Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Chico de Gois

‘A principal batalha nos bastidores do primeiro debate entre candidatos, na Rede Bandeirantes, ontem à noite, foi travada entre os marqueteiros da prefeita Marta Suplicy (PT) e a coordenação do debate. Sentindo que Marta era o alvo dos ataques, o publicitário Duda Mendonça, o marido da prefeita, Luis Favre, e o secretário do Abastecimento da prefeitura, Valdemir Garreta, insistiram, em duas ocasiões, para que a petista tivesse direito de resposta.

A primeira ação nesse sentido ocorreu logo após a candidata do PSB, Luiza Erundina, ter afirmado que Marta havia trocado votos na Câmara Municipal para aprovar projetos. Neste momento, Favre deu sinais para que a prefeita insistisse com o mediador do debate, Carlos Nascimento, para que lhe desse direito de resposta.

A prefeita esperou Erundina concluir suas observações para dirigir-se ao jornalista. ‘Nascimento, eu peço direito de resposta porque a candidata Erundina me atacou pessoalmente.’ Nascimento, porém, denegou o pedido, dizendo que as afirmações da candidata do PSB não foram ataques pessoais, mas de ordem administrativa. Marta mostrou-se contrariada, mas não insistiu.

No terceiro bloco, Erundina voltou à carga ao criticar a prefeita por causa da taxa do lixo e pela licitação de concessão do serviço a empreiteiras que doaram dinheiro à campanha do PT. Garreta, então, levantou-se e procurou o diretor de jornalismo da TV Bandeirantes, Fernando Mitre. Gesticulando muito, demonstrando irritação, Garreta afirmava que os adversários estavam atacando a prefeita não do ponto de vista administrativo, mas, sim, sobre o comportamento dela. Mitre não concedeu o tempo.

Luiz González, da equipe do candidato tucano José Serra, preocupou-se com a clareza verbal de seu assessorado. González chegou a marcar tempo para que Serra lesse um texto. Quando começou o outro bloco, Serra dirigiu sua pergunta ao candidato do PDT, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho. Perguntou sobre desemprego e as propostas para solucioná-lo. Paulinho devolveu a gentileza e perguntou sobre saúde a Serra. Duda e Favre riram.

Acostumada a falar rapidamente, Havanir Nimtz (Prona), perdeu-se com seu 1min30. Numas das participações, seu filho chegou a lhe fazer sinais para ser mais rápida. Havanir era aconselhada nos bastidores pelo presidente nacional do Prona, Enéas Carneiro, e o ex-vereador Faria Lima.’



Contardo Calligaris

‘Campanhas para eleitores reprimidos e narcisistas’, copyright Folha de S. Paulo, 5/08/04

‘As campanhas eleitorais são sempre um pouco humilhantes. O mais freqüente é que elas apostem na idéia de que nós, eleitores, seríamos burros e mal-informados. Mas podem também apostar na idéia de que seríamos reprimidos ou fundamentalmente narcisistas. Antes de ilustrar esses casos com exemplos, uma observação.

No dia em que um candidato passar a nos tratar como gente grande, acredito que ganhará votos, seja qual for seu plano.

Sonho que alguém apareça na tela e diga: ‘Salvo exceções que explicarei, meus concorrentes são pessoas tão qualificadas e bem-intencionadas quanto eu. Temos em comum a vontade de fazer o que nos parece melhor; é claro, dentro do possível, que sempre é menor que o necessário. Somos todos, é óbvio, animados por uma ambição descomunal; sem isso, não estaríamos aqui. Mas nosso gosto pelo poder é corrigido pela vontade de servir o interesse público.

Agora, temos diferenças, sobre as quais, você, eleitor, deve se pronunciar.

É raro que as diferenças sejam de fundo (ninguém, hoje, promove projetos revolucionários). Quase sempre, são questões de prioridade (maneiras divergentes de decidir o que é mais urgente) ou de meios (concepções conflitantes de como chegar a resultados parecidos).

Pode ser que a propaganda eleitoral de meus sonhos nos mate de tédio, à força de argumentações sensatas. Mas ela teria suas vantagens.

Primeiro caso. Recentemente, a campanha de José Serra (candidato que tenho em grande estima) achou bom publicar em seu site na internet uma charge contra Marta Suplicy, intitulada: ‘Dona Marta e seus dois maridos’. A idéia era levantar nossa indignação porque Marta visitou umas obras em companhia de seu ex-marido, o senador Eduardo Suplicy, o qual apóia a campanha de sua ex-mulher.

