Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Margarida Pinto

‘Julho foi um mês louco para Portugal: o primeiro-ministro José Manuel Durão Barroso se demitiu para ser presidente da Comissão Européia; um novo governo, não referendado nas urnas, foi nomeado pelo presidente Jorge Sampaio; e o líder do Partido socialista (PS), na oposição, abandonou o cargo por considerar uma derrota pessoal a decisão presidencial.

Além disso, o conservador Pedro Santana Lopes, presença assídua na TV, é o novo chefe do Executivo. José Sócrates, também estrela dos debates televisivos e fã da política-espetáculo, deve ser escolhido o novo secretário-geral socialista em outubro. Mais do que uma mudança de gerações – os dois têm menos de 50 anos – Sócrates e Santana representam uma mudança de estilo.

– É a vitória do poder berlusconiano em Portugal – critica o deputado socialista Medeiros Ferreira.

Por dois anos, Santana e Sócrates protagonizaram um programa de análise política na televisão portuguesa. Nenhum deles foi elogiado pela profundidade de seus comentários. Era, além disso, uma dupla tão acomodada que o debate jamais subiu de tom. ‘Talvez porque estavam interessados na promoção recíproca’, escreveu o ex-presidente Mário Soares na revista ‘Visão’. Os dois já manifestaram satisfação pela reedição do dueto, agora fora do estúdio de TV.

Sócrates é um homem do aparelho socialista. Faz parte do partido desde 81 e sempre esteve ao lado do ex-premier António Guterres. Foi deputado, secretário de Estado e ministro do Meio Ambiente. No Parlamento, destacou-se por tratar de temas pouco freqüentes: foi o primeiro a falar sobre Aids na Assembléia. Um currículo que, segundo alguns, prova que tem mais substância do que o populista Santana, ainda que o estilo seja parecido. Para outros, sua carreira mostra que sempre abraçou causas simpáticas, apoiadas no marketing.

A verdade é que Sócrates ganhou popularidade e se perfilou como sucessor do líder socialista demissionário Eduardo Ferro Rodrigues nos debates na TV. Ou seja, como Santana, é essencialmente um produto da mídia, embora o premier tenha ido muito além dos debates políticos: Santana participou de concursos e foi comentarista de futebol.

São as figuras históricas do PS os que mais criticam a ascensão do delfim de Guterres. Acham que isso corrompe a essência do partido e sobrepõe a forma ao conteúdo. Ou, ao menos, iguala-os. Analistas políticos e editoriais de jornais fazem a mesma crítica e lamentam a chegada ao poder de dois símbolos da ‘geração midiática’.’



RÚSSIA
Masha Lipman

‘Liberdade de dissidência? Não na TV russa’, copyright O Estado de S. Paulo / The Washington Post, 8/08/04

‘Numa democracia, os políticos derrotados têm acesso a veículos de comunicação pelos quais podem criticar a elite governante e procurar convencer a nação de que existem maneiras melhores de resolver problemas públicos. Isso é oposição política. Não na Rússia. Ao menos não para o novo diretor da rede de televisão NTV, Vladimir Kulistikov.

Em entrevista na semana passada, Kulitiskov criticou a rede NTV por conceder tempo demais aos perdedores políticos – marginais, como ele os chamou – que representam uma minoria e criticam Putin. Para ele, isto é reflexo de falta de objetividade. Para salientar seu ponto de vista, Kulitiskov expurgou totalmente a NTV de dissidência política. Uma de suas primeiras decisões foi acabar com o único programa da televisão russa de sátira política e cancelar o último programa de entrevista política ao vivo Nenhum programa desse tipo voltará num futuro próximo, disse ele.

O Kremlin de Putin amadureceu e não está mais para brincadeiras. O propósito da televisão nacional, ficou bem claro, é assegurar uma cobertura favorável ao governo. Qualquer um que expresse insatisfação ou desafie as políticas estatais é persona non grata. O governo não mais se sente compelido nem mesmo a fingir que acredita em direitos iguais de expressão pública.

A Rússia ainda tem uma variedade de mídia impressa livre e crítica, umas poucas vozes de rádio independentes e uma série de sites políticos na web de alta qualidade. Mas esses veículos têm um público pequeno, basicamente elites urbanas instruídas, a maioria de Moscou e São Petersburgo.

A forma como o Kremlin inescrupulosamente aboliu os remanescentes de independência da NTV desperta sérias preocupações sobre o futuro da televisão. A NTV foi uma vez a jóia da coroa do maior grupo privado de mídia da Rússia. Em 2001, seu controle foi assumido por um monopólio controlado pelo Estado, o Gazprom, depois de uma longa e dolorosa batalha. O Kremlin tentou disfarçar sua campanha para controlar o conteúdo da NTV apresentando-a como um conflito de operações empresariais. Negou veementemente que a campanha tivesse algo a ver com a programação, pois as autoridades não quiseram ser tidas como violadoras da liberdade de imprensa.

Havia então ainda um pouco de preocupação com a imagem liberal.

Mesmo após a aquisição, a NTV manteve altos padrões profissionais. Os indícios eram de que não seria transformada facilmente num veículo de propaganda política nos moldes soviéticos, como tinham se tornado as duas redes nacionais totalmente controladas pelo Estado. Em grande parte, o Kremlin tolerou isso. Entretanto, quando os ‘mimados’ jornalistas da NTV foram longe demais, o Kremlin mostrou quem mandava.

