Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paulo Roberto Pires

‘Fernando Villela tinha 30 anos, carreira sólida no jornalismo virtual e literalmente um mundo de amigos. Não o conheci mas, como todo jornalista que um dia trabalhou na Internet e tem amigos neste meio, já havia me deparado com seu apelido, quase sigla, FerVil, referência obrigatória de um dos pioneiros da Internet no Brasil. No dia 26 de julho, FerVil foi assassinado ao tentar escapar de um assalto no Santo Cristo, Rio de Janeiro. Simples assim, não estivesse a dor de seus amigos transformando-se numa poderosa manifestação de solidariedade que se multiplica justamente no espaço virtual que foi seu campo de trabalho e motivo de inquietação.

Muito se critica a exposição da vida na web, em blogs, fotologs, sites pessoais, orkut. Mas só quando a morte invade violentamente este espaço pode-se refletir sobre como, mais do que um palco de egotrips, o espaço virtual pode ser um sólido prolongamento dos espaços públicos e, por que não, uma forma bem conseqüente de expressão pessoal.

Às 3h08m do dia 26, FerVil botou no ar o que seria o último post de seu blog (http://fervil.blogspot.com), comentário divertido sobre um grupo de ufólogos brasileiros que reivindica acesso irrestrito a todas as informações sobre a suposta presença de UFOs no espaço aéreo brasileiro. Até a noite de domingo, o post tinha reunido 87 comentários, todos eles manifestações de solidariedade à família, declarações de repúdio à violência ou mensagens diretas a FerVil, como se ele ainda as pudesse ler.

Muitos dos membros do Orkut substituíram as fotos de suas páginas pessoais por um retângulo negro, com ‘Fervil’ escrito em branco, como numa bandeira. Todos eles e muitos outros fazem parte dos mais de 200 internautas reunidos na comunidade ‘FervilVive’, criada no Orkut exclusivamente para tornar-se fórum de debates e transformar a dor em algum tipo de ação ou intervenção que singularizem mais este estúpido assassinato da vala comum das estatísticas que tornaram-se rotina sob o jugo do xerife Bolinha.

Se é verdade que, como cantou Chico Buarque, ‘a dor da gente não sai no jornal’, na Internet ela sai, sim, com uma verdade acachapante. Pois o que chama a atenção nesta comunidade é que não há separação possível entre uma postura ‘pública’e ‘privada’ de cada um dos membros. Há as ponderações estritamente racionais do debate público, cidadãos brasileiros (que vivem ou não no Brasil) indignados com a violência e, também, manifestações de puro afeto, que mobilizam-se sem, no entanto, preocupar-se em ‘equilibrar’ o choque com a perda de um amigo.

A página pessoal de FerVil no Orkut continua ativa e lá podem-se ler mensagens dirigidas diretamente a ele, estritamente pessoais, mas, ali postas, transformadas em documentos desta barbárie que, cada vez mais, naturaliza-se no cotidiano. Nos 224 comentários que estão no ar é possível reconstituir, como em nenhum outro meio de comunicação, a verdade mais essencial de uma perda, o que querem dizer, exatamente, os números ou as notinhas que alimentam diariamente os noticiários.

A disposição dos que estão engajados para que a morte de FerVil transforme-se em algo além do luto pessoal está no manifesto que aqui republico e que tem tudo para alastrar-se pelo mundo virtual e ter conseqüências bem precisas na vida real, demasiadamente real:

‘Em 1998, a estudante Ana Carolina foi morta em uma tentativa de assalto na saída do Túnel Santa Bárbara, em Laranjeiras. Ela tentou escapar ao ser abordada pelos bandidos e, ao acelerar, foi atingida pelos tiros. O crime chocou os cariocas e até hoje é lembrado como um triste capítulo na história de violência da cidade. Na última segunda-feira, a vida de Fernando Villela, nosso querido FerVil, foi friamente interrompida pouco antes do Túnel Santa Bárbara. A tragédia se repetiu. O que mudou foi a repercussão. A brutalidade, que marcará para sempre a vida da família e dos amigos de FerVil, já não causa o mesmo impacto. O carioca está sendo anestesiado pela violência que assola a cidade. Não houve pausa, minuto de silêncio. No dia seguinte, a guerra civil carioca fez mais uma vítima. E depois outra… Quatro mortes em uma semana, como noticiaram os jornais. Algo está errado. É preciso parar. Refletir. Já temos vítimas suficientes. FerVil inspirava os que estavam ao seu lado. Era batalhador, doce, espirituoso, sonhador e ‘fervilhante’, como por muitos era chamado. Tinha uma legião de amigos. Não é justo que ele se transforme em um número a mais nas estatísticas de violência do Rio. Nosso grito é necessário, não pode ser calado. Nossa revolta tem que ser diária, nossa indignação não pode ser anestesiada. Em um ano de eleições, essa tragédia deve servir de alerta.’’