O texto queria que exclamássemos: ‘Hã! Marta quer a presença de Eduardo porque ele é muito amado em São Paulo!’ (pois é, deveria fazer o quê? Convidar Fernandinho Beira-Mar? Não é normal que um candidato peça o apoio de quem tem a confiança dos eleitores?). Subentendido: ‘Se ela queria o apoio de Eduardo Suplicy, por que não continuou casada com ele, eh?’ (quer dizer o quê? Será que cada candidato deve casar ou, quem sabe, passar noites de paixão com todas as figuras públicas que compartilham suas idéias e apóiam sua campanha? É esta a idéia: nada de palanque sem casamento ou coisa parecida?).

O fundo da mensagem proposta é, obviamente, que a Marta se saiu excessivamente bem; como diz o ditado, ela conseguiu ficar com o leite e com o queijo (com seu novo casamento e, mesmo assim, com o apoio de Eduardo). Imagine: não só ela se separa e volta a casar, mas mantém com seu ex-marido uma relação suficientemente amistosa para que o ressentimento não impeça um engajamento comum.

Essa ‘constatação’ deveria inspirar nosso desgosto e levar-nos a votar alhures. Por quê? Fácil: porque é muita coisa, ou melhor, são coisas que muitos querem e não conseguem fazer. Mas pouco importam os detalhes; o que vale nesse apelo um pouco escroto é que somos chamados a votar contra quem ‘goza’ demais.

Em geral, a birra inspirada pelos supostos ‘prazeres’ dos outros tem esta motivação: detestamos os que alcançam o que nós não nos permitimos porque temos raiva de nossas próprias limitações. Em suma, a charge contra Marta pedia que nosso voto fosse inspirado pela repressão que impomos (ou que é imposta) a nossos desejos. Era um apelo aos eleitores reprimidos.

Outro caso, agora americano. No dia posterior à convenção democrata, um provedor de internet dos EUA pediu a seus assinantes que se pronunciassem sobre algumas citações dos discursos da convenção do Partido Democrata. As frases partidárias receberam, sistematicamente, 50% de votos a favor e 50% contra. É claro, a sociedade americana é politicamente dividida ao meio; se os democratas gostavam, os republicanos não gostavam. Mas havia uma citação (do discurso de Barack Obama) que dizia: ‘Não existem uma América progressista e uma América conservadora, existem os Estados Unidos da América’. Essa frase levou 87% de aprovação.

Patriotismo genérico dos eleitores? Parece-me mais provável que os eleitores estejam cansados de serem contrapostos coletivamente. Talvez se lembrem do seguinte: o que eles compartilham de mais relevante não são as camisetas e os chapéus dos partidos, mas o barco no qual estão todos e para o qual se trata de inventar a melhor rota possível.

Ser democrata, republicano, serrista, malufista ou ‘martista’ é uma maneira de abdicar de boa parte de nossa subjetividade em favor de uma identidade de grupo. É uma maneira de votar com a paixão narcisista de ser sempre igual a si mesmo e a alguns outros que são iguais à gente.

Pois é, eu (e não devo ser o único) preferiria que as campanhas me encorajassem a votar com meus sonhos e meus desejos, não com a raiva de minhas repressões nem com o conforto duvidoso de minhas identificações de grupo. ccalligari@uol.com.br’



Bernardo Joffily

‘Folha mostra como São Paulo vota, mas não diz o porquê’, copyright Diário Vermelho (www.vermelho.com.br), 7/08/04

‘O jornal Folha de S. Paulo, na sua edição de sábado (7), prestou um real serviço ao entendimento das eleições na cidade de São Paulo. Num texto sobre ‘redutos partidários’, com base em um estudo do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), a Folha mostra em sua capa o mapa ao lado: e com ele uma revelação que os estudiosos do assunto já sabiam mas o eleitor precisa saber: ao menos para os cargos majoritários, objeto do estudo, os ricos de São Paulo votam nos tucanos; os pobres, no PT; e as camadas médias conservadoras votam em Paulo Maluf.

Esta conclusão não está no artigo da Folha de S. Paulo, jornal que tem mostrado mal disfarçada antipatia pela campanha da prefeita Marta Suplicy à reeleição. Também não está, é claro, no estudo do Cebrap – instituto fundado em 1971 por um certo sociólogo da USP, Fernando Henrique Cardoso. Pelo contrário, sob o subtítulo ‘Razões do endereço’, a matéria, com ajuda de uma pesquisadora do Cebrap e outro sociólogo da USP, realiza uma esforçada ginástica para encontrar outra explicação que não seja a social, de classe, para a geografia do voto.

