Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O papel (sempre renovado) dos jornais

Bem-vindos ao Observatório da Imprensa. Para que serve uma instituição e um programa como este, voltado para discutir o desempenho da imprensa? O projeto do Observatório serve, em primeiro lugar, para oxigenar o debate sobre a qualidade jornalística, retirando-o dos ambientes fechados, corporativos, e levando-o para o conhecimento da sociedade – os leitores, ouvintes e telespectadores. Nosso segundo objetivo, na realidade o objetivo central, é a busca pela excelência. A crítica em geral e a crítica aos meios de comunicação não é um fim em si mesmo, é apenas um meio. Não se deve criticar por criticar, mas criticar como maneira de buscar a excelência. E esta busca da excelência compreende tanto a identificação das falhas como os registros edificantes, os exemplos a serem imitados, as boas idéias a serem difundidas.

Nesta edição do Observatório da Imprensa pretendemos compartilhar uma comemoração – os 80 anos de idade do jornalista Ruy Mesquita e os seus quase 60 anos de profissão, primeiro como editor Internacional, depois como diretor do Jornal da Tarde ao longo de três décadas e há quase 10 anos à frente do Estado de S.Paulo‘.

Apelidado carinhosamente pelo país afora de Estadão, o jornal tornou-se ao longo dos seus 125 anos de vida, além de uma poderosa empresa, uma instituição a serviço da informação e da formação dos brasileiros. Estamos aqui não apenas para saudar a longevidade, o ânimo e a energia de um jornalista, mas sobretudo para estimular os jovens, os meios jovens, os não tão jovens e os quase adultos a cultivar as referências. Sem referências ficaremos eternamente reinventando a roda. E o jornalismo não precisa ser reinventado. Precisa apenas ser preservado.

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Alberto Dines – Ruy Mesquita, quando você começou, em 1948, qual era a importância de um jornal na vida da sociedade brasileira? Era uma referência fundamental? O rádio já estava substituindo o jornal? A televisão não existia. Qual era a influência e como o jornal funcionava como referência para as pessoas?

Ruy Mesquita – Naquela época, eu acho que o jornal era a primeira fonte de informação. O rádio começava apenas a desenvolver o seu jornalismo e o jornal era a única fonte de informação. A influência que tinha era mais ou menos a que tem até hoje, quer dizer, o jornal nunca foi um meio de informação acessível às grandes massas. Sempre foi dirigido principalmente às camadas dirigentes da sociedade. Ele exercia uma influência decisiva principalmente sobre os governos. A prova disso é a história que vocês acabaram de ver aí do jornal e suas vicissitudes que ele e a família sofreram por causa das posições políticas assumidas em qualquer circunstância, em qualquer período da vida política nacional, arrostando todas as conseqüências das suas tomadas de posição.

Wilson Figueiredo – Vi hoje no Estado de S.Paulo uma frase sua e achei importante lembrar aqui. ‘O desafio do Estado é ser objetivo.’ O senhor acha que a objetividade hoje é suficiente para repor o jornalismo na liderança do processo formador e de informação? Ou o senhor acha que chegou a hora de os jornais acrescentarem à informação mais do que a interpretação, alguma coisa que seja crítica, que seja enriquecedora, que seja culturalmente mais importante e que torne a notícia mais atraente para o leitor?

Ruy Mesquita – Quanto à objetividade, o repórter que fez aquela matéria não traduziu com fidelidade a minha declaração no curso de extensão de jornalismo, ontem. O que eu quis dizer é que no que diz respeito à informação, ao noticiário, a primeira condição é a objetividade. Principalmente depois que os jornais do mundo inteiro começaram a sofrer uma perda de leitores atribuída principalmente ao advento da internet, hoje em dia pesquisas nos Estados Unidos demonstram que a idade média do leitor de jornal está aumentando paulatinamente, o que significa que as novas gerações cada vez lêem menos jornal, não pela influência da televisão, que, quando não existia a internet. até ajudava a aumentar a circulação do jornal na medida que despertava o interesse de quem via a notícia na televisão para a extensão dessa notícia, o aprofundamento dessa notícia no jornal do dia seguinte. Hoje, o jornal sofre essa influência negativa da preferência das novas gerações pela internet. Então, eu falava que o destino da imprensa tradicional dependia hoje mais da capacidade de completar notícias e a parte opinativa do jornal passou a ser, talvez, tão ou mais importante. Pessoalmente sempre achei que era mais importante, mas o leitor médio de jornal, não; [este] se interessava muito mais pelo noticiário do jornal do que pela opinião do jornal.

