Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Olavo de Carvalho

‘A mídia, que nos intervalos de suas funções de difusora das novas modas lúdicas, eróticas e ideológicas acumula o encargo de suprema autoridade nacional em matéria de direito canônico e moral religiosa, foi quase unânime em passar pito em D. Eusébio Scheid por ter chamado o sr. Lula de caótico em vez de católico.

É muito saudável que sujeitos verazes, confiáveis e espiritualmente bem formados como os ocultadores profissionais do Foro de São Paulo chamem à ordem o culpado de tão descabida irreverência para com um governante que, segundo a sapiência inconteste de D. Mauro Morelli, citado aqui dias atrás, é igual ou melhor que Jesus Cristo. É com iniciativas como essa que a classe jornalística contribui para a restauração do senso hierárquico dos valores morais na sociedade waldomírica.

De fato, nem D. Eusébio, nem este colunista, nem o povo inteiro têm o direito de perguntar se o sr. presidente sofre de alguma desordem espiritual. É obrigação de todos deixar-se levar para onde ele os conduza, sem cogitar se ele por sua vez é guiado pela ordem divina ou pelo caos demoníaco. Quem é um simples arcebispo para opinar em tão altos segredos de Estado? Que presunção! Que despreparo! Que falta de humildade! Se não tivéssemos santos jornalistas para nos defender da tentação, até nós, simples eleitores e fiéis, ousaríamos questionar a infalibilidade da bússola teológica presidencial.

Infelizmente, o próprio sr. presidente se encarregou de frustrar o nobre intento de seus defensores, fazendo duas declarações que sugerem a realidade do estado de decomposição mental diagnosticado nele por D. Eusébio.

A primeira foi a resposta que ele deu ao arcebispo: ‘Não preciso mostrar minha fé em público. Todo mundo sabe que eu sou católico.’ A declaração é tão absurda que paralisa a inteligência da platéia, tornando-a insensível à enormidade do que acaba de ouvir. Quem, macacos me mordam, testemunha a fé genuína do sr. presidente: a sua consciência solitária de fiel incompreendido ou ‘todo mundo’? Como pode a ligação íntima de um homem com Deus prescindir altivamente do testemunho do público, se é a esse mesmo testemunho que ela faz apelo para provar que existe? Como pode uma consciência religiosa estar tão alienada de si ao ponto de apoiar-se na opinião alheia que ao mesmo tempo ela afirma desprezar em nome da independência interior?

A prova suplementar do estado de desgoverno espiritual em que se encontra o atual presidente veio logo em seguida, quando, após comungar, ele declarou estar dispensado da confissão prévia por julgar-se ‘homem sem pecado’. Isso não foi um erro de gramática, uma gafe, uma distração. Foi a expressão franca da convicção bruta, simples e direta que um indivíduo tem sobre si mesmo. Ele não precisa de perdão: inocente como o próprio Cristo, entra no recinto sagrado de cabeça erguida, pronto para receber o Senhor ? como direi? de igual para igual.

Dizer que esse homem é caótico é excesso de indulgência. O mero caos interior não leva ninguém a esse paroxismo de auto-adoração blasfema. Teologicamente, a pretensão de ser puro ao ponto de prescindir de absolvição denota o orgulho satânico mais típico e inconfundível, e sua expressão em voz alta configura nitidamente o pecado contra o Espírito Santo, que de acordo com a doutrina católica não é perdoável neste mundo nem no outro. Se S. Excia. jamais houvesse pecado até esse dia, se estivesse livre da herança de Adão e se não tivesse mesmo acabado de pecar ao profanar o rito da Santa Ceia, teria nesse instante conquistado o prêmio da danação eterna por meio dessa mesma declaração, exceto na hipótese de que estivesse comprovadamente fora de si, portanto imerso em pleno caos, no momento em que a emitiu.

A situação espiritual do sr. presidente, da qual ele não parece ter a menor consciência, não é pois nada invejável, nem vejo como poderia ser de outra forma em se tratando de um discípulo do sr. Frei Betto. Aqueles que gostam dele deveriam, pois, parar de defendê-lo contra a acusação de caótico, pois é nela que repousa sua única esperança de salvação.’