Após o cerco ao teatro em Moscou em outubro de 2002, quando repórteres da NTV empreenderam uma investigação sobre a verdadeira causa da morte de mais de cem reféns, o Kremlin considerou a curiosidade deles excessiva e o diretor da rede foi obrigado a renunciar. Mesmo assim, nenhum jornalista foi despedido e nenhum programa cancelado. Aparentemente, o incidente tinha que parecer um problema administrativo e não uma tentativa de restringir a liberdade de expressão.

O novo diretor da NTV era uma mediocridade e nem mesmo era profissional de televisão. Sua única ambição era prestar lealdade absoluta ao Kremlin.

Segmentos ‘inadequados’ tiveram que ser cortados dos noticiários.

Nesse ínterim, os jornalistas das redes totalmente controladas pelo Estado estavam falando mais francamente. De quando em quando, ao conversar com jornalistas estrangeiros, diretores de televisões estatais e âncoras admitiam que se consideravam promotores das políticas do governo e de seus executivos de alto escalão. Há um ano, Konstantin Ernst, o diretor do Canal Um, disse, segundo a revista New Yorker: ‘É fácil para mim trabalhar aqui porque a política externa e doméstica do Kremlin é sempre clara e compreensível para mim.’

No início deste ano, o mais importante âncora da outra rede governamental, a Rossyia, disse ao New York Times que ‘se não houver nenhuma notícia urgente de última hora óbvia, começamos com o presidente’. Porém, até recentemente, a NTV era diferente. A prisão do magnata do petróleo Mikhail Khodorkovsky em outubro parece ter encorajado alguns jornalistas da NTV, pois eles ficaram mais ousados, chegando a fazer troça de autoridades governamentais, como se querendo testar a tolerância do Kremlin. Infelizmente, o nível de tolerância mostrou ser bastante baixo.

O programa Namedni foi cancelado, e seu âncora, Leonid Parfyonov, o astro máximo da TV russa, foi demitido. Depois disso, aquele diretor leal mais tímido foi também despedido. A nomeação no início deste mês de um outro diretor, que veio transferido da Rossiya, acabou com a permissividade.’



FRANÇA
Deborah Berlinck

‘Gravadoras e provedores de internet franceses se unem contra a pirataria’, copyright O Globo, 8/08/04

‘A França declarou guerra à pirataria, numa tentativa de conter a crise da indústria fonográfica do país. Pela primeira vez, a indústria e as empresas de acesso à internet concluíram um acordo de cooperação e estabeleceram em uma carta diretrizes que vão guiar suas relações daqui para frente. O governo francês entrou fundo na campanha e patrocinou o acordo.

Nessa carta, os provedores de acesso à internet se comprometem a ajudar na caça aos piratas: por exemplo, mandando alertas aos internautas que se divertem copiando músicas e vídeos e desconectando do serviço da internet quem for pego, julgado e condenado por pirataria. Estima-se que oito milhões de franceses utilizem o sistema ‘Peer-to-peer’ ou ‘P2P’, que permite a troca gratuita de músicas protegidas por direito de autor por meio da internet.

– Durante muito tempo, a indústria se recusava a conversar conosco. Achavam que éramos cúmplices dos piratas. Agora, com a determinação do governo, decidiram que o melhor é trabalharmos juntos – disse ao GLOBO Stephane Marcovitch, representante da Associação de Fornecedores de Acesso à Internet (APA).

Penas chegam a três anos de prisão para quem for pego

A indústria culpa os internautas por parte de seus males. No primeiro trimestre de 2004, as vendas de discos na França despencaram mais de 20%, depois de caírem 15% em 2003, fazendo eco à crise mundial do setor. Foram afetados tanto os produtores independentes quanto os gigantes. Todo mundo está apertando o cinto. Segundo o diretor da Universal Music, Pascal Nègre, ‘entre 20% e 25% dos artistas franceses não terão mais contrato daqui a três anos’. A Virgin, que havia se instalado na elegante Place de Vosges, no centro de Paris, migrou para os limites da cidade.

Indústria e empresas de acesso à internet iniciaram uma campanha de informação para alertar os internautas sobre os riscos da brincadeira: penas de até três anos de prisão e 300 mil euros de multa para quem copiar música ou filmes. Stephane diz que o efeito tem sido bastante eficaz:

– Os riscos da pirataria são desconhecidos por muitos internautas. Eles vêem outros copiando e fazem também, achando que não há problema. Agora vão saber que estão sendo vigiados – explicou.

Em maio, houve a primeira condenação pela cópia de músicas e vídeos. Um aposentado francês de 61 anos recebeu pena de três meses de prisão com liberdade condicional e quatro mil euros de multa por ter obtido gratuitamente filmes usando o ‘P2P’. Mas, quando imagina-se uma forma de combate, os piratas criam outros meios para escapar.

As produtoras de discos investiram pesado, por exemplo, em sistemas que impedem a leitura de um CD num computador, para evitar a cópia ou o MP3. Não adiantou. É possível comprar, por 50 euros, um dispositivo – o Creative MP3 – que permite ao computador ler qualquer CD, mesmo os protegidos com sistema anti-cópia.

Indústria facilitará venda de músicas pela internet

Uma das soluções está sendo explorar as opções multimídia: álbuns estão sendo lançados num novo formato, que contém CD e DVD com clips dos artistas. Outros, como a Virgin, chegaram à conclusão que repressão não é a única solução: a empresa abriu uma loja online de música (para download) e espera ter 300 mil títulos disponíveis para venda. E essa é outra parte do acordo com os fornecedores de acesso à internet: produtoras fonográficas se comprometeram a pôr à venda, pela internet, o equivalente a 60 mil álbuns de música até o fim do ano.’