Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa dá mais atenção ao espetáculo

 

Reportagem no jornal O Estado de S.Paulo revela que quatro brasileiros são citados numa lista do Banco Mundial que aponta 150 casos internacionais de corrupção (ver “Quatro brasileiros em lista internacional de corrupção”). A notícia, quase perdida no meio da enorme massa de informações sobre escândalos, que envolvem desde vereadores até presidentes de tribunais e senadores, poderia provocar aquele comentário gaiato do humorista: “Só quatro? E os outros?”

Os brasileiros citados nos arquivos do Banco Mundial (ver aqui) são o deputado Paulo Maluf, o banqueiro Daniel Dantas, o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira e o ex-secretário de Administração Tributária do Rio, Rodrigo Silveirinha Correa.

Paulo Maluf é acusado pelo procurador-geral de Nova York de ter movimentado ilegalmente US$ 140 milhões no Banco Safra, entre 1993 e 1996. Além disso, consta contra ele a acusação de haver desviado dinheiro de supostos pagamentos fraudulentos para contas em bancos de Nova York e da Ilha de Jersey, segundo o jornal. Oficialmente, Maluf manda repetir que “não tem nem nunca teve conta no exterior”.

Caso Banestado

Daniel Dantas, citado pelo caso Opportunity, quando teve US$ 48 milhões bloqueados em contas da Inglaterra, afirma em nota que se trata de dados desatualizados de 2008, quando a operação Satiagraha ainda não havia sido anulada pela Justiça brasileira.

[N. da R.: Em mensagem ao Observatório da Imprensa, a assessora do Banco Opportunity Elisabel Benozatti afirma que “em 2008, a farsa da Satiagraha ainda não havia sido desmascarada em toda a sua extensão” e “por conta de possíveis erros como esse, o Banco Mundial expressamente não garante a veracidade das informações”. E prossegue: “A Satigraha foi uma operação encomendada ancorada em provas forjadas e crimes financeiros inexistentes. Em 9 de novembro de 2010, Protógenes Queiroz, à época delegado e comandante da operação, foi condenado por fraude processual e violação de sigilo funcional pela 7ª Vara Criminal de São Paulo. O Ministério Público entendeu também que ele deve responder pelos crimes de prevaricação e corrupção passiva. Em junho de 2011, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela nulidade da Satiagraha.”]

Já o ex-controlador do Banco Santos Edemar Cid Ferreira alega que a lista não é oficial, uma vez que foi produzida pela equipe técnica do Banco Mundial e não reflete necessariamente as opiniões dos diretores executivos da instituição. Ele recorre na Justiça do processo em que é acusado de ter provocado rombo no Banco Santos e desviado recursos para seu patrimônio pessoal.

O ex-secretário Silveirinha, pivô do escândalo no Rio que também respinga no ex-governador Antony Garotinho, afirma por meio de seu advogado que não tomou conhecimento da lista. Aparece ainda na relação do Banco Mundial, mas não é citada pelo Estadão, a portuguesa Maria Carolina Nolasco, naturalizada americana, acusada de integrar uma rede brasileira de lavagem de dinheiro.

Está aí uma boa oportunidade para jornalistas interessados em reportagem investigativa. Com alguma experiência, pode-se vasculhar cada um desses processos e descobrir, por exemplo, quem eram os 60 clientes de Carolina Nolasco no caso de operações ilegais nos bancos Valley National e Merchants, uma vez que ela admitiu a culpa e concordou em devolver o dinheiro, segundo informa o portal Terra.

Essa lista de 60 brasileiros pode incluir surpresas interessantes. Entre outros, ela foi a doleira predileta do falecido coordenador de campanha Paulo Cesar Farias e de procuradores de famosos jogadores de futebol, além de um ex-assessor do falecido senador Antonio Carlos Magalhães. Essa é uma das ramificações do caso Banestado, que a imprensa brasileira adora ignorar.

Anulando provas

Mas esse não é o aspecto mais interessante do caso levantado pela lista do Banco Mundial. O que chama a atenção é como a história se repete sem que nos demos conta disso.

Na maioria desses escândalos, pode-se observar alguma instância do Judiciário bloqueando a ação da Polícia e do Ministério Público, seja pela demora nas decisões, pelo número de recursos admitidos ou pela ação direta na desqualificação do trabalho investigativo. O caso Satiagraha, por exemplo, está para se repetir nas acusações contra o bicheiro Carlos Cachoeira e seus sócios.

Enquanto a imprensa mantém seus holofotes na encenação política que se desenrola no palco da CPI, o desembargador Tourinho Neto, um dos magistrados do Tribunal Regional Federal em Brasília, votava pela anulação das gravações feitas pela Polícia Federal e consideradas como ponto de partida do processo contra Cachoeira.

Então, temos o seguinte quadro: os jornalistas passam os dias acompanhando o bate-boca entre parlamentares que estão mais interessados em fazer munição para a campanha eleitoral do que em esclarecer o caso Cachoeira, enquanto na Justiça Federal se articula uma operação que pode assegurar a impunidade de todos os envolvidos.

No frigir dos ovos, se não há uma satisfação para a demanda da sociedade por Justiça, corremos o risco de ver esboroar-se a confiança na própria democracia e suas conquistas fundamentais, como o direito à informação.

Portanto, em vez de dar palco a disputas políticas, a imprensa deveria adotar uma atitude firme na investigação de todos esses desvios, até mesmo para se preservar em meio ao descalabro geral.