Milton Coelho da Graça

‘Interesse nacional. Até onde vai?’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 11/04/05

‘Em 1983, numa calçada de Nova York, o presidente do Banco Central, Ernane Galveas, fez um cordial apelo aos correspondentes de jornais brasileiros que o cercavam em busca de notícias sobre a renegociação da dívida externa brasileira: ‘Acho que vocês deveriam enviar suas notícias para o Brasil pensando no interesse nacional.’

Eu era da Gazeta Mercantil. Fritz Utzeri, do Jornal do Brasil. Ambos pedimos que ele explicasse o que entendia por interesse nacional. Porque nós achávamos que o interesse nacional exigia que os leitores tivessem a mais completa informação possível sobre o que acontecia nos encontros dele com banqueiros privados, FMI e Banco Mundial. Não apenas o que ele, Galveas, e o ministro Delfim Netto nos diziam.

Esse foi o clima daquela cobertura jornalística. Mas os exemplos se multiplicam sobre as muitas nuances do significado de ‘interesse nacional’. Já ficou demonstrado que, até em países de longa tradição democrática, governos e seus agentes justificam com esse carimbo a omissão e mesmo a mentira sempre que acham isso conveniente.

No Brasil a ditadura militar ultrapassou a fronteira da repugnância quando proibiu a publicação de qualquer notícia sobre uma epidemia de poliomielite, invocando o ‘interesse nacional’. O porta-voz da Presidência, Carlos Átila, chegou a desmentir formalmente que ela estivesse ocorrendo.

Certamente, é claro, podem surgir problemas cuja solução exija discrição ou até escamoteação em nome do interesse coletivo – nacional ou internacional.

O governo de Israel é um dos maiores praticantes de ações e intenções secretas, mas conta com tácito e sólido apoio de seu povo na ampla maioria dos casos, em nome do imperativo da segurança do país. O massacre de refugiados palestinos nos campos de Sabra e Chatila, cometido por mercenários árabes, é condenado pela maioria dos israelenses. Embora até hoje não admitida pelos militares, todos sabem que a operação, se não teve direta autorização, pelo menos contou com a complacência do general Ariel Sharon, então comandante do Exército.

Qual é o limite da justificativa do ‘interesse nacional’? Não é fácil estabelecê-lo. Certamente ela não se aplica a abusos e torturas em Abu Ghraib e Guantánamo, relatórios falsos de inteligência e tantos outros casos mais óbvios de ilegalidade.

Mas o que realmente veio fazer no Brasil o Secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld? E a visita do ministro José Dirceu a Washington, para uma conversa com a Secretária de Estado, Condoleeza Rice? Vocês acham que nossa imprensa deu boas versões desses encontros ou o ‘interesse nacional’ teria justificado algumas omissões?’



Gilson Caroni Filho

‘O PT e a mulher de Lot’, copyright Jornal do Brasil, 16/04/05

‘Quando a esmola é demais, o santo desconfia. Se, na esfera do sagrado, a assimetria entre intenção e gesto é vista com desconfiança, o que dizer na política, onde não há evidências empíricas de santidade? Publicações conservadoras, analistas organicamente ligados ao sistema financeiro e dirigentes de organismos multilaterais de crédito não têm poupado elogios ao que seria a modernização das tendências que compõem o campo majoritário do PT. Se a causa dos aplausos mora na conversão, não tão recente, à agenda liberal-conservadora, o suposto aggionarmento das bandeiras partidárias nada esconde que não seja o transformismo recorrente na história da esquerda .O que parece atualização não passa da reiteração do velho travestido de novo.

Longe de qualquer jacobinismo, o que nos move é a preocupação com os rumos de um governo que surgiu como promessa de forjar novo contrato social. Ousar compor, durante o processo eleitoral, com setores que historicamente se situaram no campo oposto ao da esquerda democrática, foi um gesto de ousadia. Como bem destacou Plínio de Arruda Sampaio, em entrevista ao JB, ‘há plena consciência, em todos os setores da esquerda, de que o PT chegou ao governo’, mas não ao poder. A interlocução com atores conservadores se faz necessária se quisermos obter êxito no repactuamento reivindicado por amplos setores da sociedade civil.

