Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

IstoÉ

‘A mão pesada do governo Lula sobre a liberdade de expressão apareceu com força. Duas semanas depois da devassa da imprensa sobre os presidentes do Banco Central e do Banco do Brasil, o governo revidou com iniciativas que prendem a língua de servidores, atravancam o tráfego de informações e intimidam produtores culturais. A senha para a investida repressora foi dada há um mês, pelo próprio presidente Lula: ‘O denuncismo da imprensa não contribui com a democracia’, disse o presidente. Na segunda-feira 9, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse que o país ‘está surfando numa onda de denuncismo’.

O projeto da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que cria o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ), ganhou tintas mais carregadas na Casa Civil de Dirceu. Além dos jornalistas, o CFJ iria também ‘disciplinar e fiscalizar as empresas de comunicação. ‘As alterações agravam o viés autoritário do projeto’, atacou o líder do PFL na Câmara, deputado José Carlos Aleluia (BA).

Pronto para criar a Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav), o Ministério da Cultura deu mais 60 dias para o debate sobre o texto que revive temores de dirigismo na cultura. Além de criar taxas que oneram o ingresso de cinema, o texto institui um conselho, formado por diretores, que discute temas que coloquem em risco a ‘segurança nacional’. O Planalto prepara também um decreto que vai amordaçar os servidores públicos em torno de investigações. E, para complementar o surto autoritário, Lula afia a caneta para um decreto que amplia a quebra dos sigilos bancário e telefônico de pessoas e empresas. Na terça-feira 10, o ministro da Comunicação, Luiz Gushiken, avisou: ‘Liberdade de imprensa é um valor definitivo à democracia, mas não é algo absoluto’. Agora, ninguém duvida.’



Agência Senado

‘Para Simon, anteprojeto que cria conselho de jornalistas é antidemocrático’, copyright Agência Senado, 11/8/04

‘Em discurso nesta quarta-feira (11), o senador Pedro Simon (PMDB-RS) criticou o projeto de lei que prevê a criação do Conselho Federal de Jornalismo, elaborado pelo Executivo. Ele demonstrou indignação diante do texto divulgado, que, na sua opinião, só tem similar na legislação dos anos mais duros do regime militar. O projeto tramina na Câmara dos Deputados, desde 6 de agosto (PL 3985/04).

– O jornalismo não é uma ciência como medicina, engenharia ou direito, que têm rígidas regras profissionais. As matérias-primas do jornalismo são a informação e a opinião. Vamos exigir que os jornalistas pensem da mesma forma, sob pena de serem cassados? – questionou Simon, reclamando que a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) sequer foi ouvida acerca da proposta.

O senador leu em Plenário trechos de artigo do jornalista Alberto Dines, membro do Conselho de Comunicação Social do Congresso, em que acusa a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) de estarem interessadas em ‘dominar a imprensa, impor suas regras, suas prioridades e sua ética, apropriando-se do chamado quarto poder’.

Citando Dines, Simon chamou de ‘aberração democrática’ a intenção do anteprojeto de restringir a prática da atividade jornalística aos profissionais inscritos nos Conselhos Regionais de Jornalismo.

– A CUT-Fenaj quer ser a dona da profissão, da busca da verdade. Quem discordar deixa de ser jornalista; quem não obedecer a seus critérios, obriga-se a mudar de profissão – afirma Dines no artigo lido por Simon.

O senador apontou ainda que o texto do anteprojeto, sugerido pela Fenaj, foi alterado pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Casa Civil da Presidência da República, de forma a dar poderes ainda maiores aos conselhos no controle da atividade jornalísticas.

– A minha preocupação com essa proposta anti-democrática só não é maior porque estou absolutamente certo de que o Congresso saberá o que fazer quando o assunto estiver em votação – declarou Simon.

Simon aproveitou seu pronunciamento para pedir que a Mesa do Senado solicite a suspensão da licitação da Petrobras para exploração de campos de petróleo no país, marcada para o próximo dia 16 de agosto, por meio de leilão. Segundo ele, diversas entidades e o governador do Paraná, Roberto Requião, movem ações no Judiciário para cancelar a licitação. Antes do leilão, Simon considera que o Senado deve convocar a ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff, para depor sobre a matéria.

– Esse seria um grande gesto do presidente do Senado, reunir os líderes com a urgência que a matéria merece, para suspender a realização do leilão até que tivéssemos clareza acerca das denúncias gravíssimas que recebemos e que até agora não tiveram resposta – afirmou Simon, lembrando que durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, os leilões similares realizados foram alvo de discursos contrários de integrantes do PT.

Na presidência da sessão, o 2º vice-presidente do Senado, senador Siqueira Campos (PSDB-TO), informou que irá levar a discussão ao presidente da Casa, senador José Sarney, por meio das notas taquigráficas do discurso de Simon. Eduardo também sugeriu a Simon que formalize seu requerimento de convocação da ministra, inclusive junto à Comissão de Serviços de Infra-Estrutura (CI).’



