O Diário do Pará ficou 50% mais caro no domingo, dia 3: passou a custar três reais. Nos dias de semana, continua a um real, tradução do esforço da empresa de Jader Barbalho para se equilibrar: um olho nos custos e outro na concorrência da família Maiorana.
O Liberalarriscou no ano passado se ajustar à realidade financeira: aos domingos o jornal deu um salto temerário, para R$ 4. A queda nas vendas foi imediata. Leitores migraram para o Diário. A maioria optou pelo outro jornal da casa, o Amazônia, que persiste a um real aos domingos e 75 centavos nos dias da semana.
Todos os três jornais diários têm perdido leitores. O Liberal mais do que todos, sobretudo para o irmão mais novo, que completou recentemente 15 anos, contra os 65 do carro-chefe da família. Essa concorrência imprevista pelos idealizadores do Amazônia, mas perfeitamente lógica, criou um desafio de difícil solução para os Maioranas: fechar o jornal mais novo para não ameaçar a longevidade da publicação mais antiga e de maior venda, ou sujeitá-la aos riscos do avanço do Amazônia?
Até quando será possível manter os dois jornais diários? Sem identidade, o Amazônia é uma versão compacta e seletiva do jornalão da família. Com um atrativo fundamental numa cidade de poder aquisitivo limitado como Belém, onde circulam de 80% a 90% das tiragens dos diários impressos: aos domingos é quatro vezes mais barato; nos dias da semana, quase três vezes.
A estratégia era para que o jornal mais novo tirasse leitores do concorrente odiado. O problema é que a sangria do irmão mais velho tem sido intensa, quase uma hemorragia. O Amazônia causou mais danos internos do que ao inimigo. O Diário teve redução de tiragem, mas anda é o líder do mercado.
Sua venda, porém, ficou menor do que a soma dos dois antagonistas, o que talvez explique a atitude dos Barbalhos: pagam caro pela filiação ao IVC, mas não usufruem dos seus dados sobre vendas, abre-portas no mercado de anunciantes e agências. Já O Liberal, que se desfiliou do instituto verificador de circulação, por ser flagrado fraudando suas vendas, hoje está sem qualquer auditoria de tiragem. A credibilidade de ambos no mercado nacional não pode ser boa.
Mentira recorrente
A tática usada é a da autopromoção, cuja intensidade atual não tem qualquer similar, e do lançamento de novos produtos, mesmo que fracos e repetitivos. No domingo de preço 50% mais caro, o Diário saiu com uma sobrecapa que anunciava um novo caderno, o D Especial. O tabloide absorveu dois cadernos anteriores e se tornou maior e mais bem impresso (numa gráfica de fora do Pará).
Uma comparação entre os dois jornais dominicais ajuda a situá-los. Era a edição de número 10.189 do Diário, que vai completar 30 anos (o que dá a média de um exemplar a cada um dos 365 dias do ano). Já a edição de O Liberal era a 33.587, que, dividida pelos 66 anos que o jornal fará em novembro, chega ao resultado absurdo: o ano tem mais de 500 dias na cronologia do jornal dos Maioranas. Essa fraude tem sido denunciada, mas os donos do jornal não a corrigem. É um caso raro de publicação que mente já no cabeçalho da primeira página. Façanha para o Guiness.
Contando tudo que a edição dominical continha, o Diário se apresentou ao leitor com 195 páginas, sendo 122 delas em formato grande, 124 em tamanho tabloide e mais seis páginas de encarte comercial. O número final é produto da conversão das páginas tabloides para o formato standard.
O Liberalinformou em sua capa ter 276 páginas. Mentiu mais uma vez. Circulou com 224. A diferença é simples de perceber: o jornal conta como página standard cada página em formato tabloide, duas vezes menor. Nesse tamanho o jornal dos Maioranas sai aos domingos com 128 páginas, quase o mesmo tamanho do Diário, com 124. O noticiário dos dois jornais também se equivale: 68 no primeiro e 64 no segundo. A maior diferença está nos classificados: 80 de O Liberal contra 58 do Diário. Com o acréscimo para os Maioranas de três encartes, somando 12 páginas, contra um só do Diário (3 páginas, feita a conversão do tabloide para standard).
Competição de seis com meia dúzia, pois.