Hoje eu acho que a opinião do jornal é mais importante, [e era] isso que eu queria dizer: a objetividade é importantíssima, essencial, na medida humana possível, no noticiário. Agora, quanto à opinião – era esse o ponto que eu salientava –, fala-se muito da imparcialidade na imprensa, imparcialidade talvez na apresentação da notícia, [mas] isso não significa neutralidade. No caso do jornal O Estado de S.Paulo, o que caracteriza o jornal – e o que deu força ao jornal durante toda a sua existência – foi o fato de ele assumir sistematicamente posições quando há conflitos de idéias, quando há confronto de idéias e de concepções de políticas, e de seja o que for. A grande força do jornal Estado de S. Paulo sempre foi a página 3 – e mais do que nunca agora, quando o comprador do jornal, o assinante do jornal, já sabe o que vai ler no jornal do dia seguinte.

Aluízio Maranhão – Olhando para o futuro e com a sua experiência de todo esse tempo dentro de uma redação, no Estadão e do Jornal de Tarde, o que eu observo, com apenas 30 anos de vivência em redação, é que há um momento em que a empresa começa a crescer muito dentro do jornal. Quer dizer, antes era o jornal o carro-chefe à frente da empresa. Por contingência de mercado, de sobrevivência empresarial, da economia, os jornais tiveram que se empresariar. Digo isso no bom sentido e não no sentido pejorativo. Há um momento então em que técnicas de gestão e de gerência são traduzidas para dentro das empresas jornalísticas e passam a ter uma importância tão grande quanto as redações. Eu não entro em juízo de valor, se isso é bom ou se é mau, acho até que é positivo. O senhor vive esse processo de uma maneira muito mais intensa. Com a experiência que o senhor tem, com uma quilometragem longa, deve realmente refletir muito sobre isso. Como é que o senhor vê o futuro dessa convivência do ‘Estado e da Igreja’, como nós nos referimos?

Ruy Mesquita – A minha concepção sempre foi a de que a Redação é a alma do jornal, e se for aplicar na empresa jornalística os mesmos critérios baseados na necessidade de lucros e no desejo de lucros cada vez maiores, o jornal está caminhando para sua morte. O produto do jornal é a Redação, é o que a Redação faz. Então, se predominar a necessidade de se fazer concessões em nome da sobrevivência econômica, o jornal está perdido, não tem futuro. Basta ver o que aconteceu conosco a vida inteira. Eu dou sempre como exemplo a filosofia que presidiu durante todo o período de vida da empresa [que edita o] Estado. Os rumos do jornal foram a predominância total e absoluta da fidelidade aos seus objetivos jornalísticos, fossem quais fossem as conseqüências dessa atitude em relação à situação econômica do jornal – [conseqüências essas] que, aliás, nunca foram ruins porque o que faz o prestígio do jornal, o que dá condições para que o jornal seja rentável, é o respeito que o público vota ao jornal. Esse respeito não se obtém por critérios comerciais, mas sim por critérios redacionais, pela coerência que é a grande marca do Estado, quer dizer, a fidelidade do Estado a uma linha poética, filosófica.

O Estado foi criado com um objetivo político, foi criado por um partido político, foi criado pelos republicanos no tempo do Império para lutar pela implantação da República e pela abolição [da escravatura]. Desde então não fez outra coisa senão lutar pelo aperfeiçoamento das instituições brasileiras e pelo que finalmente nós estamos conseguindo, pela instalação neste país de uma democracia de verdade, digna desse nome, que foi a consagração da nossa luta, na minha opinião modesta. Foi o sucesso da restauração do regime democrático no Brasil, que se consagrou principalmente com a eleição do Lula da Silva, que revelou ao mundo o que eu sempre disse que era a verdade deste país: além de ter vocação para a democracia política, é um país que tem uma sociedade aberta e móvel, só comparada essa mobilidade, essa abertura da sociedade brasileira, com a da sociedade norte-americana. Nossa sociedade permite que um homem de origem modesta e de origem proletária, como o Lula da Silva, venha do Nordeste e goze dos benefícios dessa abertura social aqui em São Paulo – exemplo típico onde o poder político, o poder econômico e o poder social mudaram de mãos completamente. Não há mais resquícios das tradicionais oligarquias do café, não há mais resquícios da política do café-com-leite, e o que a sociedade brasileira produziu em termos de democracia social se traduziu finalmente na eleição de um imigrante nordestino. Através da sua brilhante carreira sindical chega ao poder supremo e consolida, definitivamente, a democracia neste país.

