[Parágrafo preliminar: detenho-me na mídia de Recife, onde moro e onde nasci. Mas creio que essas rápidas observações também valem pra quase todo o resto do país (até onde posso notar, uma exceção é Porto Alegre, RS, onde vivi 20 anos; para tal exceção tenho hipóteses que não levantarei aqui).]
Na imprensa local (Sistema JC de Comunicações, que inclui estações de rádio, a rádio CBN Recife, de TV, o Jornal do Commercio, o Portal NE10, com braços noutros ramos, como o imobiliário; o Diário de Pernambuco e a Folha de Pernambuco, vejo que se usa e se abusa de palavras como “alfinetar”, “disparar” (termos assim usados como tentativa de realçar ou de tornar um texto mais original… mais expressivo… nas narrativas em reportagens, deixando de lado palavras mais apropriadas de uso da gente).
Tentativas de um melhor português, mas que, a meu ver, caem no pior arremedo, num pior português, seja informal, coloquial, seja o que se pretende como linguagem culta ou gramaticalmente correta, ou que se pense gramaticalmente correta.
Linguagem assexuada
Essa invencionice, essa tentativa de imposição sobre a população, principalmente pela Globo, e seguida pelos demais meios de comunicação que passam a adotar a tal linguagem criada no laboratório-mídia… Infelizmente tal linguagem tem pegado, se já não pegou nos meios semialfabetizados (“pegado” já sendo tido como errado frente ao “pego”, assim como “incluído” já tem sido substituído pelo jargão de serviços turísticos, “incluso”, na santa ignorância dos usos de um e de outro).
De “Caraça!” e “É bizarro!”, a uma linguagem de jargão técnico como a que é usada pelos Detrans (“semáforo”, “retenção”): o primeiro exemplo, inventado não faz tempo como eufemismo pudico, envergonhado de uma linguagem popular sendo castrada, bem comportada, politicamente correta, ridiculamente a substituir o palavrão “C…!”; na segunda amostra, mera imitação do que se vê e se ouve em inglês ou francês (nosso “É estranho” dando lugar ao “C’est bizarre”, por exemplo, vistos e ouvidos nos programas de entrevistas, filmes do chamado “primeiro-mundo”.
Um “É complicado” pra tudo, e se perde, já se perdeu o sem-tido de “difícil” (foi João Ubaldo Ribeiro, no Estado de S.Paulo, meses atrás, numa deliciosa crônica, que deitou e rolou sobre o complicado e o desaparecimento do difícil).
Ou um “soltar uma notícia” na tradução direta de release que mais revela o analfabetismo dos semicultos da própria língua ao substituir o “divulgar uma notícia”, “divulgar uma novidade” (lembro e tiro essa expressão “semiculto” usada por Gilberto Freyre numa antiga crônica de jornal, cheia de humor e sarcasmo, “A Propósito dos Analfabetos”, em que ele diz preferir o analfabeto ao semiculto). Aprendi a usar o verbo soltar pra outras situações completamente diferentes: de algo que esteja preso, contido, e que se precise soltar… “Soltar um preso”, “soltar um peido” (evitarei o ridículo e infantiloide “pum” e o não menos infantil e purificado bumbum – aqui, relembro o cronista Marcelo Coelho, da Folha de S.Paulo, que numa crônica afirmara que não estamos diante da sexualidade incentivada precocemente, mas de uma infantilização do sexo, com as Xuxas, as Sandys, e essa linguagem assexuada inventada pelos adultos contra as coisas e as palavras feias, impuras).
Jargões técnicos detranoides
“Brabo” parece ser palavra condenada, como se fosse errada, sempre substituída por “bravo”, mesmo quando a impressão que temos é que um personagem, um entrevistado falou “brabo” e lá vem a nossa imprensa “corrigir” num papel pedagógico…
Idem, quanto ao banido uso de “pro”, “pra”, que parece condenado, por supostamente ser errado, como se contração “Para” + “o”/”a” = “Pro” / “Pra” não tivesse sido a palavra usada pelo entrevistado, ou, pior, quando a mídia parece julgar que são termos a se evitar, como uma linguagem inferior e “errada” ou menos elegante.
Termino essas observações com a linguagem detranoide “correta” nos jargões técnicos (“Retenção”, ao invés de “congestionamento”; “semáforo”, ao invés de “sinal”, nosso sinal de trânsito – lembrando que há exceções como recentemente a graciosíssima apresentadora do Jornal da Band falava de um “farol” (como em Porto Alegre se resiste e se diz “sinaleira”, inclusive nos veículos afiliados à padronizadora).
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[Humberto Cavalcanti é fotógrafo e sociólogo]