Uma parte do que sai nos jornais, necessariamente uma pequeníssima parte, contém informações mais retumbantes do que a maior parte do noticiário corrente, por mais que este seja apurado, escrito e editado para fazer alarde. Alarde merecido ou fabricado.
A coluna de Melchiades Filho na Folha de S. Paulo de segunda-feira (11/6), sob o título “Carrossel laranja”, tem essa dimensão. Segundo o jornalista, relatório do Ministério da Fazenda sobre movimentação financeira da Delta soma R$ 115 milhões em “transações atípicas” destinadas a um grupo de empresas de fachada cuja atividade se resumia em “emitir notas frias para esquentar os montantes desviados”.
Até aqui, apenas o famoso caixa dois. Mas de quem? No início do texto, Melchiades afirma, com base na documentação do inquérito, que o bicheiro Carlos Cachoeira “era, na verdade, o braço regional de uma quadrilha que atuava em todo o país com o objetivo de fraudar licitações e sugar dinheiro público”.
No penúltimo parágrafo, o articulista é bem específico:
“Mais 1: a mesma teia de laranjas aparece em projetos do PAC da Copa, do PAC da Mobilidade, do PAC do etc. Mais 2: essas firmas fantasmas foram empregadas também por outras construtoras grandes. Mais 3: seus pagamentos e saques cresceram em períodos eleitorais”.
Tudo sopesado, Melchiades Filho conclui que “o laranjal é (ou deveria ser) a nova fronteira das investigações”. Em outras palavras: a Delta pode ser a parte visível da pandilha.
Política, administração e crime organizado
Informações que circularam pela internet em meados de abril apontavam Cachoeira como a ponta visível de um amplo grupo de bicheiros/exploradores de caça-níqueis de diferentes regiões brasileiras. O que se tem agora é mais do que isso. Tratar-se-ia de uma organização que agrega mafiosos e construtoras, uma ampliação da dobradinha Cachoeira-Delta. Nas palavras do colunista da Folha, “um amplo esquema multipartidário de corrupção e a sujeição do sistema político ao crime organizado”.
A Delta e outras
A revista Época talvez seja a melhor fonte de informações consistentes acumuladas sobre o caso Cachoeira e conexos. Há quase três meses comparece semanalmente com notícias cada vez mais amplas sobre o escândalo. Na edição datada de 11 de junho, apresenta o personagem Rubmaier Ferreira de Carvalho, que ocupa uma das salas do escritório de contabilidade Teccon. Diz a reportagem que…
“a PF encontrou as digitais de Rubmaier na Brava Construções e na Alberto & Pantoja, as duas maiores empresas de fachada da rede de Cachoeira. Pelas contas bancárias das duas empresas passaram cerca de R$ 40 milhões entre 2010 e 2011. A maior parte desses recursos foi depositada pela Delta”.
Entre os R$ 115 milhões mencionados acima e esses R$ 40 milhões cabem R$ 75 milhões. Seria parcela correspondente à participação de outras construtoras no esquema?
Jornalismo e investigações policiais
Questiona-se, com razão, o “jornalismo sobre investigações”, tal como caracterizado pelo professor da Universidade de Brasília Solano Nascimento, autor do livro Os novos escribas (ver resenha aqui): reportagens inteiramente calcadas em atividades do Ministério Público ou da polícia, carentes de investigação jornalística propriamente dita.
Tão grave quanto isso, ou pior, é a falta de jornalismo sobre determinadas investigações judiciais, ou aspectos dessas investigações. É que às vezes a mídia simplesmente não tem força para enfrentar a coalizão de interesses que se ergue entre o vislumbre de uma grande história e a possibilidade de contá-la.
Foi-se o tempo em que fraudar licitações, obter aditivos e outras modalidades de roubo de recursos públicos eram praticados num circuito restrito de empresas e funcionários públicos. Crimes de colarinho branco tornaram-se negócios atraentes para gângsteres.
Esse parece ser o maior ensinamento do episódio Cachoeira, Demóstenes et caterva. Se roubar o Estado se tornou tão bom negócio, porque permaneceria território exclusivo de empresas, funcionários públicos e políticos?
Mas, atenção: quando um esquema é desvendado, ele, por isso mesmo, já foi superado e novas modalidades entraram em operação. Na moita.
Ou o distinto público supõe que os interessados iriam renunciar às quotas de dinheiro fácil e enriquecimento súbito, subproduto tão notório do processo eleitoral e administrativo brasileiro? Não é demais lembrar que obras de grande visibilidade são uma espécie de campanha eleitoral entre as datas bienais em que o cidadão é chamado às urnas. O espetáculo do marketing político é como as sessões do velho Cineac Trianon, no Rio de Janeiro: começa quando você entra na sala de projeção.