Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Josias de Souza e Rubens Valente

‘Relatório confidencial da Receita Federal informa que o ministro Romero Jucá (Previdência) ‘desviou’ verbas públicas para um negócio privado. Chama-se TV Caburaí Ltda. Retransmite a programação da Rede Bandeirantes. Jucá dizia publicamente que nunca teve nada a ver com o negócio. Os papéis da Receita e outros documentos obtidos pela Folha indicam, porém, o contrário.

O ministro também é acusado em outro casos, como as garantias que deu a um empréstimo que tomou do Banco da Amazônia (Basa). Eram sete fazendas que, posteriormente, o Basa descobriu que nunca existiram. Ele nega.

A história da TV

A TV Caburaí funciona numa antiga casa de Romero Jucá (PMDB), o nº 21 da alameda Canarinho, em Boa Vista. Um contrato de gaveta assegura à Uyrapuru Comunicações e Publicidade Ltda. a gestão do negócio. A firma pertence a quatro filhos do ministro da Previdência: Rodrigo de Holanda Jucá, Marina de Holanda Jucá, Ana Paula Surita da Motta Macedo e Luciana Surita da Motta Macedo.

Portento do mercado televisivo de Boa Vista, a TV Caburaí é uma ficção nos arquivos do Ministério das Comunicações. Ali, a outorga do canal televisivo gerido pelos Jucá está registrada em nome da Fundação de Promoção Social e Cultural do Estado de Roraima.

No papel, a Fundação Roraima é uma ‘filantrópica’ privada, supostamente ‘sem fins lucrativos’. Na prática, informa o fisco, é um braço financeiro de Romero Jucá.

Na última quarta-feira, o presidente da entidade, Getúlio de Souza Oliveira, 62, correu ao Tabelionato Deusdete Coelho, de Boa Vista. Souza Oliveira, dono de um modesto escritório de contabilidade, foi ao cartório para autenticar assinaturas apostas num ‘contrato particular de locação de canal de televisão’.

De acordo com o contrato, a Fundação Roraima, dona oficial da concessão do canal 8 de Boa Vista, alugou a TV Caburaí e todo ‘o seu espaço disponível para a veiculação de anúncios e publicidade’ à firma Uyrapuru.

Depois de 5 anos

Embora datado de 1º de outubro de 1999, o documento só teve as assinaturas autenticadas em 13 de abril de 2005. Curiosamente, a Folha publicara na véspera o teor de um relatório em que a Receita informa ter detectado na Fundação Roraima ‘desvios’ de R$ 1,45 milhão (valor atualizado) em verbas públicas. Dinheiro aplicado, segundo o fisco, no custeio de despesas de Romero Jucá.

Getúlio de Souza Oliveira, o contador que ‘preside’ a Fundação Roraima, disse à Folha que a Uyrapuru pertence a Geraldo Magela Fernandes da Rocha. A reportagem apurou que não é verdade. A Uyrapuru, de fato, foi fundada por Fernandes da Rocha, um conhecido de Romero Jucá, morador de Brasília. Mas não pertence mais a ele.

Depois de assinar o ‘contrato de locação’ da TV Caburaí, Fernandes da Rocha transferiu a Uyrapuru os direitos de explorar a emissora para os filhos do ministro. Os Jucá não desembolsaram um único centavo na transação.

A assinatura do contrato que confiou a gestão da TV Caburaí à firma dos filhos de Jucá foi precedida de uma alteração no contrato social da emissora. Em 9 de julho de 1999, três meses antes da entrada da Uyrapuru em cena, o ministro da Previdência retirou-se formalmente da sociedade.

Embora negasse publicamente, Jucá era mesmo sócio da TV Caburaí, em parceria com a Fundação Roraima. Cedeu suas cotas (50%) a Márcio Vieira Oliveira. Vem a ser filho do contador Souza Oliveira, aquele que ‘preside’ a entidade ‘filantrópica’.

‘Com o papai’

Na época em que ‘adquiriu’ as cotas de Romero Jucá na TV Caburaí (9/7/99), Márcio Vieira Oliveira, hoje com 29 anos, tinha escassos 23. Na última quinta-feira, a reportagem da Folha travou com ele o seguinte diálogo:

– Por que o senhor se tornou sócio da TV Caburaí?

– Colocamos no nosso nome para poder trabalhar.

– Foi a convite de Romero Jucá? O senhor o conhece?

– Não. Foi através do papai.