Qualquer motorista de táxi

No entanto, as linhas de fronteira são tão rigorosas e flagrantes, praticamente sem exceção, que dispensam um pós-doutorado ou mesmo um diploma em sociologia para serem interpretadas. Qualquer motorista de táxi paulistano – com seu conhecimento empírico mas profundo da cidade – é capaz de interpretá-lo sem um segundo de vacilação; basta mostrar-lhe a lista dos dez ‘redutos tucanos’.

Confira na tabela abaixo, que mostra a porcentagem de domicílios dos ‘bairros tucanos’ que possui renda mensal acima de vinte salários mínimos

Bairro

Moema

31,46%

Jardim Paulista

28,99%

Morumbi

28,74%

Consolação

23,33%

Itaim Bibi

22,74%

Alto de Pinheiros

22,56%

Pinheiros

21,74%

Perdizes

16,92%

Campo Belo

16,36%

Vila Mariana

14,89%

A lógica é implacável: os dez ‘bairros tucanos’ são precisamente os dez primeiros colocados do município em números de domicílios com renda acima de 20 salários mínimos. Não há uma exceção sequer. E a informação encontra-se em um interessante ‘sistema de servidor de mapas fornecido pelo próprio site do Cebrap (clique aqui para ver)…

Aí estão no seu conjunto os bairros ricos da capital paulista: desde o tradicional Higienópolis dos antigos barões do café (e também de FHC), passando pelos Jardins (onde por sinal reside a prefeita petista, filha de rica família industrial hoje à frente de um eleitorado tipicamente de trabalhadores), até os bairros mais recentes da migração grã-fina, Morumbi e Itaim Bibi (não confundir com o ultraproletário Itaim Paulista, nos confins da periferia leste, que naturalmente aparece em vermelho).

Não por acaso, o candidato José Serra amassava barro ontem em São Miguel Paulista, na extremidade leste da cidade, com 0,38% de domicílios acima dos 20 mínimos e em plena zona vermelha no mapa da Folha.

Áreas ‘em disputa’ podem definir o 3/10

Só não aparecem no mapa os neoguetos ricos que passaram a concentrar os muito ricos nos últimos anos – condomínios reconhecíveis por apresentarem em geral o sufixo ‘ville’ – porque estes se encontram fora do município, em sítios mais aprazíveis da Grande São Paulo. Mas os seus condôminos por certo conservam o título de eleitor de paulistanos, e cabe portanto uma sugestão ao Datafolha, instituto de pesquisas ligado ao Grupo Folha: façam ali uma sondagem eleitoral e confiram se não dá José Serra disparado.

A lógica social da pesquisa se aplica também às áreas assinaladas como ‘em disputa’, menos definidas em termos de classe. Não é impossível que a campanha eleitoral em São Paulo se defina, nas urnas de 3 de outubro, pelos colégios desses bairros.

Lógica paulistana não é nova

Esta relação límpida entre condição social e opção eleitoral não é nova na capital paulista. O estudo do Cebrap recupera os dados desde 1996, mas chegaria à mesma conclusão se recuasse até 1988.

São Paulo, porém, ainda é muito provavelmente uma exceção em sua coerência sócio-eleitoral. Por exemplo no Rio de Janeiro, segundo colégio eleitoral do país: ali o prefeito Cezar Maia (PFL, com apoio do PSDB) alcança seus melhores desempenhos na periferia pobre da Zona Oeste, onde os mecanismos do fisiologismo e do uso da máquina ainda fazem estragos. Seria interessante que os pobres cariocas e de outras cidades conferissem o exemplo paulistano e examinassem seus prós e contras.

Veja, abaixo, a matéria da Folha de S. Paulo:

‘Cidade se divide em redutos partidários’

Por Flávia Marreiro,

publicado no jornal

Folha de S. Paulo

O voto paulistano tem geografia social. Longe de ser errático, obedece a um padrão partidário que desenha no mapa da cidade o reduto tucano, o petista e o malufista. Encurralada entre eles, uma zona cuja principal característica é a intensa disputa do eleitor.

De 1996 para cá, em qualquer pleito disputado em São Paulo, os petistas tiveram desempenho melhor em seu reduto – 34 distritos – do que na média obtida no município. Do eleitorado de dez distritos, o PSDB obtém, eleição após eleição, seu melhor percentual de votos comparativamente. Paulo Maluf (PP), ou candidatos apoiados por ele, repetem a performance em 35 outras áreas.