João Lara Mesquita – Eu queria pedir para você falar um pouco sobre as ameaças da imprensa hoje em dia. Eu vi você comentando um pouco o processo de ‘murdochização’ da imprensa mundial. Eu queria que você comentasse também a ameaça da tecnologia que na visão de alguns vai fazer com que o papel da imprensa, a imprensa em papel, possa vir a acabar, e também o fenômeno típico do Brasil que é a imprensa nas mãos de políticos. Mais de 40% do meio rádio pertence a políticos. Uma cifra ainda maior das televisões no Brasil afora pertence a políticos, sem falar que todo grande cacique daqueles do passado têm ainda um jornal nos seus estados. Qual dessas três ameaças você acha a mais perigosa para a imprensa no Brasil?

Ruy Mesquita – As três juntas. Quanto a ‘murdochização’ da imprensa, já começou a acontecer aqui também. É a transformação da imprensa exclusivamente num meio de ganhar dinheiro como qualquer outro, que é o caso do [Rupert] Murdoch, cujos jornais, e ele pessoalmente não têm nenhuma posição política, nem nenhuma posição ideológica. Ele tem uma posição empresarial e um poder empresarial fabuloso que permitiu que ele comprasse aquele ícone da imprensa mundial que era o Times de Londres, e o transformasse em um jornal sem nenhum caráter, sem nenhuma alma. E para ganhar dinheiro com o Times ele chegou a esta coisa impensável alguns anos atrás, de transformar o jornal Times em um tablóide. Aqui no Brasil nós começamos a ter essa ameaça concreta que se traduziu na compra do Jornal do Brasil e na compra da Gazeta Mercantil por um empresário que nunca na vida dele tenha tido qualquer relação com imprensa. Eu não sei qual é o interesse dele, mas evidentemente que não é o interesse de contribuir para o aperfeiçoamento das instituições ou para ajudar o Brasil a se transformar numa democracia cada vez mais perfeita.

Quanto à outra ameaça, que é a dos políticos, e eu acho que mais grave. O que restou das velhas oligarquias nordestinas que possuem cadeias de rádio e de televisão não tem muita chance de continuidade depois que as duas oligarquias principais desaparecerem. Mas há agora o problema da investida das igrejas chamadas pentecostais sobre a imprensa, que é uma ameaça terrível. O poder econômico que eles têm – e com a descapitalização das empresas jornalísticas brasileiras – é uma ameaça terrível. Eu acabei de ler na semana retrasada uma matéria do Le Monde, de Paris, sobre, talvez, a pior das crises da imprensa que o mundo está assistindo hoje, a da francesa, em que eles falavam exatamente desse problema terrível dos jornais franceses. Na França, não existe a defesa que os americanos adotaram, que são os grandes conglomerados de mídia. Os jornais franceses são exclusivamente jornais, não têm rádio, não têm televisão. O resultado disso qual foi? Foi que hoje o Le Monde tem 30% das suas ações vendidas à empresa Lagardère, que é uma empresa de armamentos, o Le Figaro hoje em dia é propriedade da Dassault, que é uma grande empresa de armamentos, e o Liberátion, que era o jornal mais atrevido e mais esquerdista da França atual, vendeu parte de suas ações para o grupo Rothschild. É essa perspectiva que eu temo e por isso eu acho que a única salvação da imprensa brasileira é aquela que eu vivo repetindo, é a que aprendi com aquele editor chefe do New York Times que foi despedido recentemente por causa da crise provocada pelo repórter que inventava matérias, e que publicou seu testamento jornalístico em um excelente e longuíssimo artigo dado na revista Atlantic Monthly, onde ele via como a única salvação – mesmo para a imprensa americana, que é tão poderosa diante das ameaças – na necessidade da leitura do jornal. A única preocupação do jornais tradicionais deve ser de se tornar uma leitura necessária para certos grupos sociais que nunca serão majoritários: serão grupos minoritários mas serão os grupos que decidem, serão os grupos que governam tanto no plano público quanto no plano privado.

