Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A bola de cristal

O deputado federal Delfim Netto, que sabe das coisas, costuma dizer que no Brasil previsão com mais de 15 dias é chute. No entanto, ainda em 2005 há jornais prevendo qual será o crescimento do PIB, Produto Interno Bruto, em 2006. Pode até dar certo; dizem que, se um macaco ficar o tempo suficiente batendo no teclado, acabará tocando a Nona Sinfonia. Mas onde estão os estudos dos futurólogos que fazem previsões tão antecipadas com precisão de decimais?

O desenvolvimento brasileiro depende de uma série de fatores internos – por exemplo, Palocci cai ou fica? O Banco Central vai mesmo baixar os juros? As chuvas ocorrerão na época, no local e na quantidade correta para a agricultura? Depende também de uma série de fatores externos: a movimentação da economia da Europa, do Japão, da China e dos Estados Unidos, o comportamento dos juros americanos, a safra americana (se for boa, derruba os preços). Depende ainda de fatores sanitários (como a aftosa ou a gripe aviária), políticos (quem vai liderar a corrida pela presidência da República?; como será visto pelo mercado?), diplomáticos (qual o efeito, na economia brasileira, da eventual expulsão da Petrobras da Bolívia?), eventuais desgraças naturais. A propósito, que acontece se o dólar voltar a subir?

Nem nós, pessoas físicas, conseguimos nos planejar satisfatoriamente. Uma alta do dólar e aquele queijo francês vira brasileiro na hora. Como é que pretendemos prever o crescimento econômico no fim do ano que vem?

É por essas e outras que aquela frase tão sábia nunca é esquecida: os meios de comunicação às vezes publicam notícias verdadeiras. Isso confunde o leitor.



Para entender

Num determinado dia, Roberto Jefferson bateu pesado em José Dirceu, e insistiu em sua saída, rápido, ‘para não tornar réu um homem inocente, o presidente Lula’. Depois, Roberto Jefferson disse que Lula não era tão inocente assim: sabia de tudo. E retirou a representação que havia apresentado contra Dirceu.

Até agora não houve explicações sobre essa notável mudança de posição. Houve mexericos, houve declarações, houve fofocas, houve entrevistas com Roberto Jefferson, mas ninguém respondeu que é que aconteceu e que fez com que Jefferson perdoasse Dirceu e acusasse Lula. Será que José Dirceu ainda desperta em Roberto Jefferson seus instintos mais primitivos? A propósito, será que o presidente Lula continua confiando um cheque em branco a Roberto Jefferson? Cadê aquela reportagem que mostre o que de fato acontece na República?



Mil mentiras, uma verdade

Uma repórter (boa repórter, por sinal) dizia a este colunista, outro dia, que não via necessidade de ouvir o outro lado em determinadas matérias – como, exemplificava, as das CPIs. Sua justificativa: o pessoal de lá só repetiu as acusações, e não há sentido em pedir de novo aos acusados que apresentem suas versões.

Tudo estaria muito certo se os meios de comunicação não formassem opinião. Do jeito que a coisa é feita, as acusações são repetidas todos os dias e a defesa só aparece quando surgem acusações novas – mesmo assim, o espaço reservado à versão dos acusados é muito menor que o oferecido aos inquisidores.

Um alemão famoso, Joseph Goebbels, responsável pela propaganda do nazismo, dizia que uma mentira, repetida mil vezes, vira verdade. As acusações, repetidas mil vezes, sem contrapartida, acabam virando verdades para a opinião pública. E aí se repetem histórias como as de Alceni Guerra, Ibrahim Abi-Ackel e da Escola Base. Em todas aconteceu a mesma coisa: muita acusação e pouca defesa.



Um alvo

Abaixo, uma carta de Eduardo Jorge, que foi secretário-geral da Presidência no governo de Fernando Henrique e mereceu a implacável perseguição do procurador Luiz Francisco de Souza, de Brasília, ao então candidato Lula (data da carta: 2002; e como continua atual!).

A Justiça deu razão a Eduardo Jorge contra Luiz Francisco. Mas quem devolverá a quantia que gastou com advogados, enquanto o procurador usava dinheiro público? Quem avalia se o procurador tinha razão para persegui-lo, ou se era tudo apenas um problema partidário ou pessoal?

Carta aberta a Luiz Inácio Lula da Silva

Caro Lula,

Sua recente entrevista, na qual aborda as denúncias que envolvem o PT e seu presidente José Dirceu, me animaram a lhe propor uma reflexão sobre a leviandade com a qual são fabricados sucessivos escândalos envolvendo autoridades públicas e políticos.