No mesmo dia, a Folha conversou com Getúlio de Souza Oliveira, ‘o papai’.

– Quanto o seu filho pagou para ingressar na sociedade que controla a TV Caburaí?

– Como ela estava desativada, pagou coisinha pequena.

Deu-se, na prática, o seguinte. Os Jucá controlam, por meio da Uyrapuru, o filé mignon do negócio: a concessão do canal de TV e a correspondente comercialização publicitária. Os Souza Oliveira gerem a Fundação Roraima que, embora detentora da concessão pública, recebe mensalmente irrisórios R$ 3.500 pelo aluguel.

A ingerência de Jucá na Fundação Roraima já havia sido mapeada pela Receita há uma década. Auditoria concluída em 9 de janeiro de 1995 reconstituiu as origens da TV Caburaí, controlada pela fundação. Descobriu-se que, em 23 de julho de 1990, a fundação decidiu criar uma emissora de TV. Abriu, em sociedade com Rubens Camargo Penteado, a TV Caburaí de Roraima.

Em 28 de novembro de 1990, Camargo Penteado deixou a sociedade. Cedeu as suas cotas (50%) a Jucá. Nas palavras da Receita, o ministro ‘passou a gerenciar a empresa’. Diz o fisco em seu relatório: ‘Jucá e a Fundação Roraima passaram a ser sócios da empresa TV Caburaí de Roraima Ltda.’. A emissora traz na sua origem inversões ‘fraudulentas’ de dinheiro público.

A TV Caburaí ostentava o CNPJ 34.801.100/0001-39. Porém, em 4 de dezembro de 1992, criou-se a Rede Caburaí de Comunicações. Operava sob o CNPJ 22.907.505.0001-77, o mesmo da Fundação Roraima.

TV Caburaí e Rede Caburaí eram, na prática, a mesma personalidade jurídica. Uma emissora, nas palavras do fisco, ‘indiretamente dirigida por Jucá’. Diz ainda o relatório da Receita: ‘Os recursos auferidos com os serviços da Rede Caburaí de Comunicação eram canalizados para a conta corrente 34210-4, na agência 250-X do Banco do Brasil em Boa Vista, gerida pela Rede Caburaí ‘.

Quanto às despesas da emissora, ‘eram contabilizadas nos livros contábeis da Fundação’. Serviam, segundo o fisco, para ‘amparar o desvio de recursos por meio de cheques, fora do alcance da contabilidade da entidade’.

‘Nesse expediente’, anotaram os auditores da Receita, ‘eram contabilizadas despesas incondizentes com os objetivos institucionais da entidade’. A filantrópica pagava, por exemplo, os salários de funcionários que ‘prestavam serviços’ à rede televisiva.

As notas fiscais emitidas pela Rede Caburaí assemelhavam-se às da TV Caburaí. Evidência, diz a Receita, de que as duas eram ‘a mesma firma’. Ao utilizar o CNPJ da Fundação, a Rede Caburaí caracterizou-se, nas palavras da Receita, como ‘firma fictícia’.

Os auditores colheram o depoimento de Marco Roberto de Andrade. Trata-se de um ex-sócio de Romero Jucá numa empresa chamada Editora Jornal ‘O Estado de Roraima’. Ele informou que ‘o pseudônimo Rede Caburaí de Comunicação’ escondia, de fato, ‘uma empresa fictícia operada por Romero Jucá (…)’, com objetivo de lançar as despesas da TV nos livros da Fundação Roraima.

Roberto de Andrade informou também à Receita que elaborara pessoalmente os estatutos da entidade ‘filantrópica’. O texto previa a divulgação das atividades da fundação ‘beneficente’ em programas de ‘rádio e televisão educativa’. A TV Caburaí, porém, extrapolou os estatutos.

Tornou-se ferramenta política de Jucá. Além de retransmitir a Bandeirantes, produz regionalmente 15% de sua programação. Concede generosos espaços a Jucá e a seu grupo político.

Agora, ministro da Previdência, Jucá é confrontado com o desafio de cobrar dívidas de organizações às quais a Receita diz que ele é vinculado. A Folha apurou que há na Previdência débitos em atraso atribuídos à Fundação Roraima. Somam R$ 159,4 mil. Contra a TV Caburaí há um: R$ 31,8 mil.’

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‘Procurador de ministro tem cargo em fundação’, copyright Folha de S. Paulo, 17/04/05

‘O procurador do ministro da Previdência, Romero Jucá, no financiamento obtido no Basa (Banco da Amazônia) pela empresa Frangonorte ocupa um cargo de conselheiro na Fundação Roraima, detentora do canal de transmissão da TV Caburaí.