Ninguém lê jornal por prazer, todo mundo lê jornal porque precisa ler jornal, ou porque é inteligente, porque é culto e quer se informar, ou porque os seus negócios exigem que ele leia jornal. Para mim, é a única salvação para os jornais. Tentar fazer o jornal ser lazer ou concorrer com o entretenimento é tempo perdido.

Alberto Dines – Nessa avaliação em que você identifica, digamos, os fantasmas que nos assustam, entra aí como defesa a necessidade de haver o mínimo de regulação. Nos Estados Unidos, que o é país mais anti-regulação que existe, mesmo assim eles criaram, ainda na época do [governo de Franklin Delano] Roosevelt, a FCC [Federal Communications Commission] , que é uma comissão reguladora das comunicações, sobretudo no campo eletrônico, que impede a concentração, que impede esses grandes grupos que realmente prejudicam essa diversidade de opinião. Como você vê isso aplicado ao Brasil, um organismo regulador capaz de impedir esses abusos?

Ruy Mesquita – Eu acho que é absolutamente necessário que haja, porque evidentemente hoje você vê a hegemonia da Globo. Quem é que tem coragem, qual é o governo que tem coragem de limitar o poder da Globo, como existe nos Estados Unidos, por exemplo, [à base de] taxas de audiência de TV máximas? Um grupo sozinho não pode ter mais do que 40%, não sei com é agora, [pois] está em plena discussão lá a modificação das regras da FCC. Eu acho que é uma necessidade premente a regulamentação aqui no Brasil. Agora, a dificuldade para isso é terrível. Você veja os ensaios que o governo petista fez para interferir negativamente na vida das empresas jornalísticas e na liberdade das empresas jornalísticas através daquela tentativa do Lula de criar o Conselho [Federal de Jornalismo] e depois essa nova lei do audiovisual. Quem continua dominando o Congresso [Nacional] são exatamente as forças que não têm o menor interesse nesse tipo de coisa, são aqueles grupos oligárquicos que têm cadeias de rádio, cadeias de televisão. De modo que é uma coisa muito delicada para a gente fazer no Brasil, agora. Mas não há dúvida de que seria necessário. Eu estou de pleno acordo com você: é necessário.

Wilson Figueiredo – O senhor fez uma referência muito simpática, compartilhada por uma boa parte da opinião pública brasileira, segundo a qual a eleição do presidente Lula significou um arremate dessa primeira fase da democracia brasileira. O senhor acha, no entanto, que o equipamento constitucional que nós dispomos para a vida democrática será suficiente para agüentar hipóteses futuras, imprevistas ou até imprevisíveis; ou, digamos, o senhor não acha que a falta das reformas, sobretudo a reforma política, pode ainda criar embaraços para o Brasil, a curto e a médio prazos?

Ruy Mesquita – Em termos de ameaça à continuidade da democracia brasileira, eu não vejo. Agora, sem dúvida nenhuma que nós estamos longe do ideal institucional democrático. O sistema democrático brasileiro é uma piada, é uma brincadeira. Isso a que nós acabamos de assistir, essa reforma ministerial e os arranjos que se fizeram, é uma tragicomédia. Aliás, por acaso hoje nós tivemos a definição perfeita da farsa que são esses arranjos que giram em torno da reeleição do Lula, na frase do nosso amigo Severino [Cavalcanti, presidente da Câmara dos Deputados]. Ao conseguir finalmente a nomeação do filho dele a um cargo qualquer, ele disse: ‘Até pouco tempo atrás ele não foi nomeado porque eu era contra o governo, mas agora que eu sou a favor é claro que ele vai ser nomeado’. Esse detalhe é uma complementação daquilo que foi feito de certa maneira ataboalhadamente em 1988. A Constituinte se fez sob uma atmosfera de medo da reincidência de um regime totalitário, ditatorial. Não há nada mais imperfeito como Constituição do que a de 1988, que foi feita tirando como contraponto o regime ditatorial.

O sistema partidário brasileiro é uma brincadeira que permite essa dança de legendas que não significam coisa nenhuma e a troca de partidos por parte dos deputados. O único partido estável por esse lado é o PT, que tem uma disciplina partidária que deveria ser imitada por todos os outros partidos. O grande aspecto positivo do PT, que é o partido dos trabalhadores, é essa é a disciplina partidária. Eu estou de pleno acordo com as punições que eles fazem aos petistas que não obedecem a linha adotada por maioria dentro do partido. E quanto aos outros partidos, são absolutamente fluídos e balançam de acordo com os ventos políticos.