É reconfortante perceber, em suas palavras, um reconhecimento dos abusos que vêm sendo praticados por membros inescrupulosos do Ministério Público e da imprensa, assim como uma crítica à onda de denuncismo vazio que vêm tomando conta daquela instituição de tão nobre função e da maior parte da mídia e do meio político. No entanto, para merecer o aplauso de todos os que estão realmente comprometidos com a causa da democracia e do Estado de Direito, e não se confundir com simples cinismo eleitoral, é importante que seu gesto não se limite a fazer o diagnóstico do problema, indo mais fundo em uma crítica que pode valer de lição para muitos dos membros de seu próprio partido, e até para você mesmo.

Não seria difícil listar, apenas nos últimos oito anos, dezenas de casos em que a conduta de seu partido – quando não a sua – usou, abusou, estimulou e se beneficiou deste tipo de denuncismo leviano, com o claro objetivo de criar desgaste para o governo. Um exemplo: baseado em informação obtida através de escutas do mesmo tipo de procedimento que agora ataca, o PT, alguns anos atrás, abriu CPI sobre o caso SIVAM. O eco que se fez às denuncias e ilações que atingiam o embaixador Julio César, resultaram em conhecidos danos à sua imagem e no seu afastamento do cargo.

Poucos meses atrás, no entanto, a CPI, aberta com grande alarde, foi discretamente encerrada com um relatório que absolve o Embaixador de todas as acusações. Inúmeros outros casos, envolvendo autoridades governamentais, foram tomados pelo seu partido como cavalo de batalha. Não faltaram pronunciamentos inflamados das tribunas, entrevistas e artigos dos parlamentares e lideranças petistas repletas de insultos e agressões desprovidas de qualquer evidência ou base factual que as sustentassem.

Eu mesmo fui vitimado pela irresponsabilidade criminosa de jornalistas, de procuradores, e de membros de seu partido. Durante meses, inúmeras suspeitas contra mim foram levianamente levantadas, noticiadas sempre com grande destaque num verdadeiro linchamento público. Cada um de meus atos corriqueiros de governo foi posto sob a ótica do escândalo, cada ação tomada já na iniciativa privada foi colocada sob suspeita.

A minha família, de longa tradição de honradez e competência no serviço público, foi violentada pelas agressões, que não se limitaram a mim. Dirigentes e parlamentares petistas e seus aliados, das tribunas ou pela imprensa, se aproveitaram da imunidade parlamentar para lançar contra mim, minha família e meus amigos, as mais graves injúrias, sem que tivessem para isso nenhuma evidência.

Hoje, faz exatamente dois anos que esta tortura se iniciou. Durante este tempo a Justiça e o Senado se encarregaram de demonstrar a completa leviandade das acusações. Abri espontaneamente meus sigilos bancário, telefônico e fiscal, que foram checados pelo Senado, pela Receita e pelo próprio MP, e nenhum tipo de irregularidade foi constatado. Em sucessivos despachos, juízes de diferentes instâncias já mostraram a absoluta falta de elementos que sustentassem a sórdida campanha movida contra mim.

Para demonstrar a completa ausência de base de qualquer acusação, enviei por iniciativa própria a vários parlamentares do seu partido toda a documentação levantada pelo Ministério Público para tentar manter aberto algum caso contra mim, documentação essa que mostrava o vazio absoluto da acusação. Lancei a eles um repto: que fossem à Tribuna mostrar os indícios que encontrassem contra mim na documentação. Mas que, se nada encontrassem, que tivessem a honradez de voltar à tribuna para informar isso. Não ouvi até hoje de nenhuma liderança do PT o reconhecimento dos excessos cometidos, e nem um pedido de desculpas pela leviandade com a qual fui tratado.

Outros membros do governo tiveram também suas vidas devassadas, sua honra atacada impiedosamente sem motivo pelos membros do PT. Não chego ao ponto de afirmar, como alguns de seus companheiros fazem com freqüência em relação ao PSDB, terem sido todos os ‘escândalos’ fabricados maquiavelicamente pelo seu partido. Prefiro crer serem eles alimentados pela junção da irresponsabilidade de alguns procuradores, pela ânsia por sensacionalismo de repórteres e órgãos de imprensa e pela falta de caráter de alguns parlamentares petistas e aliados.

É inegável, no entanto, o estímulo dado pelo PT ao ocorrido, bem como o claro uso político e eleitoral feito pelo partido de cada um desses episódios. Em exposição caricata desse procedimento, e que mostra ser ele ainda hoje prática corrente entre seus partidários, a liderança do PT na Câmara lançou recentemente uma apostila com supostos 45 casos do governo FHC – da qual consta novamente o SIVAM e o ‘caso EJ’, entre outras acusações comprovadamente fantasiosas. E a Fundação Perseu Abramo, desonrando o ilustre brasileiro que lhe deu o nome, publicou um ‘mapa da corrupção do governo FHC’, que contém não mais do que os procedimentos que você agora condena.