Diário Vermelho

‘Novo presidente da Fenaj defende Conselho Nacional de Jornalistas’, copyright Diário Vermelho (www.vermelho.com.br), 15/8/04

‘A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), na condição de representante da categoria, reivindica para si os mesmos direitos e prerrogativas de outras representações profissionais, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Conselho Regional de Medicina (CRM). Ou seja: quer poder para fiscalizar a profissão, punir maus jornalistas e até caçar diplomas em casos extremos. Até aí, nada de novo, uma vez que essa bandeira há décadas faz parte do cardápio político dos sindicalistas da redação. A grande novidade no front é que o projeto de criação do Conselho Nacional dos Jornalistas (CNJ), que já está sendo analisado pela Casa Civil. E falta muito pouco para que seja enviado ao Congresso Nacional.

Sergio Murillo, recém-eleito presidente da entidade, insiste que, desta vez, é para valer. Jornalista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina, Sergio Murillo de Andrade tem 42 anos, é petista de carteirinha desde a fundação do partido, embora não seja ativista de nenhuma corrente interna. Na eleição que o sagrou presidente, Murillo representou a Chapa 1, da situação, apoiada pelo PCdoB, que venceu com folga a Chapa 2, articulada a partir do Sindicato dos Jornalistas de Brasília.

Nesta entrevista para Vermelho o presidente da Fenaj fala sobre o futuro da categoria, responde as acusações de fraude no processo eleitoral e promete, para breve, um Conselho forte e atuante. Por Pedro Venceslau.

Qual a importância da aliança com o PCdoB nesta eleição e no movimento da categoria?

Sergio Murillo – O PCdoB é nosso parceiro desde o início. É um partido que respeito muito e que conta com uma militância que foi fundamental para nossa vitória. O PCdoB é uma partido enraizado no movimento sindical e na nossa categoria. O Partido Comunista do Brasil atuou com vigor no processo eleitoral.

Você está confiante que, dessa vez, o Conselho Nacional dos Jornalistas sai do papel?

Sergio Murillo – Com certeza. Essa é nossa bandeira prioritária. O Conselho é uma unanimidade na categoria. O debate está muito amadurecido. Além disso, o projeto para sua criação está bastante adiantado. Saiu do âmbito do Ministério do Trabalho e já está sendo discutido na Casa Civil. O próximo passo é ir para o Congresso Nacional, onde eu acredito que será aprovado.

Qual será a função desse Conselho? Muitos jornalistas temem que ele se transforme em uma caça as bruxas…

Murillo – Definir as regras da profissão. Dizer quem é e quem não é jornalista. O Conselho vai fiscalizar o exercício do jornalismo e cumprir um papel que hoje cabe ao Ministério do Trabalho, que não dá conta do recado. Não haverá caças as bruxas. Quem estiver registrado, não terá problema. O Conselho só vai aplicar a lei que já existe. E vai cuidar do cumprimento do código de ética da profissão.

Por enquanto, ainda está valendo a sentença da juíza Carla Rister, que permite o exercício da profissão sem diploma. O Conselho anularia esse processo?

Murillo – O Conselho criará outra organização jurídica e, acredito, anulará o efeito da sentença. Mas tenho certeza que antes disso vamos derrubar a sentença na justiça.

A oposição acusa sua chapa de Ter ‘fraudado’ o processo eleitoral. Eles entendem que receber apoio logístisco de parlamentares é uma prática irregular. O que dizer sobre isso?

Murillo – Isso é um absurdo. É coisa de gente desesperada porque viu que ia perder a eleição. Se alguns deputados simpatizantes da nossa chapa resolveram distribuir material, isso é com eles. Nossos deputados fizeram isso por conta própria. Se eles querem reclamar, que reclamem nos gabinetes, onde receberão as devidas respostas. Nós tivemos apenas 50 votos em Brasília, em um universo de mais de 2.000.’



O Estado de S. Paulo

‘O ‘neopeleguismo’ do PT’, copyright O Estado de S. Paulo, 12/8/04

‘Diz o povo que ‘o diabo, quando não vem, manda o secretário’. Esse ditado é aqui citado para eliminar algumas dúvidas – as que são sinceras – sobre as reais intenções da cúpula do PT ao propor a criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ). O primeiro indício de que a idéia de debater a responsabilidade dos meios de comunicação sobre o que divulgam não passa de pretexto está na repartição em que foi gerado o projeto aberrante. Apesar de ferir um tema delicado como a liberdade de expressão, que nada tem a ver com regulamentação de profissão, o anteprojeto saiu do Ministério do Trabalho – ‘oficialmente’ por não dizer respeito a conteúdos jornalísticos, mas ao procedimento burocrático da concessão de registro profissional. Como Pilatos no Credo, o ministro Ricardo Berzoini assumiu publicamente a paternidade do monstrengo, com um ar contrafeito de quem não tem nada com o peixe.

Mas, como sói ocorrer em episódios nebulosos como este, tendo a consciência cívica nacional se levantado contra o atentado às liberdades públicas – pois o objetivo real do projeto é abafar críticas aos governantes de turno, impedindo os jornalistas de exercerem seu direito constitucional -, seus autores intelectuais terminaram aparecendo. Um deles, o secretário de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, exumou o conceito do general Geisel sobre a relatividade da democracia, negando ao conceito de liberdade de imprensa seu valor ‘absoluto’.