Mario Lima Cavalcanti

‘Uma luz para todos’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 3/08/04

‘Nesta segunda-feira, 2, fez uma semana que o amigo e jornalista Fernando Villela, o FerVil, se foi. Vítima de uma cena já mais que comum no Rio de Janeiro, FerVil foi baleado dentro de seu carro na noite de segunda-feira, numa tentativa de assalto, quando voltava do trabalho para casa.

O dia de atualização da minha coluna é na terça-feira. Na semana passada eu havia acabado de fechar o artigo do dia quando recebi a notícia do seu falecimento. A partir daquele instante até o final do dia eu fiquei sem forças para fazer qualquer coisa. Só pensando. Eu esperava dar mais um abraço forte nele.

É difícil dizer em um artigo o que o FerVil representou na minha vida profissional. Ele foi sem dúvida uma das minhas portas de entrada de vez para o campo do jornalismo online. No final de 1999, quase entrando 2000, quando eu ainda editava da minha própria casa um jornal online sobre novos sites e sobre o mercado de Internet, FerVil e a jornalista Yami Trequesser me chamaram para trabalhar na área de conteúdo do Cadê?, ambos acreditando que eu tinha um ‘feeling’ para a Web. Desde 1996 eu já trabalhava com conteúdo online e o convite para uma empresa de grande porte me firmou de vez no cenário digital. É uma confiança que ele depositou em mim, algo para jamais vou esquecer.

Lembro até hoje do dia em que conheci FerVil pessoalmente. Em 98 ou 99, no escritório do Cadê?, no Flamengo, Zona Sul do Rio de Janeiro. Até então eu o conhecia por nome, por admiração pelos artigos e pelos feitos com a revista Internet.Br. A Yami estava comigo em uma sala de reunião quando o Fernando entrou. Ela então me disse ‘Esse é o Fernando, editor da revista AQUI!…’. Eu só fui me tocar que estava diante do FerVil minutos depois do início da reunião, quando a Yami pronunciou o sobrenome de Fernando, Villela. Aí eu perguntei ‘Peraí… Você é o FerVil?’. A Yami ri até hoje da minha cara de espanto e olhos brilhantes que fiz na hora. Ela era meu principal contato e até o momento só conhecia o Fernando como Fernando. Desatenções à parte, foi uma reunião descontraída e um bom papo sobre a Web profissional que começava a crescer. O mineiro FerVil encabulado, sem saber para onde olhar depois de eu ter dito que era seu fã, também é uma imagem ‘indeletável’ da minha memória.

Sua força de vontade e seu interesse por estudar, pesquisar e nos mostrar quase que em primeira mão assuntos como a Internet em dispositivos móveis; conteúdo jornalístico em celular e novas tecnologias ‘wireless’ eram de dar gosto. Quando lia qualquer notícia sobre Internet móvel e novas gerações de telefonia celular, sempre vinha a imagem do FerVil à cabeça, pois foi com esses e outros temas correlatos que eu passei a admirá-lo cada vez mais e a começar a achar que as palavras FerVil e visionário eram sinônimos.

Pois bem, eu estava esperando 2005 chegar para lembrar ao FerVil que estávamos há quase uma década na Internet profissionalmente. E a violência do Rio tirou de mim esse prazer. Mas com sua visão, certamente ele já estava contando nos dedos também esse ano chegar.

FerVil, conta pra gente… Você foi cedo, aos 30, para que nos lembremos sempre do anjo FerVil jovial, corajoso, destinado e com garra, não é? E é assim que nos lembraremos sempre, de uma luz para todos. Fica em paz então, amigo! Você merece um descanso.’