O panorama recortou anéis de território na cidade: o mais central, fica com o PSDB -onde estão os melhores indicadores sociais. Ao redor dele, uma área disputada principalmente entre tucanos e petistas, região que separa o primeiro anel da zona malufista – aí os índices de renda e escolaridade são mais próximos da média do município. Nas bordas de São Paulo, zonas leste e sul: o PT – onde estão os paulistanos mais pobres.

O mapa das eleições de São Paulo é resultado de uma pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). Os estudiosos, cruzando dados eleitorais de 2000 e informações do IBGE, utilizaram uma técnica estatística para encontrar os padrões de disputa da esquerda, da direita e do centro nas regiões da cidade.

O modelo de comportamento das três forças se repetiu, nas mesmas regiões, nas eleições de 96, 98 e 2002 -o que mostra que o padrão persiste, quer eleições para o executivo ou legislativas, municipais, estaduais e federais.

Coordenadores do estudo, que teve os primeiros resultados publicados em 2002, os cientistas políticos Fernando Limongi e Argelina Figueiredo resumem o achado: em rebate às teorias que sustentam a matriz personalista do sistema político brasileiro, os partidos estruturam, sim, o voto na cidade. São eles que restringem as opções do eleitor de São Paulo.

Um fenômeno paulistano? Embora sem dados comparáveis em outros locais, a divisão tão clara entre as três forças dá indicativos de ser mais forte em São Paulo. A atual geografia social já se sinalizava em estudos décadas atrás – direita e centro no miolo mais rico, e a esquerda nas periferias.

Os pesquisadores afirmam que, embora longe de garantir vitória nas urnas, os redutos são ‘um capital de votos’ – base de apoio sólida que dá às siglas ‘viabilidade em qualquer disputa eleitoral’.

Os redutos tem tamanho e peso eleitoral diferentes. O eleitorado mais petista se espalha por uma região que corresponde a 41% dos votos da cidade (eleição de 2000). Inclui Sapopemba (leste) e Parelheiros (sul). Mais que petista, esse é o cinturão do melhor desempenho da esquerda.

Em 2000, 45% dos votos que levaram Marta Suplicy ao segundo turno na disputa pela prefeitura paulistana vieram do reduto. Ela teve o apoio de 41,37% dos eleitores da região, enquanto na cidade sua média foi 38%. O dado mostra quão dependentes são os petistas do desempenho em seu reduto.

A mancha tucana é menor e mais concentrada que a petista (10% do eleitorado) e fiel na polarização entre PT e PSDB. De 96 para cá, os tucanos jamais perderam para petistas na região, a pior para a esquerda. Nela, José Serra teve 50,1% dos votos para presidente em 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva venceu na cidade. Até pela redução de reduto, que inclui bairros como Pinheiros, é na disputa nos redutos rivais que está o êxito ou não do PSDB.

A zona em que trava disputa mais acirrada é o anel em torno do centro expandido – a segunda mais rica da cidade, onde estão bairros como Santa Cecília e Barra Funda. Ali, Serra ganhou com folga de Lula em 2002. Mas Marta ganhou de Alckmin em 2000. São 15 distritos e 12% do eleitorado.

O reduto malufista, com bairros como Tatuapé e Vila Maria, é extenso: 37% dos votos. Nele, Maluf teve 20% no primeiro turno de 2000, o equivalente a 41% de seus votos na cidade. A votação para a direita foi de 35% nessa região.

Razões do endereço

Desenhado o mapa do voto, à pergunta seguinte: quais as razões do endereço? Embora esse tema não seja explorado pelo Cebrap, Argelina Figueiredo apresenta dados da formação petista: o extremo da zona leste, uma das áreas da sigla, faz fronteira com a região do ABC, berço do PT. ‘Há movimentos de moradia, de saúde. São dados conhecidos.’

Sobre o mapa, o autor de ‘Os Partidos Políticos no Brasil’, Rogério Schmitt (USP), diz que o PT terminou seu processo de expansão em 2000: ‘Se houver acréscimo, é muito pequeno’. Já no candidato tucano, Schmitt enxerga possibilidade de alargar sua distribuição de votos. ‘Em 2002, Serra se tornou mais conhecido.’

O sociólogo Flávio Pierucci, estudioso do malufismo, diz do mapa de 2000: se a formação da região mais classe social se relacionavam com a afinidade conservadora do eleitorado, as razões já não são suficientes agora. ‘O Tatuapé que pesquisei era muito diferente, não era esse ‘morumbizinho’. O Tatuapé não é mais um bairro de classe média baixa. E ainda assim é malufista’. O que no início era fator a ser explicado – a localização – passa a ser um fator explicador, diz ele.

Fonte: Folha Online’