Antes disso, algumas pistas do verdadeiro DNA da idéia liberticida foram dadas pelo secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República, jornalista Ricardo Kotscho, em artigo publicado terça-feira na Folha de S.Paulo. No texto, o assessor revelou estranhar as críticas dirigidas ao governo que, em sua versão, não seria o autor, mas o paraninfo, do projeto, da lavra da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), cuja presidente, Beth Costa, já o havia justificado em nome das queixas que minorias, como negros e índios, têm feito contra os meios de comunicação. Em tal versão, defendida com denodo e em vernáculo sofrível, o secretário de Imprensa contou que seu chefe, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fora ‘aclamado’ em João Pessoa pelos 500 participantes do 31.º Congresso Nacional de Jornalistas. Noves fora o fato de o poderoso do momento ser ovacionado por jornalistas (que, em princípio, como manda qualquer manual de redação no capítulo Ética Jornalística, não devem vaiar nem aplaudir ninguém fora dos textos que redigem), resta a dúvida sobre a legitimidade da representação do Congresso e da Fenaj.

Na Fenaj, dirigida por uma ala radical de esquerda da Central Única dos Trabalhadores (CUT), braço sindical do PT, partido no poder, são representados em maior número profissionais de assessorias de imprensa, cuja atividade é divulgar empresas ou entidades públicas, não noticiar ou dar opinião. Como lembrou o jornalista Alberto Dines em texto que circula no site Observatório da Imprensa, ambas as funções são nobres, mas completamente distintas. Enquanto assessores divulgam produtos ou serviços, funcionários de redações trabalham para fornecer à sociedade as informações de que esta precisa para saber o que ocorre e tomar decisões importantes para a comunidade.

Os sindicatos de jornalistas e a Federação que os congrega não são culpados pelo fato de as escolas de comunicação formarem anualmente levas de profissionais que não conseguem emprego nos meios de comunicação, nem pela crise econômica que força as empresas a reduzirem seus quadros de pessoal.

Certamente, também, não discriminam assessores de empresas ou autarquias públicas de profissionais de imprensa propriamente ditos. Mas nem por isso podem, como faz a Fenaj (da CUT) neste caso específico, servir de ‘mão de gato’ aos companheiros do PT, circunstancialmente mandatário do poder republicano. Como denunciou Dines, ‘CUT e Fenaj já detêm o poder sobre os jornalistas. Agora querem tomar conta do jornalismo’. É uma grotesca adaptação à democracia atual do peleguismo que Getúlio Vargas inventou no Estado Novo para usar a classe operária como massa de manobra.’

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‘Governo mostra a sua face autoritária’, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 11/8/04

‘Esperava-se que a rejeição manifestada por amplos setores da sociedade ao ominoso projeto do governo que propõe a criação de um Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) suscitasse algum tipo de reflexão e autocrítica dentro do governo. Não foi o que aconteceu. Os jornais de ontem registraram um forte recrudescimento da ofensiva autoritária das autoridades. O governo, aberto e sensato na condução da política econômica, está mostrando a face ditatorial do seu projeto de poder.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse ontem que o País vive uma onda de denuncismo, ao justificar a idéia da criação do CFJ para disciplinar a atuação dos jornalistas. ‘Acredito que o conselho não será instrumento de censura ou de sujeição da imprensa, mas de disciplinamento da profissão, como ocorre com os advogados e outras categorias.’ Em primeiro lugar, o ministro ‘acreditar’ é prova de que não pode garantir que não haverá censura. Quanto ao disciplinamento da profissão, o conceito, sem dúvida esdrúxulo, procura equiparar o trabalho dos jornalistas ao ofício de profissionais liberais, o que os jornalistas não são. Além disso, o jornalismo, como deveria saber o ministro, é serviço público e pré-requisito de uma sociedade democrática. Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício desta não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável da sociedade. Reclama, por isso, a ausência de amarras e regulamentações estabelecidas por aqueles que, freqüentemente, estão no foco de investigações legítimas e necessárias. São, portanto, parte interessada no amordaçamento da mídia. Talvez seja esse interesse dos governantes que tenha inspirado ao ministro o outro argumento que usou para justificar o injustificável. Propondo que se ‘discuta com seriedade a tarefa de disciplinar as responsabilidades inerentes à comunicação’, Thomaz Bastos disse que ‘é preciso pensar o papel do Ministério Público, da polícia e da imprensa’. O ministro, mais uma vez, confunde atribuições e mistura papéis. São bem distintas e conhecidas as missões das três instituições. O papel social da imprensa é claro: informar e formar opinião através da livre discussão de todas as opiniões. A polícia colhe provas. O Ministério Público – cujo poder de investigação o governo está contestando – investiga e apresenta a denúncia e, finalmente, o Judiciário sentencia. Não se exija da imprensa o absurdo de só informar a respeito de assuntos já decididos e transitados em julgado. Os meios de comunicação, com responsabilidade e ética, têm o dever de levantar questões relevantes para o interesse público e apontar indícios consistentes de irregularidades que lesem o interesse público. Eventuais excessos podem ser corrigidos pela legislação vigente. Como bem lembrou nota da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), divulgada nos jornais de ontem, ‘os abusos do mau jornalismo devem ser corrigidos através da Justiça, como prevê a Constituição, sem necessidade de qualquer órgão com poderes para cercear a liberdade de expressão e acarretar até perda de registro profissional’.