***
Talentos à minuta
A Vale nada fez para partilhar com os brasileiros os seus 70 anos. Mas continuou a espalhar anúncios promocionais pela imprensa. No domingo, por exemplo, bancou, junto com o governo do Estado (que não regateia dinheiro quando colocado na parede pelos donos da imprensa), um tabloide de 32 páginas no qual O Liberal apontou os talentos do Pará. Foram três páginas de anúncio formal e duas de matéria redacional – não identificada como tal.
Se fosse uma coisa séria, não podia ser escolha de uma só pessoa ou, no caso de grupo, sem a identificação dos seus componentes. O jornal nada informou sobre quem fez a escolha e os critérios de seleção. A maior parte do elenco é de pessoas vivas e que estão na “crista da onda”. Mas como há três mortos, cabe indagar: por que outros paraenses ilustres que já faleceram ficaram de fora?
Mais uma vez, é coisa de última hora, executada sem qualquer preocupação cultural, técnica ou jornalística, como quase sempre nessas iniciativas de arrecadação de dinhero. Pegou-se o mais óbvio, o mais fácil e o que mais interessada à empresa que edita o jornal (e precisa de marketing para os seus veículos de comunicação). A ênfase foi à música e ao esporte. Fizeram parte da seleção:
** Ganso, Giovanni, Lyotto Machida e Mike Carvalho, atletas.
** Gaby Amarantos, Fafá de Belém, Lia Sophia, Felipe Cordeiro cantores populares; Atalla Ayan e Carmem Monarcha, cantores líricos; Banda Calypso; Kekéu, dança.
** Denner, André Lima, Lino Villaventura, Caroline Ribeiro moda.
** Dira Paes, cinema.
** Lúcio Mauro, Cacá Carvalho, teatro.
** Bené Nascimento, cartunista.
** Emmanuel Nasser, artista plástico.
** Benedito Nunes, cultura.
** Walmir da Costa, ministro do TST, Ophir Cavalcante, presidente da OAB nacional.
** João Coral Neto, empresário (da Vale, é claro).
Agora é a vez do Diário do Pará apresentar os seus talentos. Só que na forma de livros. Começando com gente da casa, o empresário Junichiro Yamada, do maior grupo de varejo do Estado.
***
A mão invisível do poder
Manhã de sábado, dia 2. Um amigo liga para me parabenizar. A edição deste jornal saíra sem uma referência aos Maioranas. Assim seria melhor. Eu que os deixasse de lado.
Sem conseguir controlar por completo o impulso de indignação que o assunto me provoca, respondi que se eu o atendesse estaria também fazendo o jogo dos Maioranas e de outros poderosos. Eles me levaram às barras dos tribunais não só para me impor uma condenação, com todas as suas consequências.
A sentença é o algo a mais. Ainda que ela não saia ou não atenda os seus propósitos, até o trânsito em julgado das ações, por longos anos, eu estarei preso ao emaranhado das várias instruções processuais. Não terei o tempo necessário para fazer boas edições do jornal. Em alguns momentos, nem mesmo para garantir o pão de todos os dias, cuidar da saúde, usufruir das amizades, viver a vida.
Meus leitores sentem quando os processos estão efervescendo. A pauta de matérias fica anêmica, os erros se repetem, os temas são tratados sem a amplitude e a profundidade que têm. E não sabem de toda reza porque, atento às circunstâncias, evito dar aos meus algozes importância desmedida, recorrência desgastante.
Entendo a preocupação e o sentimento do amigo que telefonou. Estava sinceramente alegre por supor que, não falando dos Maioranas (e, na verdade, falei), estaria me livrando da coroa de espinhos e aliviando meus leitores. Eu devia ter sido mais compreensivo na conversa. O tom de certa impaciência e irritação sugere que não tenho mais isenção de ânimo e o humor de sempre, mesmo quando estou em situação complicada,
Móvel das ações
Não é assim, porém. O desafio é que é difícil de resolver. Há muitos leitores enfastiados de “Maioranazites” neste jornal. Sua reação não está desprovida de razões e bom senso. Antes de se deixar levar pelo enfado e o primeiro movimento instintivo, deviam pensar melhor: será mesmo que me excedo? Virou uma monomania? Uma obsessão?