Fernão Lara Mesquita – Respondendo a uma pergunta se apoiava uma imprensa mais forte em 1964, seu pai, Júlio Mesquita Filho, disse o seguinte: ‘Sem dúvida nenhuma. Sou tão objetivo na minha maneira de encarar o papel da imprensa que não hesito em atribuir-lhe boa parte das desgraças que têm desabado sobre nosso país e o resto do mundo. Quando a imprensa não é conduzida com a dignidade necessária, ela se transforma num mal muito mais profundo do que o comércio de tóxicos. Esse é menos nocivo aos grupos sociais do que uma imprensa conduzida de forma capciosa, sem a prevalência do sentimento de responsabilidade e como instrumento de satisfação dos instintos de quem a maneja e dos grupos que a dirigem’. É possível hoje uma imprensa que põe a responsabilidade acima de imperativos comerciais e adiante da satisfação de interesses dos grupos que a dirigem? Como você comentaria as palavras de seu pai hoje?

Ruy Mesquita – Eu estou de pleno acordo com as palavras dele e acho que possível é, dependendo exclusivamente da categoria de quem dirige os jornais. Tenho como padrão do tipo de imprensa que acho a melhor possível o New York Times, que foi dirigido desde o primeiro dia até hoje por uma família. No nosso caso, se traduz a superioridade do jornal O Estado de S.Paulo num fato que vivo citando, que é o fato do Dr. Júlio Mesquita Filho, ao morrer, ter prometido para nós, filhos, que ele jamais permitiria que acontecesse conosco o que aconteceu com ele quando ele perdeu o jornal e ficou sem ter com o que viver, porque ele só tinha o jornal. Quando ele morreu, apesar da promessa dele, deixou exclusivamente sua participação acionária no jornal como herança para nós, o que está comprovado pelo inventário que eu guardo como um troféu, feito pelo escritório que foi do sogro do nosso amigo Manuel Alceu Afonso Ferreira, [e] que confirma para quem quiser ouvir o que eu estou dizendo. A independência da direção de um jornal em relação ao interesse empresarial do jornal é essencial.

Aluízio Maranhão – Gostaria de resgatar uma passagem da sua entrevista, em que o senhor tenta enxergar o futuro diante dessa realidade que é conhecida por nós, quer dizer, queda de índice de leitura e de circulação. Esse é um fenômeno mundial. Agora, do outro lado, o que se vê também são as grandes empresas, os grandes grupos jornalísticos, também entrando nas mídias novas. Todo grande jornal do mundo tem seu site, sua agência eletrônica de notícias distribuindo informação 24 horas por dia. Tudo indica que cada vez mais os sistemas de distribuição de informação, os sistemas digitais, vão se multiplicar a uma velocidade imprevisível. O senhor acha que haverá um momento em que o jornal no seu formato de papel se estabilizará numa circulação suficiente e compatível com aquela faixa de formadores de opinião de cada comunidade, cada sociedade. e que portanto o restante daquele universo de leitores daquele jornal ou daquela marca será atendido através de novas mídias? Outro dia eu percebi uma coisa. O New York Times, quando morreu a [Terri] Schiavo, fez um editorial para o site, editorial esse que foi reproduzido no dia seguinte na página de editoriais do New York Times. Quer dizer, uma integração absoluta entre o digital e o papel.

Ruy Mesquita – Eu acho que isso, a integração da internet com o jornal impresso, é natural, está acontecendo e vai acontecer cada vez mais. O problema é saber, no caso brasileiro, por exemplo, do que vai viver o jornal escrito, [já que] a informação na internet não traz receita. O problema básico do jornal brasileiro hoje é que, apesar da recuperação da econômica, em todos os setores de atividades houve uma recuperação forte e altamente encorajadora, no plano da publicidade para os jornais não houve praticamente alteração alguma. Nós estávamos, no período da estagnação da economia, no nível mais baixo de propaganda, de publicidade, da história da imprensa brasileira e permanecemos nesse nível depois de um ano e pouco de recuperação forte da economia, sem nenhum indício de melhora. Por isso, no caso específico do Brasil, eu acho que essa solução, que é natural e está acontecendo, não basta para a sobrevivência da imprensa escrita.

Vitor Lopes, telespectador de Natal (RN) – Qual o maior desafio que o senhor vivenciou na época da ditadura?