A AMB considera que a criação do CFJ, a possível votação da Lei da Mordaça e o questionamento do poder de investigação dos procuradores fazem parte da ‘mesma lógica autoritária’.

O jornalista Ricardo Kotscho, secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República, em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo de ontem, faz coro com o ministro da Justiça. Segundo Kotscho, ‘o objetivo central da criação do CFJ – a exemplo do que há muito ocorre com advogados, médicos, economistas e outras categorias – é exatamente defender a dignidade e a ética exigidas no exercício da profissão, para garantir à sociedade a plenitude da liberdade de imprensa, e não a liberdade para alguns profissionais e algumas empresas divulgarem o que bem entendem a serviço dos seus interesses.’ (sic!) (grifo nosso). Num emblemático exercício de prejulgamento, Ricardo Kotscho desenvolve um raciocínio que leva à conclusão de que a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), ‘inspiradora’ do projeto de amordaçamento da imprensa e formada por um monolítico bloco ideológico de colorido petista, está do lado do bem. Já as empresas de comunicação e os jornalistas que, honradamente, ganham a vida no exaustivo trabalho de produzir um jornal todos os dias do ano estão, a priori, do lado do mal.

O Brasil está revivendo o espetáculo de mentiras e sofismas que prenunciaram, décadas atrás, o advento de ditaduras de direita e esquerda.’

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‘A ofensiva do governo contra a democracia’, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 13/8/04

‘Já não pode subsistir a menor dúvida de que o governo Lula está decidido a submeter a sociedade ao controle arbitrário do Estado, reduzindo a democracia a um cenário de cartolina atrás do qual o PT fará o que julgar necessário, sem contestação efetiva, para se manter no poder até onde a vista alcança. Como se o Brasil fosse um país de idiotas, incapazes de perceber o encadeamento sinistro das ações do Planalto, os arquitetos da destruição do regime de liberdades tratam de aplastar com o maior descaramento as franquias constitucionais asseguradas aos brasileiros – entre elas o direito à privacidade e o direito à informação. Enquanto a sociedade não se mobiliza para detê-lo através do Congresso e do Judiciário, nada parece inibir esse avanço, minuciosamente planejado, rumo ao domínio sobre setores cada vez mais amplos da sociedade, para instituir uma versão mal disfarçada dos regimes centralizadores em que a vontade do governo na prática prevalece sobre a lei.

Depois dos projetos de criação do Conselho Federal de Jornalismo e da Ancinav, vieram a público, ontem, mais duas manifestações desse processo totalizante. O presidente Lula poderá assinar em breve um decreto que permitirá, sem autorizações adicionais da Justiça, disseminar pelo Executivo informações sobre pessoas físicas e jurídicas cujo sigilo fiscal, bancário e telefônico for quebrado atendendo a pedidos específicos da polícia ou do Ministério Público, em inquéritos sobre ilícitos penais, financeiros ou administrativos. Assim se ampliará o Banco de Dados formado na CPI por ordem do mentor do seu relator. Um segundo decreto, por sua vez, proibirá que qualquer funcionário público transmita à imprensa informações sobre investigações em curso no âmbito do governo federal. E as poucas autoridades que tiverem licença para fazê-lo deverão se certificar previamente de que tais informações não foram – nem poderão vir a ser – classificadas como sigilosas.

Difícil dizer qual dos decretos, cujas minutas estão prontas ou sujeitas apenas a ajustes, representa desconsideração mais grave pelos fundamentos jurídicos da ordem democrática. No primeiro caso, o do compartilhamento de informações, a pretexto de aumentar a eficácia do combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, todo órgão federal com poder de investigação, entre eles a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), terá a faculdade de requisitar dados compilados mediante quebra de sigilo, que estejam sob a guarda de outra repartição similar. Ou seja, o que uma delas obteve graças a uma decisão judicial poderá circular pelos canais da burocracia por mero ato administrativo, aumentando exponencialmente os riscos de vazamento ou uso impróprio das informações confidenciais. Como era de esperar, os defensores da iniciativa garantem que esse trânsito estará submetido a regras estritas de procedimento.

O órgão que solicitar os dados terá de justificar o pedido – restrito a casos de pessoas e empresas suspeitas de crimes ou ilícitos administrativos – e assumir a responsabilidade pela preservação do sigilo. Mas sabe-se muito bem como a flexibilização do sigilo pode servir a propósitos avessos ao bem comum, mesmo em estruturas administrativas que não tenham sido aparelhadas pelo partido dominante – como acontece no atual governo. Economizar as idas à Justiça em situações que envolvem a privacidade alheia escancara as portas para o desmando e a ampliação da vigilância política do Estado sobre os cidadãos.

Já as portas para a ampliação da vigilância dos cidadãos sobre o governo que eles elegeram para governar o Estado o governo quer fechá-las. A mordaça que quer impor aos servidores federais – que sabem muito bem como as coisas funcionam – é outra operação para tolher o trabalho da imprensa. Se quiser apurar a quantas anda uma investigação interna, a mídia dependerá da boa vontade de um punhado de hierarcas: ministros e outros titulares de cargos de confiança na cúpula da administração direta e indireta, os seus prepostos ‘especialmente designados’ ou as assessorias de imprensa (que nada dirão sem ordem superior). Os demais, se transgredirem a norma concebida para atarraxar o processo de centralização em marcha, ficarão sujeitos a processo administrativo por infringir o Código de Ética do serviço público. Em suma, o governo trata de se fechar à mesma sociedade que gostaria de bisbilhotar sem restrições.