Mas o balanço recente não é animador. Da assimilação doméstica do receituário do FMI, definida por Paulo Nogueira Batista Jr como ‘espécie sui generis de substituição de importações’ ao anúncio de uma reforma sindical que privilegia o cupulismo em detrimento das negociações de base, a formação partidária do presidente desvincula-se celeremente das lutas sociais. À intocabilidade do latifúndio, soma-se uma Lei de Falências que inviabiliza o repasse do controle da empresa falida para os trabalhadores, em benefício do sistema bancário. E o que seria o projeto de Parceria Público-Privadas senão um sistema em que o Estado dá garantias de rentabilidade ao capital? O mundo do trabalho não tem o que comemorar quando seu maior partido troca o entusiasmo militante pela aprovação do mundo das finanças.

Se a permanência à frente do Estado é o único objetivo dos cardeais petistas, o realismo político deixa de produzir alianças que tenham como eixo um projeto de país. A coalizão requerida destrói o capital simbólico acumulado ao longo dos últimos 25 anos. O poder pelo poder impede uma base feita em sólida unidade de governo e abre espaço para pactos marcados pela lógica das nomeações e negociação de emendas. Romero Jucá não é acidente de percurso, mas produto natural do aliancismo desesperado. O documento ‘Bases de um projeto para o Brasil’ não poderia ser mais emblemático na avaliação do quadro partidário: ‘O caráter inorgânico dos partidos políticos brasileiros não favorece a formação de campos políticos definidos, fato que incide nas alianças, tornando-as muitas vezes incoerentes e incompreensíveis para a opinião pública’. Nenhuma definição poderia ser tão imprecisa em seus termos quanto clara nos propósitos.

Mesmo o esquerdista mais inconseqüente sabe que o beneficiário de um eventual fracasso do governo não estará no campo progressista. A temperança está na afirmação do dirigente da CPT, dom Tomás Balduíno: ‘Dou graças a Deus que o Lula está aí e ao mesmo tempo o critico fortemente e ao PT’. Sábias palavras de quem destaca que o único avanço do governo é o diálogo, ainda que árido, com o movimento social. Se ao partido ainda cabe uma inflexão, só lhe resta seguir o exemplo da mulher de Lot. Desconsiderar desígnios divinos e olhar para o próprio passado. Se virar estátua de sal, é porque há muito já tinha cessado como movimento que se reinventa. O provável êxito eleitoral virá como derrota simbólica. A aposta é perigosa. Gilson Caroni Filho é professor-titular da Facha.’



Érica Santana

‘Governo quer criar conselhos municipais de comunicação’, copyright Agência Brasil, 18/04/05

‘O governo federal pretende criar conselhos municipais de comunicação para discutir a produção do conteúdo local a ser veiculado pelos canais que utilizarem o serviço de Retransmissão de Televisão Institucional (RTVIs). Por meio do serviço, os canais locais retransmitirão sinais de sons e imagens de estações geradoras do serviço de radiodifusão da União. Os conselhos servirão de base para projetos de comunicação pública e comunitária.

O decreto que regula a retransmissão (nº 5.371), publicado no Diário Oficial da União no dia 18 de fevereiro deste ano, prevê que cada canal retransmissor terá 85% do tempo preenchido pela programação da Radiobrás e TVs Câmara e Senado e 15% do tempo para a geração de conteúdo institucional e comunitário local, produzido pelas representações municipais dos três poderes.

‘Espero que quando os conselhos começarem a atuar eles preservem não só a questão da comunicação local em relação à produção de televisão, mas também das rádios comunitárias. Nós entendemos que esses conselhos municipais de comunicação são fundamentais para essas discussões tão importantes. Na verdade, o decreto já obrigava as prefeituras locais que quisessem o serviço a proverem cinco ou seis horas de programação, mas nós sabemos que isso não será possível porque os municípios não têm estrutura e recursos e acabariam reproduzindo o conteúdo, preenchendo esses espaços com programações vindas sei lá de onde, sem um controle, fugindo exatamente do propósito inicial’, disse o assessor especial da Casa Civil para Assuntos de Comunicação, André Barbosa.

De acordo com Barbosa, em um primeiro momento o debate se restringirá à definição de regras para a retransmissão nas rádios comunitárias. ‘Todas essas regras serão instituídas inicialmente para compor a questão da rádio comunitária, mas servirão para qualquer tipo de plataforma. Elas nascerão com as novas regras da rádio comunitária que, a partir de setembro, possam ser instituídas. Evidentemente que elas abrigarão outro tipo de linguagem e produção local como a da TV, ou até quem sabe, a de produções ligadas à informatização’.