É preciso submeter o que escrevo sobre meus principais perseguidores a um teste de consistência, perguntando ao texto: ele contém fatos? Há fatos novos no conjunto de informações? Esses fatos novos são relevantes? Tem interesse público? Trata-se de reação pessoal, personalíssima, ou expressa um problema maior, como censura, repressão à liberdade de pensamento, parcialidade da justiça, manipulação da opinião pública, sonegação de fatos do interesse da sociedade, manobra comercial, acordo espúrio com integrantes do poder público, transformação de interesse particular em coisa pública e etc.?
Se o que escrevo tem fundamento em algumas dessas bitolas temáticas, então é meu direito – e mais do que isso, meu dever – continuar a acompanhar o que os Maioranas fazem na esfera da vida pública, na arena dos assuntos de repercussão coletiva. Por que essa perseguição através da justiça começou, em 1992, desdobrando-se em nada menos do que 19 ações judiciais?
Porque eu revelei a disputa pelo poder dentro da empresa entre os irmãos Romulo Maiorana Júnior e Rosângela Maiorana Kzan. Irritada pelo meu primeiro texto, ela tentou intervir no que eu ia escrever, através do marido, o advogado Calilo Kzan Neto, que era meu amigo e ocupava o mesmo prédio onde eu trabalhava.
Se eu tivesse feito sua vontade, nos teríamos tornado aliados e eu iria participar da guerra intestina do grupo Liberal. Ofereci-lhe espaço para sua versão, mas continuei a ser o único dono do texto final e a responder pelo que dele constava. Reproduzi o que Rosângela mandou dizer pelo marido, mas reafirmei as informações do primeiro artigo. Simplesmente porque tudo era verdadeiro. Por isso sofri cinco processos sucessivos.
Mas continuo a adotar o mesmo tipo de procedimento que já era minha característica desde os primeiros dias como jornalista profissional, 46 anos atrás. O prêmio Vladimir Herzog me foi concedido agora não por uma reportagem, mas pelo conjunto da obra. Ela pode desagradar a muitos, e, sobretudo, a uns tantos poderosos, mas tem coerência e solidez. Logo, devo mantê-la assim até o fim dos meus dias. É a minha marca e, se chegar a tal, meu legado.
Os leitores que me escrevem ou telefonam incomodados pela frequência dos Maioranas nas páginas do Jornal Pessoal, se pretendem contribuir para a continuidade e a melhoria do jornal, devem formular suas questões depois de analisar cada matéria pelos parâmetros indicados ou por mais aqueles que considerarem válidos. O simples enfado, a reação apenas ditada pelo incômodo, pode acabar servindo aos propósitos dos meus perseguidores.
Sei que a esmagadora maioria daqueles que se manifestam a respeito é movida pelos bons propósitos. Não alguns lobos em pele de cordeiro. Falando como a querer o meu bem, dizendo que buscam me desviar do caminho viciado, que me conduzirá à exaustão e ao isolamento, na verdade servem ao objetivo de me censurar. Esse é o móvel de todas essas ações judiciais (e o objetivo de vários integrantes da magistratura paraense, aliados da causa do grileiro Cecílio do Rego Almeida e dos Maioranas, alguns deles os que maior poder detêm na nobre instituição estadual).
Telhado de vidro
Preciso ter senso de equilíbrio, objetividade e responsabilidade sempre que escrever sobre os donos do grupo Liberal (como, de resto, sobre todo e qualquer assunto incluído neste jornal). Preciso me colocar na posição contrária, a do leitor, que recebe minhas matérias.
Uma vez imbuído desses princípios, não posso excluir do meu escopo que a atitude de resistência mais importante deste jornal é a de não aceitar as medidas de força e coação contra o que dele faz parte, contra o que nele incomoda os donos do poder.
Os Maioranas têm uma parte considerável desse condomínio. Seus veículos de comunicação representam formidável instrumento de pressão com o qual seduzem uns, amedrontam outros, iludem muitos e lhes possibilitam atirar pedras e esconder a mão, impedindo que o distinto público veja seu imenso telhado de vidro.
Enquanto puder, o Jornal Pessoalserá uma barreira a esse tipo de manobra. Por aqui, ela não passará.
***
[Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)]