Defendendo a reeleição do presidente Lula, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, disse que ‘temos de avançar na consolidação da democracia tão interrompida e ainda tão frágil’. No ritmo em que vão os avanços antidemocráticos do governo, se a ‘consolidação da democracia’ (do PT) não for novamente interrompida, desta vez pelo Congresso e pelo Judiciário, talvez o presidente nem precise disputar o segundo mandato nas urnas.’

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‘O braço do dr. Strangelove’, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 13/8/04

‘A quebra coletiva do sigilo fiscal e bancário de 29 banqueiros e executivos do setor pela CPI do Banestado – entre centenas de outros, pessoas físicas e pessoas jurídicas em relação às quais não havia qualquer acusação ou suspeita – representa a pontinha da ponta de uma vasta operação de coleta de informações confidenciais que poderiam servir para os fins que se queira imaginar, menos os de esclarecer e punir os responsáveis por remessas irregulares de dinheiro para o exterior. O número exato de pessoas e empresas vítimas da devassa é incerto. A operação foi conduzida pelo relator da comissão, o deputado petista José Mentor. O fato de ser ele pau-mandado do ministro da Casa Civil, José Dirceu, que patrocinou a sua indicação para o cargo, com o argumento de que é seu ‘homem de confiança’, deixa pouca ou nenhuma dúvida sobre a paternidade e os verdadeiros objetivos por baixo de todo esse furor inquisitorial. E também pouca dúvida sobre o responsável pelos ‘vazamentos’.

O escândalo do arrastão promovido pelo parlamentar deverá levar a comissão a devolver à Receita Federal e ao Banco Central (BC), para serem incinerados, os 40 mil documentos sigilosos obtidos sem fundamentação alguma. Mais importante do que isso, para caracterizar a assustadora dimensão política do caso, é o rol das exorbitâncias praticadas ou intentadas pelo relator.

Reportagem de Rosa Costa, no Estado de ontem, informa que ele quis conhecer todas as operações de câmbio registradas no Banco Central entre 1996 e 2002; requisitou a base de dados da Receita com os nomes e outras informações de todas as empresas estrangeiras que tenham participação em empresas nacionais; pediu autorização ao BC para que um assessor da CPI tivesse ‘acesso direto’ aos dados da instituição; requereu cópia de todos os inquéritos policiais federais e de todos os processos criminais que façam referência a evasão de divisas em pelo menos sete Estados; pretendeu solicitar a 400 mil titulares de contas CC5, listados no BC, que o informassem das remessas efetuadas.

A massa de documentos em poder do relator é indigerível no tempo de vida da comissão -, o que dá força à hipótese de que outro era o seu destino. Deles fazem parte os cadastros das pessoas físicas e jurídicas que remeteram divisas; os censos de 2001 e 2002, feitos pelo Banco Central, que identificam as pessoas e empresas brasileiras com aplicações no exterior e os respectivos montantes (o que não é de conhecimento nem mesmo da Receita); a relação dos brasileiros proprietários de imóveis em outros países. Mentor requereu ainda a lista de todos os compradores de títulos públicos federais de 1996 a 2002, bem como o detalhamento das condições em que foram negociados. Pediu cópias de todos os processos, registros e operações que tenham envolvido, direta ou indiretamente, o extinto Banco Bamerindus, o Banco HSBC e quaisquer outras instituições públicas ou privadas. ‘A CPI do Banestado montou um banco de dados de fazer inveja até mesmo ao velho SNI’, apurou o repórter Ribamar de Oliveira, do Valor.

Esse é o cerne da questão. A avidez do PT no poder em se apropriar de informações sobre cidadãos e empresas, contornando as barreiras para impedir a invasão da privacidade alheia, ultrapassa até mesmo a bisbilhotagem da ditadura militar. Só os métodos diferem. Sob aparente inspiração e comando do ministro José Dirceu, que estudou Inteligência em Cuba (e ali costuma passar férias), e talvez à revelia do próprio presidente da República, vai se formando um diversificado arsenal de instrumentos de controle social. Em matéria de determinação e competência para tanto, os generais do regime de 1964 pouco teriam a ensinar e muito teriam a aprender com os ‘soviéticos’, como o cineasta Arnaldo Jabor designa os incuráveis inimigos da liberdade que, alojados no Planalto, sabem o que querem e fazem o que sabem, a pretexto de que o que é bom para eles é bom para o Brasil.

A utilização oportunista de uma comissão parlamentar de inquérito para a provável construção de um edifício de dossiês sobre brasileiros de certa substância – e não haverá de ser para condecorá-los com a Ordem do Cruzeiro do Sul – não pode ser entendida como uma transgressão solitária do jogo democrático. Faz parte de uma estratégia de tintas totalitárias para submeter ora um, ora outro setor da sociedade, sem excluir o Congresso e os Estados. Examine-se o conjunto de atos recentes do Planalto e o resultado será inquietante. O PT não está conseguindo controlar o seu braço do dr. Strangelove.’

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‘Para Gushiken, liberdade não é valor absoluto’, copyright O Estado de S. Paulo, 11/8/04

‘O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, disse ontem que a liberdade de imprensa não é um valor ‘absoluto’ numa democracia. Ele defendeu a criação do Conselho Federal de Jornalismo e pregou limites para o exercício da atividade jornalística por entender que há profissionais que ‘fabricam notícias’. ‘é um assunto pertinente a vocês. Vocês sabem que a liberdade de imprensa é um valor definitivo à democracia, mas sabem que numa sociedade nada é absoluto’, declarou o ministro, dirigindo-se a repórteres que o entrevistaram em cerimônia do governo no QG do Exército.

Gushiken procurou rebater as críticas do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP) e de outras autoridades à criação do Conselho Federal de Jornalismo argumentando que a categoria é quem deverá definir os limites ‘éticos’ para o exercício profissional por causa dos ‘deslizes’ que possam ser praticados por jornalistas. ‘Eu acho que a grande parte da imprensa brasileira vive em clima de total liberdade de expressão.

Aqui em nosso País não há nenhuma restrição para isso. Agora, evidentemente, alguns deslizes podem existir. Vocês da área sabem melhor do que eu. E vocês convivem diariamente com pessoas fazendo…fabricando notícias, dando interpretação’, declarou.

Segundo o ministro, a categoria profissional tem importante papel na formação cultural do povo e que, por isso, os jornalistas devem refletir se cabe a eles um mecanismo para o exercício mais bem organizado. De acordo com a proposta enviada ao Congresso, o Conselho Federal de Jornalismo vai disciplinar a atuação dos jornalistas e conselhos regionais passarão a fiscalizar o exercício profissional de jornalistas, zelar pela ética e assegurar o direito constitucional à livre informação.

Essa não é a primeira vez que Guskiken faz críticas à imprensa. Em audiência no Palácio do Planalto, no dia do Jornalista, em 7 de abril, defendeu a divulgação de fatos positivos pelos meios de comunicação. ‘A exploração do contraditório muitas vezes pode fomentar a discórdia, conflitos de egos, quando na verdade são apenas disputas de idéias normais num processo de debate….O Brasil está preparado, quer dizer os leitores, os telespectadores, os ouvintes estão ansiosos para saber aquilo que germina em termos de coisas boas e este País está cheio de coisas boas’, afirmou o ministro no dia do Jornalista.

A declaração de Gushiken chegou a gerar um mal-estar no governo. Após ouvir as palavras do ministro, Lula procurou destacar a importância de uma boa e leal relação com os meios de comunicação. ‘Quando digo leal, é a relação em que, em nenhum momento, o governo deve pedir para um jornalista falar bem dele e, em nenhum momento, um jornalista deve falar mal simplesmente porque quer falar mal’, disse o presidente.

Na oportunidade, a então presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Beth Costa, uma das convidadas para ir ao Planalto, pediu a Lula para que enviasse ao Congresso a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo.’

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‘Poder perversor’, copyright O Estado de S. Paulo, 11/8/04

‘É indescritível a transformação na mente, nos hábitos e na éPTica. Ao ler, no Estadão de domingo, as idéias de José Dirceu com relação à imprensa, veio-me uma lembrança: o livro A Revolução dos Bichos (Animal Farm), de George Orwell, que descreve, com fina ironia, o quanto a chegada ao poder tende a embotar e perverter os corações e mentes. O que mais choca, neste episódio da criação do Conselho Federal de Jornalismo (para controlar a imprensa) e no da Ancinav (para controlar a produção de filmes), não é a tentativa de reimplantar a censura: o triste é ver de quem parte esta iniciativa. Jaci Corrêa Leite, São Paulo

Ministério da Verdade

No artigo O grande companheiro (8/8, A6), a jornalista Dora Kramer foi brilhante ao comparar o governo petista ao Big Brother da ficção 1984, de George Orwell. Controlar a imprensa é mais um passo no autoritarismo já denunciado no artigo O ovo da serpente (13/5/2004, A6), sobre a expulsão do jornalista do The New York Times que fez comentários sobre os hábitos alcoólicos do presidente. Expulsão de jornalistas, mordaça no Ministério Público, controle da Imprensa, apagar registros históricos, etc. O próximo passo será criar o Ministério da Verdade, cuja função será reescrever a história e criar uma língua que impedirá qualquer expressão contrária ao regime. Mauro Alves da Silva, São Paulo

Conhecimento e interesse

Certamente nenhum jornalista invocará o direito à informação, a liberdade de imprensa para acessar autos de processos em segredo de justiça, para copiar extratos bancários, para obter segredos empresariais, para invadir a privacidade das pessoas, etc. Ou seja, há, sim, um limite constitucional ao direito à informação e à liberdade de imprensa. No entanto, se lhe fornecerem, por vias tortas, ou seja, ilegalmente, informações sigilosas, parte da mídia invoca tal direito e tal liberdade para, sem um mínimo de investigação, publicá-las. E mais: sem citar a fonte.