Barbosa informou ainda que um dos desafios do governo é disponibilizar recursos para o estabelecimento das produção de conteúdo pela comunidade. ‘Essa questão do conselho municipal deverá estar atrelada à políticas não apenas de produção mas de sustentabilidade dessa produção. Esperamos constituir um fundo de produção cultural voltado exatamente para a produção comunitária. Temos que achar recursos. Também temos que encontrar condições para que esse tipo de fomento aconteça. Esse será nosso grande desafio, provavelmente até o final do ano devemos acertar isso’.

Os conselhos municipais de comunicação poderão ser criados até o final do ano e constituídos através do voto da sociedade municipal, segundo o assessor. O grupo interministerial de Rádio Comunitária que está tratando do tema deverá entregar um relatório para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva até agosto. Em setembro, haverá uma conferência nacional para a discussão do tema.’



HÁ 30 ANOS…
Rodolfo Fernandes

‘Jornal velho, notícias nem tanto’, copyright O Globo, 17/04/05

‘Poucas coisas são tão instrutivas quanto ler jornal velho. Além da antiga utilidade de embrulhar peixe, como se dizia – já que hoje a vigilância sanitária não permite mais isso – edições distantes são uma fonte inesgotável de informação. Mas também podem causar um certo desalento para quem as consulta. Por ocasião da morte de João Paulo II, uma rápida pesquisa nas primeiras páginas do GLOBO apenas durante os conclaves que se sucederam às mortes de Paulo VI e João Paulo I revelou fatos bem interessantes. Muitas das matérias daquela época (setembro e outubro de 1978 e julho de 1980, quando o Papa veio ao Rio) poderiam estar num jornal brasileiro de abril de 2005 sem fazer feio. Estou certo de que ninguém notaria diferença.

Os temas são exatamente os mesmos de um país cuja agenda teima em não mudar: violência crescente, desordem urbana, falta de investimentos públicos, empresas privadas em dificuldades, trânsito agressivo, prisões abarrotadas, ensino deficiente. Uma impressionante coleção de notícias atuais. Para um leitor do Rio, é curiosa também a fartura de informações sobre a decadência econômica do Estado, documentada quase que dia a dia nos jornais. A incapacidade de ação diante de problemas já diagnosticados e fartamente analisados é algo desconcertante no Brasil. É certo que, nestes anos todos, muita coisa evoluiu, mas continuamos em torno da mesma agenda.

Começar pelo mais agudo dos problemas nacionais da atualidade, a violência urbana, é fácil. Quem acha que esse é um tema apenas dos jornais de hoje, vai se decepcionar. O assunto já freqüentava as primeiras páginas trinta anos atrás, em chamadas como estas: ‘Empresário torturado e morto a tiros’ e ‘Menor de 16 anos matou o soldado PM durante o assalto’. E não apenas no Rio, pois em São Paulo o assunto também já estava em pauta. ‘Dona-de-casa é presa durante vinte horas’, dizia uma chamada de primeira página que relacionava não ladrões, e sim policiais paulistas, como responsáveis. Em meio a outras notícias semelhantes (‘Dez carros roubados no Rio são achados em Itabuna’ e ‘Juiz de Três Rios seqüestrado e assassinado’), é notável que o assunto já tivesse merecido a atenção de uma das mais respeitadas instituições do país, a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Está lá, em destaque na primeira página do jornal da década de 70: ‘SBPC: Antropólogos prevêem década de grande violência’. Acertaram em cheio no diagnóstico, mas erraram no prazo. Já são, desde então, quase três décadas de ‘grande violência’.

Não surpreende que esta mesma SBPC tenha apontado outro desafio para o país, indiretamente relacionado à violência. ‘Presidente da SBPC: Melhorar ensino é desafio da década’. Quer dizer: os problemas estavam fartamente diagnosticados pela sociedade, mas não foram enfrentados a tempo. Na área da educação, só há poucos anos saímos da paralisia. Violência e educação deficiente destampam outro caldeirão: é natural ver nos jornais antigos declarações sobre a situação dos presídios dadas pelo ministro da Justiça de então com o mesmo teor das que, dias atrás, saíram da boca do atual ocupante do cargo. Em que pese a diferença de estatura jurídica, Ibrahim Abi-Ackel e Márcio Thomaz Bastos falaram a mesma coisa. O ministro de 1978: ‘Abi-Ackel: prisões são sucursais do inferno’. O ministro de 2005: ‘É preciso desmontar as quadrilhas que vivem dentro das cadeias’. Nessa área, nada mudou, nem a retórica.