Ruy Mesquita – Na época da ditadura militar, o desafio maior que eu pessoalmente – não a minha empresa – vivenciei foi com o telegrama que passei ao ministro [da Justiça Alfredo] Buzaid, protestando em termos veementes, dizendo que com aquela censura que eles estavam fazendo – porque eles tinham censurado aquele dia uma entrevista do Roberto Campos, imaginem vocês… Então eu passei esse telegrama desaforado para o ministro e a reação do governo foi mandar para São Paulo o ministro Delfim Neto, acompanhado de dois oficiais de Justiça, para saber – ele me ameaçando pessoalmente – se eu confirmava os termos daquele telegrama, e com os dois oficiais de Justiça tomando a termos as minhas declarações – que confirmei, evidentemente. Mas me fazendo essa ameaça não muito velada do que poderia acontecer se eu insistisse em ter atitudes como aquelas. E, depois, uma vez que o secretário da Segurança de São Paulo, que não era mais o [coronel] Erasmo Dias, mas era um militar também, me chamou lá para me mostrar um gráfico que os terroristas haviam feito do meu dia de circulação com a finalidade de me assassinar. Com esse instrumento na mão, que eu tenho guardado até hoje, ele queria me convencer de que eu teria que mudar de atitude e passar a colaborar mais com o governo ditatorial.

Andrelise Dalto, telespectadora de Cascavel (PR) – O senhor falou que os jovens têm pouco interesse no jornal impresso. O Estadão tem alguma estratégia para atrair os jovens?

Ruy Mesquita – Ele tem estratégias, mas eu não acredito que isso funcione. Estratégias são a diversificação das matérias que a gente publica, procurando a conquista dos diferentes públicos – algumas destinadas especificamente aos jovens, como esporte, música popular e esse tipo de coisa. Mas eu acho que esse instrumento não funciona muito. O problema todo é o problema de cultura de uma geração nova, que é uma cultura diferente das gerações anteriores quando não existia internet.

Cláudio Faustino, telespectador de Campinas (SP) – Com tiragens menores, qual o futuro dos jornais em relação ao seu custo?

Ruy Mesquita – Eu também pergunto qual será. Evidentemente que o problema da tiragem não é tão importante porque não é pela tiragem que você ganha publicidade, é pelo prestígio do jornal. [O Estado de S.Paulo] tinha tiragem menor do que a atual nos anos 50, 60, 70 e, no entanto, tínhamos aí uma quantidade de anúncios classificados, que é o mais importante, duas ou três vezes maior do que hoje. Naquele período, o jornal chegava a dar 250 páginas de anúncios classificados por domingo. Hoje, quando chega a 100, a gente festeja.

Alberto Dines – Hoje, quando entramos numa redação de jornal, percebe-se, sem perguntar as idades, que mais ou menos as idades são 20, 25, 28 anos na média. Será que não é possível, para dar mais densidade ao jornal, aproveitar a mão-de-obra disponível que temos hoje? Será que não se podia compensar essa deficiência da mídia impressa com a contratação de jornalistas mais experientes, para que eles pudessem dar essa densidade que você se referiu, fazendo com que o jornal fosse não só noticioso mas também formador?

Ruy Mesquita – Eu acho que seria uma boa idéia, mas infelizmente eu não tenho voz ativa nessa parte lá no jornal, que é a parte que está mais afeta à administração, à política de pessoal, do que propriamente à Redação. Hoje em dia aquela predominância da Redação sobre a administração é muito relativa.

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Alberto Dines – Ruy Mesquita, em primeiro lugar meus agradecimentos por você ter vindo aqui ao programa a essa hora da noite. Queria que você fizesse uma saudação final, sobretudo aos seus companheiros de Redação, aos telespectadores e aos seus leitores.

Ruy Mesquita – Eu agradeço comovido essa homenagem que vocês estão me prestando e quero apenas dizer que o meu mérito foi ter tido o privilégio de nascer na família em que eu nasci, e de viver a época que eu vivi. Do ponto de vista de um jornalista, se fosse possível previamente escolher a época em que você gostaria de ter vivido, eu digo que seria esta fase que começou com o fim da Segunda Guerra Mundial e que deu neste mundo em que vivemos. O meu mérito foi apenas ser, como diria o meu mestre Raymond Aron, um bom observador engajado. Eu fui cumprir, apenas com os recursos que eu tenho, a missão que me foi delegada pelos meus antepassados, a começar pelo meu irmão Júlio, meu pai e meu avô.