o que a revista Veja chamou de ‘Golpe sujo: a história secreta da mais grave crise do governo Lula’, está distante de padrões mínimos, tanto das técnicas como da ética jornalística.
Isso porque se espera que dentro dos padrões liberais da profissão, vinculada ao interesse público, devem constar os elementos constitutivos do fazer jornalístico. Dentre os quais relembramos a obrigação com a verdade, a lealdade com os cidadãos e a disciplina de verificação, isto é, de apuração da verdade dos fatos.
Na apuração, enquanto técnica, deveriam impor-se a transparência na relação com as fontes, a revelação do interesse delas em fornecer as informações, a comprovação dos fatos e a resistência em acrescentar ilações que não podem ser sustentadas. No caso das acusações contra o governo, o presidente posicionou-se em defesa da completa apuração, ciente de que um governo sério e democrático promove a transparência. Uma democracia madura aperfeiçoa os instrumentos de controle político, e não o contrário. O partido confessou seu pecado. Substituiu dirigentes, expôs parlamentares, abriu o sigilo fiscal, bancário e telefônico. Mais vasculhado do que o PT, nenhum outro partido, nem mesmo na época da ditadura militar.
A grande imprensa brasileira deve uma satisfação responsável e conseqüente ao povo brasileiro, porque nos últimos anos trata o jornalismo como o relato da anomalia. Notícia, hoje, é avião que cai ou atrasa muito, não aviões que decolam e pousam mais ou menos no horário, aliás, a avassaladora maioria.
Em Rondônia, a Polícia Federal desvendou um esquema de fraudes e trambicagem envolvendo integrantes dos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. As manchetes avassaladoras davam conta de que a maioria dos deputados é trambiqueira e os nomes dos 23 parlamentares corruptos saíram nos jornais. Porém, o do honesto desconhecido, Nari Firigolo, único deputado estadual não envolvido no esquema de corrupção, ficou no anonimato. Talvez por ser ele do partido do presidente da República, ou porque ‘isso não é noticia’.
Erro primário
Assim como ele, estão também no anonimato milhões de brasileiros que, em estado de mendicância, não existem para a imprensa. Num país em que valores como ética e honestidade são relegados ao desdenho, o exemplo de Nari Firigolo chega a agredir a ‘normalidade’ nacional. Parece que sua honestidade é uma vergonha para a categoria. É hora de todos lembrarem que ética e honestidade são a regra, e não a exceção do jogo.
O Piauí é um estado que nos últimos três anos e sete meses de administrações petistas tem dado exemplo de organização administrativa e lisura na coisa pública, fato que assim como a postura do solitário deputado de Rondônia não representa furo para o jornalismo contemporâneo.
A imprensa brasileira, no afã do furo jornalístico, cometeu erro primário quando tratou do ‘maior esquema de corrupção da história recente do Brasil’: não provou o que publicou. Na apuração do suposto escândalo, a imprensa não primou pela obrigação com a verdade, pela lealdade com os cidadãos e a apuração dos fatos. Queda de avião é fato de relevância jornalística, mas também a honestidade de trabalhadores.
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Jornalista