Vê-se, então, que não se trata de situação isolada, mas de modus operandi legitimado e adotado pelo PT. Estranho, por isso, perceber que o justo repúdio manifestado por você em relação a tal procedimento só venha à tona agora, quando membros do seu partido são colocados na posição de acusados. Como disse ontem na imprensa um alto dirigente do PT, – criticando a Senadora Heloisa Helena – a ética não pode admitir casuísmos. Se um procedimento não é justo em relação a nós mesmos, também não o deve ser em relação a nossos adversários.

As pessoas podem melhorar e amadurecer e a melhor forma de demonstrar tal amadurecimento é resgatar seus erros passados. O protesto parcial e casuístico que fez em defesa de seu correligionário contra o denuncismo soará sempre falso enquanto não se fizer acompanhar da retratação nominal que devem a todos os que atingiram com o veneno de suas línguas, a impunidade de seus mandatos e a falta de ética de suas condutas.

Sinceramente torço para que você, seus correligionários e seguidores sejam capazes de transformar a experiência de acusados em sabedoria, amadurecimento e humildade e não soneguem ao povo brasileiro as evidências desta tardia e esperada transformação.

Com respeito

Eduardo Jorge Caldas Pereira

Ex-secretário Geral da Presidência da República.



Batendo perna

Fazia sol, e este colunista fez algo que está fora de seus hábitos: foi passear no centro de São Paulo. O bonito espelho d’água do Anhangabaú estava cheio de lixo. Eram quase 11 da manhã, e nada tinha sido varrido. A pracinha ali existente mostra fortes sinais de deterioração. Até coisas elementares – ladrilhos que formam desenhos, por exemplo, foram quebrados e o espaço preenchido com cimento de outra cor. Como leitor habitual dos cadernos de Cidade, surge a pergunta: cadê as reportagens sobre a sujeira e deterioração do centro? E, sabendo-se que o prefeito é candidato à presidência da República, ninguém vai perguntar-lhe como pretende resolver os problemas do país, se ali perto da prefeitura nem o chão é varrido? Há anos só há matérias oficiais, mostrando os planos – aquilo que se pretende prometer. Sobre aquilo que foi feito de verdade, nada.



Nadando

Houve algumas chuvas fortes em São Paulo. Em todas elas, os bueiros entupidos formaram lagos em pouquíssimo tempo. O prefeito é candidato à presidência. Seu trabalho como prefeito não deveria merecer pente-fino da imprensa?



Elogiando

Ao mesmo tempo, amplas reportagens mostram que a prefeitura paulistana encaminhou à Câmara Municipal um projeto que oferece desconto no IPTU para as empresas que se instalarem no centro da cidade. Nos velhos tempos, o Jornal da Tarde mandaria um repórter passear com um grande empresário pelo centro, para saber se ele ficaria no meio da sujeira e da quebradeira só para economizar IPTU.



Delícias

1. Do deputado João Hermann, do PDT paulista, comentando na Rádio Bandeirantes as manifestações em Hong Kong contra as reuniões da Organização Mundial do Comércio: ‘Os manifestantes eram todos coreanos’. Os manifestantes, naturalmente, eram chineses.

2. Também do deputado Hermann, comentando a violência das manifestações: ‘O valor que eles dão à vida é diferente do nosso’. Quando João Hermann era comunista (linha soviética), ficou indignado com o general William Westmoreland, comandante das tropas americanas no Vietnã, por ter dito uma frase igualzinha.

3. De um grande jornal, explicando as dificuldades nas eleições da Bolívia: o presidente, para ser eleito, precisa de maioria simples, mas é difícil conquistá-la. Acontece que maioria simples sempre ocorre, exceto num caso: o de empate. Na Bolívia, exige-se maioria absoluta (metade dos votos mais um). Como no Brasil.



Estão faltando dois

Regina Helena de Paiva Ramos, que foi secretária da Educação de São Sebastião (SP) e exerceu o jornalismo com brilho, lembra dois nomes omitidos por esta coluna nos comentários sobre o lead , que substituiu o velho nariz de cera (que, infelizmente, está de volta, e ainda pior do que era): além dos jornalistas citados, foram importantes Wladimir Saccheta e Vergniaud Gonçalves, que fizeram O Tempo. Diz Regina Helena: ‘O Tempo era porreta de moderninho. Foram eles que começaram a colocar noticiário nacional na primeira página. O Estadão só punha Internacional na primeira’.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados