Nos últimos anos, os EUA tornaram-se pioneiros no uso de duas armas inovadoras: as aeronaves não tripuladas (drones) e os ataques cibernéticos que, de acordo com numerosos relatos, devastaram a Al-Qaeda e retardaram os esforços nucleares do Irã.
Agora esses programas estão no coração de uma disputa bipartidária envolvendo o sigilo, com os congressistas republicanos acusando o governo de ter revelado informações confidenciais para obter vantagens políticas e os democratas fazendo seus próprios protestos com relação ao vazamento de informações sigilosas no alto escalão.
Motivados em parte por matérias publicadas recentemente no New York Times detalhando o uso de drones na campanha de assassinatos contra alvos específicos e o emprego do worm (tipo de vírus de computador) Stuxnet contra o programa nuclear iraniano, os líderes democratas e republicanos das comissões de informações da Câmara e do Senado emitiram um comunicado conjunto na quarta-feira insistindo ao governo que “investigue até o fim, com justiça e imparcialidade” as revelações recentes, pedindo também a aprovação de novas leis para combater o vazamento de informações.
“Cada episódio em que informações sigilosas são reveladas coloca em risco vidas americanas, dificultando o recrutamento de agentes, desgastando a relação de confiança que temos com nossos parceiros e ameaçando a segurança nacional com a perspectiva de danos iminentes e irreparáveis”, disse o comunicado, numa rara demonstração de união.
O protesto concentrou-se no perigo dos vazamentos que, de acordo com os líderes congressistas, poderiam alertar os adversários dos EUA para as táticas do Exército e dos serviços de informações do país. Mas o sigilo também tem seu preço – particularmente alto no caso dos drones e dos ataques cibernéticos. Ambas as armas levantam pertinentes questões legais, morais e estratégicas do tipo que, numa democracia, parecem merecer o atento escrutínio do público. Mas, em razão das regras de confidencialidade, nenhuma delas foi tema de um debate aberto no Congresso, mesmo enquanto o governo avançava agressivamente em ambos os programas.
“Os EUA embarcaram em jogadas ambiciosas e consequentes que vão moldar o ambiente da segurança nos próximos anos, sejam elas bem-sucedidas ou não”, disse Steven Aftergood, que estuda o sigilo governamental na Federação de Cientistas Americanos. “O sigilo mascara não apenas as operações como também a justificativa e o raciocínio por trás delas, dois temas legítimos para o interesse público.” Aftergood diz que os drones e os ataques cibernéticos foram “exemplos extremos de programas que são conhecidos por todos, mas, oficialmente, devem ser mantidos em segredo”. Ele disse que isto impediu um debate público informado envolvendo algumas questões importantíssimas. Será que os EUA deveriam mesmo inaugurar uma era de ataques cibernéticos? Qual é a proporção real de baixas civis causadas pelos ataques com drones, e quais são as implicações desta campanha para a soberania nacional? “É de fato importante manter em segredo estes programas”, disse o professor de Direito Jack Goldsmith, de Harvard, que foi funcionário do Departamento de Justiça no governo de George W. Bush e escreve a respeito das relações entre a segurança nacional e a imprensa. “Mas é igualmente importante considerar outro aspecto – os benefícios da transparência, da responsabilidade e do debate público.” Os vazamentos e os dilemas que estes inspiram na política e nas políticas de segurança são tão antigos quanto os próprios EUA. Em 1778, a revelação feita por Thomas Paine de que os franceses estavam apoiando secretamente os revolucionários americanos tornou-se alvo de uma investigação liderada por John Jay, que se tornaria o primeiro presidente da Suprema Corte.
Regras de sigilo
Nenhum dos partidos teve monopólio sobre as complicações da gestão do sigilo. Durante o governo Bush, a investigação de um vazamento levou à condenação de um importante assessor do vice-presidente Dick Cheney por perjúrio. Cheney era um notório defensor do sigilo governamental.
Barack Obama construiu sua campanha presidencial em 2008 em torno das denúncias das prisões secretas de seu antecessor e os brutais interrogatórios que eram conduzidos nestas instalações, que só chegaram ao conhecimento do público graças ao vazamento de informações sigilosas que chegaram à mídia jornalística. Ele começou seu mandato prometendo o governo mais transparente de todos os tempos.
Mas, no seu governo, ele superou todos os presidentes anteriores em se tratando de processar judicialmente os responsáveis por tais vazamentos, acompanhando seis casos até o momento atual (somados, governos anteriores promoveram três processos do tipo).
O senador John McCain, do Arizona, que foi adversário de Obama em 2008, disse aos repórteres na terça feira que os funcionários do governo estavam “vazando informações intencionalmente para reforçar a imagem de durão do presidente Obama no ano eleitoral” – ao mesmo tempo perseguindo funcionários de baixo escalão acusados de revelar segredos. O assessor de imprensa da Casa Branca, Jay Carney, classificou a acusação de “grosseiramente irresponsável”.
Mas a inconsistência do governo tem sido particularmente evidente no programa dos drones. Os ataques no Paquistão fazem parte de um programa secreto da CIA projetado para ser “desmentível” pelos líderes americanos; a lei os define como a mais protegida categoria de segredo que o governo pode manter. Nos tribunais, o governo diz que não pode negar nem confirmar a existência de tais operações.
Recentemente, em resposta a processo aberto envolvendo a Lei da Liberdade de Informação movidos pelo Times e pela União Americana das Liberdades Civis, advogados do Departamento de Justiça solicitaram uma prorrogação, dizendo que as regras de sigilo sobre assassinatos cirúrgicos estavam sendo debatidas “no mais alto escalão” do governo.
***
[Scott Shane é jornalista, The New York Times]