E mais: muitas vezes, como vem ocorrendo com o sr. Henrique Meirelles, dando ares de ilegalidade e veracidade a atos de todo regulares e a conclusões inverossímeis, que não resistem a cinco segundos de análise de pessoa com um mínimo de conhecimento. Entrementes, discute-se projeto de lei, amplamente censurado por prejudicar os mesmos referidos direito e liberdade, notoriamente reconhecidos essenciais à prevenção de tiranias. Posto isso, pergunta-se: um meio-termo, de preservar, ao mesmo tempo, por um lado, liberdade de imprensa e direito à informação e, por outro, direitos a sigilo e privacidade, não seria, a exemplo do que ocorre no processo judicial, em que é vedado o uso de provas obtidas por meios ilícitos, também vedar a publicação de informações obtidas por meios ilícitos, responsabilizando solidariamente, civil e penalmente, autores do vazamento da informação e de sua publicação? Antonio Carlos Kussama (ackussama@aol.com)

Pimenta e colírio

Há uma máxima popular que diz ‘pimenta nos olhos dos outros é colírio’. Pois bem, quando o governo stalinista do Lula enfia goela abaixo dos juízes ‘o controle externo do Judiciário’, a leniente imprensa, se não apóia, como vem fazendo, fica na moita (às favas com o Poder Judiciário). Porém, quando o José Dirceu fala de mecanismos para controlar a imprensa, o cinema, etc., o pessoal fica como marimbondo atiçado. Todos se rebelam.

Júlio Osmany Barbin, Pirassununga

Juízes condenam

A Associação dos Magistrados Brasileiros, entidade que representa mais de 15 mil juízes e juízas em todo o País, condena a criação do Conselho Federal de Jornalismo, proposto em projeto de lei encaminhado pelo governo federal ao Congresso. 1) Os abusos do mau jornalismo devem ser corrigidos através da Justiça, como prevê a Constituição, sem necessidade de nenhum órgão com poderes para cercear a liberdade de expressão e acarretar até perda de registro profissional; 2) tal medida vem proposta ao mesmo tempo que se pretende estabelecer o controle externo do Poder Judiciário e a ‘lei da mordaça’ para o Ministério Público, tentando-se ainda impedir que esta instituição investigue atos criminosos, guardando todas essas tentativas a mesma lógica autoritária e indiscutível relação entre si; 3) os magistrados brasileiros manifestam sua grave preocupação em face das presentes propostas legislativas de fragilização dos setores essenciais à vida democrática, como o Judiciário, o MP e a imprensa; 4) a Magistratura, mesmo na iminência de submeter-se a inconstitucional e inaceitável controle externo de um Conselho Nacional de Justiça, não concorda com o controle da imprensa brasileira previsto no projeto de lei que cria o Conselho Federal de Jornalismo; 5) as razões que levam jornalistas e suas entidades de representação a condenar a criação do conselho são exatamente as mesmas que levam os magistrados a combater o controle externo do Judiciário; 6) em uma sociedade livre, não há melhor controle do trabalho jornalístico que a manifestação do público, desde que jornalistas e leitores tenham assegurada sua liberdade de manifestação, cabendo ao Judiciário, quando provocado, impedir ilegalidades e julgar as controvérsias decorrentes de tal relação.

Cláudio Baldino Maciel, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros

Poder perversor

Jabor, em seu artigo Os ‘soviéticos’ querem tirar o poder de Lula (10/8, D10), põe o dedo na ferida. Só que os jornalistas da Fenaj, quando investem contra seus próprios colegas e contra a profissão que deveriam defender, talvez não estejam dando suas cabeças à guilhotina. Sempre existirão ‘profissionais’ com empreguinhos garantidos, que tornam possíveis os Pravdas e os Granmas da vida. Neusa Longo (neusa.igor@uol.com.br), Santo André Já que, com sua atuação, o governo não consegue sensibilizar a imprensa para que divulgue notas positivas a seu respeito, a criação do Conselho Federal de Jornalismo conseguiria, ao menos, atenuar o teor de gravidade e a quantidade de fatos negativos levados pela mídia ao conhecimento do público? Odilon O. Santos (oos@uol.com.br), Marília ‘Não concordo com uma única palavra do que vós dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-lo’ (Charles-Louis de Secondat Montesquieu, barão de la Brède e de Montesquieu, 1689-1755). Rivadávia Rosa (riva.r@terra.com.br), advogado, Porto Alegre’

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‘Imprensa já é regulada por várias leis’, copyright O Estado de S. Paulo, 11/8/04

‘A Constituição, o Código Civil, o Código Penal, a Lei de Imprensa e muitos outros diplomas e mecanismos legais já disciplinam e fiscalizam a atividade dos jornalistas, sujeitos até a pena de prisão. A Lei 5.250, em vigor desde o regime militar – fevereiro de 1967 -, conhecida como Lei de Imprensa, ‘regula a liberdade da manifestação do pensamento e de informação’. Ela define, como o Código Penal, 3 tipos de crime contra a honra: calúnia (o autor está sujeito a pena que vai a 3 anos de prisão e multa), injúria (um mês a um ano de detenção ou multa) e difamação (3 a 18 meses de detenção e multa).

A mesma lei mantém outro artigo que enquadra jornalistas por ‘propaganda de guerra, de processos para subversão da ordem política e social ou de preconceitos de raça ou classe’. Nesse caso, a pena vai de um a 4 anos de detenção.

O advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira, especialista em legislação de imprensa, destaca que na área civil as ações de danos morais ‘superam em muito, desde a Constituição de 1988, as demandas criminais contra jornalistas.

Para Manuel Alceu, a proposta do governo para criação do Conselho Federal de Jornalismo ‘é requentada porque tenta resgatar projeto que há quase meio século o Congresso arquivou’. Ele alerta para o fato de que ‘hoje em dia prescrições, decadências e absolvições já não são freqüentes, pelo contrário’.

O advogado anota que a jurisprudência no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça afastou, por incompatibilidade com a Constituição, os limites temporais (prazo para propositura das ações de indenização) e os limites monetários (valor das indenizações). Tais limites haviam sido fixados pela Lei de Imprensa. A indenização, por exemplo, não podia superar 200 salários mínimos. Hoje, o valor fica a critério do juiz.

Também está em curso no Congresso projeto que define valores para efeito de reparação por danos. O projeto também prevê como crime a violação da privacidade.

‘A Constituição e o Código Civil, acima de tudo, estão liderando todas as ações em relação à imprensa’, declarou Manuel Alceu. ‘Sempre esses dois diplomas são invocados e o STJ tem prestigiado isso, seja por ter afastado os limites das indenizações, seja por ter afastado também o prazo que a Lei de Imprensa estabelecia para apresentação das ações.’

‘O conselho merece total repúdio’, protesta Manuel Alceu.

‘Os diplomas existentes são mais que suficientes para disciplinar o exercício da profissão de jornalista’, disse o advogado Luiz de Camargo Aranha Neto. ‘Os eventuais abusos são corrigidos pelo próprio Judiciário.

Não há necessidade de outros instrumentos, existem milhares de ações contra órgãos de imprensa.’’

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‘Texto final sobre agência deve ser divulgado hoje’, copyright O Estado de S. Paulo, 11/8/04

‘O governo vai abrir o espaço do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) para discutir o novo projeto que cria a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav). Cenário natural de discussões de temas econômicos do governo, o CDES foi o melhor caminho encontrado pelo governo para tentar ampliar esse debate a todos os segmentos do setor cultural, que protestaram duramente contra o conteúdo da proposta que está sendo fechada pelo governo. Além de debater a proposta no CDES, o Ministério da Cultura deve divulgar hoje o texto com o anteprojeto do governo.

O secretário-executivo da Ministério da Cultura, Juca Ferreira, reclama que o vazamento de uma minuta da proposta pela internet criou uma péssima impressão junto à opinião pública. A unanimidade dos produtores culturais considerou o projeto autoritário e com dirigismo cultural. ‘O vazamento foi feito para provocar uma comoção em cima do projeto e estigmatizá-lo’, reclama. ‘O projeto não é estatizante. Não é stalinista. Não queremos ultrapassar as áreas do Estado’, garante.

‘Falar que é stalinista, ideológico, não é democrático’, diz. ‘Não se trata disso. Não existe isso. O projeto não pretende interferir nos conteúdos’, rebate Ferreira. ‘Foi um teatro o vazamento. Trata-se de uma minuta de anteprojeto. é uma proposta a ser discutida e aperfeiçoada’, explica. O modelo de regulação do setor audiovisual estaria, segundo Ferreira, seguindo uma tendência já adotada por outros países. ‘é um projeto que muitos países já têm.’’

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‘Sociedade Interamericana de Imprensa repudia conselho’, copyright O Estado de S. Paulo, 13/8/04

‘A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) repudiou a idéia de criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) e, em comunicado aberto, pediu ontem ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que paralise a tramitação do projeto de lei e retire-o da pauta do Congresso. A proposta, definiu a SIP, é um ‘ataque sério à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa no Brasil’.

Segundo o diretor do Comitê sobre Liberdade de Imprensa e Informação, o jornalista dominicano Rafael Molina, se o Conselho Federal de Jornalismo sair do papel da forma prevista no projeto de lei ‘estabelecerá um precedente sério para a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa ao se estabelecerem padrões de como a notícia deve ser manejada’.

Na nota da SIP, Molina argumenta que o projeto fere a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O primeiro artigo da declaração, segundo ele, define a liberdade de expressão, ‘em todas as suas formas e manifestações, é um direito fundamental e inalienável, inerente a todas as pessoas. É também um requisito indispensável para a existência de uma sociedade democrática’.

‘Preocupação’ – Também a Associação Nacional de Editores de Revistas divulgou nota para demonstrar sua ‘preocupação’ com a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo. ‘Está implícito’ no texto do projeto, alerta a associação, ‘o cerceamento da liberdade de expressão’.

No documento, a entidade reitera ‘total defesa da liberdade de expressão sem censura’ e lembra que se trata de princípio consagrado na Constituição.

Dessa forma, ‘a nenhuma lei é dado criar embaraço ao livre exercício da profissão’ de jornalista.

No texto, assinado por seu presidente, Carlos Domingo Alzugaray, a associação alega não ter restrições à criação de um organismo que regulamente o exercício da profissão jornalística, mas ‘se opõe com veemência a que se delegue a este conselho poderes autoritários de controle da imprensa’.’