Quem acredita que mais da metade dos brasileiros já tinha ouvido falar, no início do ano, da conferência Rio+20? Ou que 93% dos torcedores aceitariam bem um jogador de futebol assumidamente homossexual? Imagino que nem ecoxiitas nem os organizadores da Parada Gay assinariam embaixo de resultados como esses, mas ambos tiveram destaque na Folha.
No último dia 16, “Ciência” divulgou pesquisa, feita em oito países, sobre temas ambientais. Além de se saírem bem na pergunta sobre o encontro da ONU, os brasileiros responderam corretamente o que é “biodiversidade” (46% de acerto; contra 10% dos alemães) e “desenvolvimento sustentável” (58%).
O levantamento foi feito com “consumidores de produtos de beleza e de alimentos industrializados das classes A, B e C” -uma amostra bem esquisita-, pela internet e só nas grandes cidades. Não é preciso muito mais para concluir que os entrevistados não correspondem à população brasileira e que não é possível tirar conclusões daí.
Na sexta-feira retrasada, foi a vez de “Esporte” dar a boa notícia: “Torcedores aceitam jogadores gays”. Para dar uma aura de cientificidade, a reportagem citava que a pesquisa tinha sido publicada no “British Journal of Sociology”. Chique, mas não dá para acreditar em um estudo feito pela internet, anonimamente, com voluntários de 35 países (85% deles ingleses).
Mesmo quando a pesquisa é séria, o enfoque escolhido pelo jornal, muitas vezes, atrapalha. Na terça-feira passada, “Cotidiano” publicou que “74% são a favor de penas mais severas para estupradores”. “Foi uma abordagem banal, bombástica e que pautou vários outros meios de comunicação”, lamentou Nancy Cardia, coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
O objetivo da pesquisa -feita em 11 capitais, o que significa que não dá para generalizar para “brasileiros”- era descobrir o que vítimas da violência pensam sobre direitos humanos e a ação da polícia. Nada disso entrou na reportagem publicada nem no que saiu na Folha.com (“Quase metade dos brasileiros apoia tortura para obter provas”).
Um jornal que tem um renomado instituto de pesquisa funcionando no mesmo prédio deveria ter mais critério na seleção dos levantamentos que publica.
No mês passado, “Cotidiano” abriu página informando que “62% não podem comprar casa em São Paulo”, resultado obtido pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). “Parece brincadeira de 1º de abril”, notou o professor José Eustáquio Diniz Alves.
Pesquisa do Datafolha de 2008 mostrava que 62% dos paulistanos já moravam em casas próprias. O número do BID saiu de um exercício de cálculo: pegaram o imóvel mais barato em oferta e levantaram a porcentagem dos que gastariam mais de 30% de sua renda para pagar um financiamento de 20 anos.
Questionada, a Redação respondeu que a diferença é que “o BID não considera casas construídas pelos próprios moradores”. Entre um dado real (a maioria dos paulistanos não precisa pagar aluguel) e a esquisita conta estrangeira, a reportagem ficou com a segunda.
A verdade é que jornalistas, que têm por hábito duvidar de tudo, costumam engolir cifras acriticamente. Um check-list ajudaria muito:
1) Como é composta a amostra? Não se impressione com milhares de entrevistas, já que quantidade não garante representatividade;
2) Como foi aplicado o questionário? Desconfie do que for feito pela internet: é difícil saber quem responde e, no Brasil, boa parte da população não tem acesso à rede;
3) Quem pagou a pesquisa? Transparência sempre ajuda;
4) Os números são comparáveis? É preciso saber se as bases de dados são equivalentes;
5) Outras pesquisas corroboram os resultados obtidos agora? Duvide de dados surpreendentes.
Existe hoje pesquisa para tudo. Na internet, enquetes obtêm dezenas de milhares de respostas e ganham ares de verdade. Cabe ao jornalista filtrar. Como recomenda sabiamente o “New York Times”, “manter pesquisas malfeitas fora das páginas do jornal é tão importante quanto divulgar as boas”.