Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Joaquim Furtado

‘No dia 17 de Julho, a primeira página do Público anunciava, em rodapé: ‘Ligação Porto-Gaia em classe executiva’. Uma frase que remetia para a página 5. Porém, quem viu nela a ‘chamada’ para uma notícia e folheou o jornal à procura dos detalhes, o que encontrou foi um anúncio.

O caso repetia-se. Uns meses antes, na sua edição de 28 de Fevereiro, o jornal registara uma situação em tudo idêntica. Desta vez afirmava-se: ‘os arrumadores vão deixar de pedir moedas’. Convidados para a página 7, os leitores encontravam-na totalmente ocupada por publicidade (à mesma marca, aliás).

Nessa ocasião, o facto motivou um protesto de Pedro Cação Coelho – dirigido ao director e com conhecimento para o provedor – em que o leitor informava que ‘no quiosque, havia pessoas que discutiam o assunto como se de facto houvesse uma notícia sobre arrumadores’.

Em ambos os casos, quer o conteúdo das mensagens quer a sua imagem gráfica surgiam aos olhos do leitor comum como informação noticiosa.

O exemplo mais recente permite concluir, por um lado, que o caso anterior não foi depois ponderado pela direcção do jornal e por outro, que ele não se ficou a dever a qualquer ‘lapso’ pontual, mas sim a uma estratégia publicitária.

Embora em ambos os casos seja patente a sinalização obrigatória (através da palavra ‘publicidade’ ou da abreviatura ‘pub’), identificando a natureza da mensagem, e apesar de o tipo de letra usado ser diferente daquele que o jornal utiliza nos seus títulos informativos, isso não evitava a ambiguidade nem o logro momentâneo (1).

Em consequência: no jogo de fronteiras de que é feito o jornal, a parte comercial garantia a eficácia publicitária pretendida, enquanto a parte editorial não preservava os direitos dos seus leitores. Sendo que o que surge como ganhos de uns pode vir a resultar em perdas de todos.

Confrontada com a situação, a direcção do Público reconhece os ‘contornos enganadores’ da situação e informa que, não conhecendo previamente o anúncio, não pôde estudar alternativas que evitassem ‘confusões entre publicidade e notícias’. Respondendo em nome da direcção, Nuno Pacheco considera que, não estando, directamente, contempladas, no Livro de Estilo, estas situações só poderiam ser apreciadas à luz do preceito que ‘obriga a que a Direcção (ouvido o Conselho de Redacção) decida sobre os casos duvidosos. Teria sido este o caso – acrescenta Nuno Pacheco – se tivéssemos sido previamente alertados pela secção de Publicidade (o que sucede, com frequência) para a forma e o conteúdo de tal anúncio’.

Lamentando o sucedido, a Direcção afirma-se apostada em clarificar procedimentos: ‘tentaremos, para o futuro, estabelecer regras mais restritas de modo a não prejudicar leitores nem anunciantes’.

No entanto, o Livro de Estilo contém o necessário para prevenir casos como este. Bastaria a simples observância do seguinte: ‘a publicidade é uma área autónoma e perfeitamente demarcada nas páginas do Público, segundo critérios de prioridade e ocupação de espaço definidos pelas direcções editorial e comercial. O material publicitário vem sempre graficamente assinalado, de forma clara e explícita, que evite confusões ou associações ambíguas à mancha informativa’.

Mas se, ainda assim, o Livro de Estilo é insuficiente relativamente à área da Publicidade, em relação ao Marketing é simplesmente omisso, o que convirá reparar dada a crescente importância deste sector na vida dos jornais (2).

A actividade desta área só indirectamente recai no âmbito de apreciação estabelecido para o provedor. Mas tem chegado a este correio correspondência que justificou um pedido de esclarecimento aos serviços respectivos.

As queixas questionam o rigor de obras como ‘A Enciclopédia’ – a que são apontados erros ortográficos – bem como a qualidade de traduções no âmbito das colecções ‘Mil Folhas’ e ‘Geração Público’.

Foi pedido um comentário ao departamento Comercial e Marketing. Informando que todas as reclamações dos leitores são apreciadas e ‘devidamente respondidas’, a sua directora, Silvia Reig, afirma que as colecções visam ‘a divulgação da cultura com projectos inovadores e de elevada qualidade, tornando-a acessível ao grande público através de uma excelente relação qualidade/preço’, para o que são seleccionados parceiros que ‘merecem toda a confiança pelo reconhecido prestígio e experiência nas áreas em que operam, sejam elas, editorial, discográfica, cinematográfica, etc. Com estes critérios de rigor – acrescenta Silvia Reig – foram lançadas mais de 17 colecções e vendidos mais de 8 milhões de livros, mais de 2 milhões de DVD´s e mais de 250.000 CD´s de música’.

E, concretamente, sobre as reclamações dos leitores: ‘No caso de Enciclopédia, todos os erros de que tivemos conhecimento foram prontamente comunicados à Editora VERBO, nossa parceira desta colecção e responsável pelo conteúdo editorial da mesma. A VERBO tomou as devidas acções para melhorar esta situação. Foi também decidida a inclusão de uma errata no vigésimo volume da Enciclopédia, publicado esta semana.

Relativamente ao comentário sobre a colecção Geração Público, o nosso parceiro foi alertado para algumas incorrecções de tradução. A medida tomada neste caso foi a mudança de empresa responsável pelas traduções e respectivas revisões de texto’.

Tal como os êxitos, também as falhas contaminam o jornal, enquanto órgão de informação.

O director, José Manuel Fernandes, explica que os produtos a lançar são do conhecimento prévio da Direcção Editorial à qual cabe a autorização final, de modo a garantir que as iniciativas estão ‘de acordo com o espírito do jornal’.

Exactamente por isso, é natural que, para os leitores, os livros, os DVD´s e os CD´s lançados e promovidos pelo Público (frequentemente através de textos escritos pelos seus jornalistas, o que suscita outra questão que não trataremos agora) surjam como extensões do jornal. E desse modo sujeitas às mesmas exigências de qualidade. Pelo que, frustrar essas expectativas pode atingir a relação de confiança com os leitores e a própria credibilidade do jornal.

(1) – ‘Os anunciantes são os principais clientes da maioria dos `media´ e asseguram-lhes a prosperidade. Preocupam-se com a qualidade dos conteúdos, na medida em que esta cria uma atmosfera de confiança favorável à publicidade e permite, em alguns casos, atingir o público que lhes interessa. Em contrapartida, eles exercem pressão sobre os `media´ (…) para que estes apaguem a fronteira entre publicidade e informação’. Claude-Jean Bertrand, em ‘A Deontologia dos Media’, Edições Minerva Coimbra.

(2) – ‘(…) o jornalismo faz-se todos os dias, hoje se calhar, mais ligado ao `marketing´, mas mesmo aí tem havido surpresas agradáveis, como verificar que o livro até é um bom veículo de promoção para um jornal’. Declaração de Mário Mesquita em entrevista a Armando Rafael, Diário de Notícias de 5 de Janeiro de 2003.

PS – Após um período de férias, esta coluna voltará em Setembro. Os endereços do provedor continuarão, naturalmente, abertos à participação dos leitores.’