Outro persistente tipo de violência comum no cotidiano do brasileiro, a do trânsito, está bem documentado nos arquivos de jornais. ‘Carro a cem quilômetros é despedaçado por ônibus’. Talvez hoje essa velocidade não recebesse tal destaque na primeira página, quando se sabe que carros já foram flagrados no Rio avançando sinais a quase 200 quilômetros por hora. Da mesma forma, a notícia de que ‘Morrem cinco em batida na Avenida Brasil’ já estava num canto inferior da primeira página e é possível que hoje em dia nem mais lá estivesse. O mesmo ocorre com esta outra informação: ‘Detran vai multar nas calçadas de Copacabana e Botafogo’. Em três décadas, houve muitos avanços neste assunto no Brasil, nenhum deles no Rio de Janeiro. Carros já não param nas calçadas em São Paulo ou em Brasília; aqui há casos até de juízes que privatizaram os espaços diante de suas casas. É monótono também ler, há 30 anos, que ‘Light volta a esburacar a Tijuca e o Catete’. Basta trocar Light por Cedae, acrescentar o nome de outros bairros, e está feito o retrato das ruas do Rio.

E o que dizer ainda desta ‘novidade’ do noticiário: ‘Delfim promete capitalizar a empresa privada’. Foi numa reunião do então ministro do Planejamento com… o empresário Mário Garnero, que continua se reunindo com ministros do governo Lula como se reunia com os do governo Figueiredo. E ainda está lá na primeira página, na mesma matéria: ‘O ministro (Delfim ) anunciou que o governo exercerá maior pressão sobre Estados e municípios para que controlem seus gastos’. Soa familiar com os dias de hoje?

Mas esta curiosa incursão pelo passado não poderia terminar sem se deter em um assunto que está, ainda e sempre, na pauta dos jornais. Quem consideraria anacrônica a seguinte declaração: ‘Rio não perderá mais nenhum investimento’. Não, não é uma entrevista com a governadora Rosinha Garotinho ou um programa de TV do PMDB do Rio. Foi manchete do GLOBO, em julho de 1980 (quando o Papa visitava o Brasil), baseada em entrevista do então secretário de Indústria e Comércio do governo do Rio, Carlos Alberto de Andrade Pinto. Em 25 anos, o Rio perdeu muitos, muitos investimentos, mas as autoridades continuam dizendo a mesma coisa. Vejam outra notícia: ‘Codin mostra que Estado do Rio cresce’. A Codin era a Companhia de Distritos Industriais do Estado do Rio (hoje Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio, sumida do noticiário) e seu presidente afirmava: ‘A inegável vocação industrial do Rio dá margem a ser otimista quanto ao seu crescimento econômico’. Por vários motivos, o futuro do Rio não foi tão brilhante quanto sugeriam seus dirigentes. A explicação pode estar em outra edição do jornal, embutida em ações populistas como esta: ‘Andreazza garante: não haverá remoção na favela da Maré’. Como se sabe, por falta de política habitacional – atividade que estava sob responsabilidade da pasta do Interior, ocupada pelo ministro Mário Andreazza – a Maré e as quase 700 favelas que o Rio hoje tem viraram um problema que ninguém mais sabe como enfrentar.

É por isso que acertadamente dizia, em 29 de setembro de 1978 – dia da morte do Papa João Paulo I – o almirante Faria Lima, governador do Estado: ‘Rio está 30 anos atrasado em suas obras’. Passados praticamente trinta anos, o Rio continua trinta anos atrasado em suas obras. Ler jornal velho é mesmo muito instrutivo, como se pode ver. A sensação é de que, parafraseando Ivan Lessa, de trinta em trinta anos o Brasil esquece o que aconteceu nos últimos trinta anos. RODOLFO FERNANDES é jornalista.’