Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Feliz Natal ou Boas Festas?

Ao embalo do espírito do Natal, o fim de ano costuma ser tempo de trégua e de recomeço. Para nos deixar envolver pelos bons fluídos não é exigido que a iniciativa parta de nós mesmos, de certa forma basta aceitar-lhes o empuxo.

O ambiente geral no mundo estimula que se tente esquecer alguma ofensa recebida e estenda a mão àquele mais carente. São formas de esvaziar o ego tão normalmente dilatado pelo bombardeio do mercado.

Não chega a ser fatal que o comércio apodere-se dessa aspiração à generosidade que toda pessoa traz no fundo de si, dê ele ou não vazão a ela. Pois não há como ser feliz apenas exercitando categorias do ego – e de alguma forma, por pequena que seja, isso prevalece.

Nesta última quinzena do ano, a imprensa em geral espelha o estado de graça que contagia a nação. Colocam-se as garruchas de lado por um momento para dar passagem à brisa amena de final de exercício, da perspectiva da fruição de uns feriados, do maior convívio familiar por alguns dias etc.

Nem toda a imprensa. A edição nº 1937 da Veja (28/12/2005) ainda destila em 21 páginas ironia e sarcasmo sobre o governo Lula. À equipe que nos últimos seis meses perdeu três quartos de suas figuras de proa e dezenas de pontos nas pesquisas de preferência de voto a Editora Abril poderia dar uma trégua, como soldados no campo de batalha.

Decisão errada

Cumprimente-se, nessa questão de consideração ao espírito da festa matriz do cristianismo, o caderno ‘Aliás’ do Estado de S.Paulo de domingo (25/12). Três matérias fazem a pièce de resistance dos textos que refletem sobre o cristianismo, ele que é o caldo em que estamos mergulhados por mais invertebradas sejam as convicções religiosas de cada um e mais dentuças as forças de secularização atuantes há cinco séculos. Duas feras do tema assinam artigos – o espanhol Juan Arias e a teóloga carioca Maria Clara Bingemer.

Julián Marías (ver ‘Pensador por ofício‘) acabamos de perder, depois de bem vividos 91 anos de idade. Desse católico fervoroso que resistiu ao franquismo precisaríamos conhecer mais, inclusive para entender a admiração de seus patrícios conforme o que ouvi de um de seus comensais em Madri. Estava a senhora Gilberto de Mello Kujawski jantando em casa dos Marías faz uns poucos anos quando toca o telefone e o copeiro diz que é para o cicerone. Este pergunta quem o procura. ‘El rey, señor’, responde o empregado.

Entrevistada, Maria Clara Bingemer expõe uma religiosidade bem pesquisada, genuína, nada piegas nem carola, vacinada contra o imediatismo de certas práticas que aproveitam o ressurgimento da transcendência que o mundo moderno tentara abafar.

Já Sergio Augusto analisa a celeuma criada na Casa Branca em torno dos cartões de fim de ano de Bush. A disputa deu-se em torno de escrever Bom Natal ou Boas Festas sobre os cartões. Venceu o Boas Festas em consideração aos 70 milhões de americanos que não se consideram cristãos. Na minha opinião uma decisão errada, mas isso é outra história.

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Dirigente de ONG, Bahia.