O aposentado Carlos Severino Dias da Silva mora numa casa modesta de um bairro pobre de Boa Vista (RR). Recebia dois salários mínimos mensais na empresa Frangonorte quando foi convidado a virar procurador de Jucá. É de Severino a mais importante assinatura atribuída a Jucá, justamente o documento pelo qual o então senador assumiu todas as dívidas anteriores da empresa e ainda recebeu a promessa de receber mais R$ 1,5 milhão do Basa.

‘Eu trabalhava nesse tempo lá na Frangonorte, aí ele [Romero Jucá] teve que viajar. Porque o empréstimo estava para sair e ele não podia estar aqui, acho que iria viajar, então passou a procuração para eu assinar uns documentos’, contou Severino.

O ato, de dezembro de 1995, envolve R$ 4,6 milhões de recursos públicos provenientes do FNO (Fundo Constitucional do Norte). Severino disse que nada recebeu para assinar o documento.

Na Fundação Roraima, Severino ocupa o cargo de conselheiro curador. Ele disse que foi convidado a integrar a entidade no início dos anos 90, pelo então presidente, Pedro Panilha.

Severino relatou que não sabia exatamente o que iria fazer na entidade. ‘Depois que eu estava lá dentro é que fui ver os objetivos da fundação, que era mandar para Brasília gente com problemas de lábio leporino.’

Severino também trabalhou no Banco de Roraima na época em que a instituição era presidida por Getúlio Cruz, ex-governador de Roraima e sócio de Jucá na Frangonorte.

Severino disse que ‘fala muito pouco’ atualmente com Jucá. ‘Estou desligado do grupo. Eu saí praticamente do eixo deles.’’



Josias de Souza

‘Para ministro, não há nada ilegal’, copyright Folha de S. Paulo, 17/04/05

‘Confrontado com os dados recolhidos pela Folha, o ministro Romero Jucá reconheceu que pertence a seus filhos a empresa que explora a TV Caburaí, retransmissora da Rede Bandeirantes em Boa Vista. ‘De ilegal não tem nada’, disse. Juca não conversou diretamente com a Folha. Manifestou-se por meio de sua assessoria. Disse que a ‘produtora’ de seus filhos (Uyrapuru Comunicações) não é dona da concessão de TV. ‘Apenas prepara o material que é veiculado.’

Segundo o ministro, a operação é necessária porque a Fundação Roraima, dona da outorga do Ministério das Comunicações, ‘não possui nem dinheiro nem estrutura para operar o canal’.

Jucá disse que, de fato, a Uyrapuru funciona num imóvel que já lhe serviu de residência. Cedeu-o aos filhos. Do mesmo local, é irradiado o sinal da TV Caburaí.

Pela primeira vez, Jucá reconheceu algum tipo de participação na Fundação Roraima. Ele nega envolvimento nos desvios apontados pela Receita Federal.

Admite apenas ter sido um dos fundadores da entidade. ‘Não foi uma iniciativa isolada, mas de várias pessoas’, disse.

Jucá reconheceu também ter transferido para Márcio Vieira Oliveira cotas na sociedade que mantinha com a Fundação Roraima em torno da TV Caburaí. Disse que a transação não envolveu dinheiro por tratar-se de uma organização sem capital, vinculada a uma fundação filantrópica.

O ministro explicou por que seus filhos não tiveram de desembolsar nada no instante em que adquiriram a Uyrapuru: ‘Eles compraram uma empresa endividada. E assumiram as dívidas’.’

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‘Fundação não explica ligação com Jucá’, copyright Folha de S. Paulo, 17/04/05

‘Dona de um dos principais canais de televisão de Roraima (TV Caburaí), a Fundação Roraima está em petição de miséria. Instalou-se de favor numa casa cedida pelo governo do Estado. Ministra cursos de artesanato a cerca de 15 idosos. Funciona dia sim, dia não.

A despeito das dificuldades, a entidade filantrópica alugou à Uyrapuru, empresa pertencente a quatro filhos do ministro Romero Jucá, o direito de explorar a sua emissora. Em troca, recebe R$ 3.500 mensais.

Abaixo, a entrevista com Getúlio de Souza Vieira, 62, presidente da fundação. (JOSIAS DE SOUZA)

Folha – Qual é a atividade da Fundação Roraima hoje?

Getúlio de Souza Oliveira – É com pessoal da terceira idade, fazendo artesanato, essas coisas.

Folha – Como a fundação financia suas atividades?

Oliveira – Alugamos uma televisão que pertence à fundação. Ela está alugada para outra empresa.

Folha – É a TV Caburaí?

Oliveira – É, pertence à fundação e nós a alugamos.

Folha – Qual é o nome da empresa que aluga a TV?

Oliveira – Uyrapuru Comunicações Ltda, do sr. Geraldo Magela.

Folha – A Fundação Roraima é uma filantrópica?

Oliveira – Exatamente.

Folha – O sr. está acompanhando o noticiário que envolve o ministro Romero Jucá?

Oliveira – Estou vendo, mas não temos nada com isso.

Folha – O ministro tem vínculos com a fundação e com a TV?

Oliveira – Nenhum. Não temos nada com isso.

Folha – Quer dizer que ele não é vinculado à fundação?

Oliveira – Anos atrás, numa época em que eu nem era presidente da fundação, ele ajudou nuns projetos. Só isso.

Folha – Mas o ministro Jucá é sócio da TV Caburaí, não?

Oliveira – Também não. Não tem nada a ver.

Folha -Tenho comigo um documento da Receita Federal dizendo que ele é sócio.

Oliveira – Mas isso faz muitos anos. Depois que eu assumi é só com a gente aqui mesmo. Mas me diga uma coisa: o que tem a ver o dr. Romero com a fundação em termos de Receita?

Folha – Com base em auditoria concluída em 1995, a Receita diz que Romero Jucá é sócio da fundação na TV Caburaí [o repórter lê trechos do relatório do fisco].

Oliveira – Ele saiu há muitos anos. Aí ficou só a fundação como sócia e outra pessoa foi colocada no lugar. Não temos vínculo nenhum com o dr. Romero.

Folha – Quem é essa outra pessoa que entrou no lugar do ministro Romero Jucá?

Oliveira – Entrou o Márcio Vieira de Oliveira, que é o meu filho.

Folha -O que faz o seu filho?

Oliveira – O Márcio? Ele é empregado aqui no meu escritório de contabilidade.

Folha – Quer dizer que o seu filho virou sócio da fundação?

Oliveira – É sócio na firma TV Caburaí, junto com a fundação.

Folha – Quanto o seu filho pagou para virar sócio de uma TV?

Oliveira – Como ela estava desativada, pagou coisinha pequena.

Folha – Mas a TV Caburaí não estava desativada.

Oliveira – A TV, é… é…, como ela está funcionando, a fundação é que assumiu tudo, para alugar, essas coisas.

Folha – A TV Caburaí parece ser um negócio lucrativo, retransmite a programação da Rede Bandeirantes, vende anúncios etc. Quer dizer que seu filho entrou como sócio sem pagar nada?

Oliveira – É que a televisão… Tenho aqui vários documentos, é…, é…, tem sido negativa a renda deles, toda vez.

Folha – Dá prejuízo?

Oliveira – Dá mal para pagar os funcionários.

Folha – Quando a TV dá lucro, o sr. lança o resultado no balanço da fundação?

Oliveira – Como a TV foi alugada, eu só lanço no balanço o valor do aluguel.

Folha – Qual é esse valor?

Oliveira – É uma faixa de R$ 3.500,00 por mês.

Folha – A fundação continua recebendo verbas públicas?

Oliveira – Por enquanto, não estamos recebendo nenhuma. Só temos uma casa cedida pelo governo do Estado. É lá onde nós fazemos a atividade com o pessoal da terceira idade.’



Rubens Valente

‘Diretor oculta donos de empresa’, copyright Folha de S. Paulo, 17/04/05

‘Na TV Caburaí, os nomes dos proprietários da firma Uyrapuru Comunicações, que alugou o direito de explorar a emissora, são mantidos sob rigoroso sigilo.

Antônio Augusto Baraúna, diretor da Uyrapuru, afirma que os nomes dos proprietários da empresa ‘são informações internas da empresa’.

A Folha apurou que a firma pertence a quatro filhos do ministro Romero Jucá (Previdência).

Em entrevista concedida em sua sala na TV Caburaí, Baraúna disse que a Uyrapuru é a responsável pela folha de pagamento dos funcionários da TV e pela assinatura de contratos e todos os atos relativos à emissora.

A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha, que também foi gravada por Baraúna.’