‘A cobertura de grandes eventos diplomáticos é geralmente ampla e, na essência, uma resenha de documentos finais e entrevistas confiáveis de seus participantes. Já os encontros de diplomatas e chefes de Estado a portas fechadas são sempre precedidos e sucedidos por aquilo que o povo chama de ‘cerca Lourenço’ (quem souber a origem dessa expressão por favor conte para todos nós).
Ninguém sabe o que o ministro José Dirceu realmente foi conversar com a ministra Condoleeza Rice (arroz doce em tradução quase literal, porque Condoleeza é uma bem-achada adaptação do italiano – con dolcezza ou ‘com doçura’ – a um sobrenome anglo-saxão que significa ‘arroz’) e nossa imprensa listou até agora uns vinte temas para a breve escala que ela faz no Brasil a caminho de Santiago, para participar da Comunidade das Democracias.
De tudo que foi dito por nossos jornais, o experiente ex-embaixador Rubens Barbosa parece ter feito o melhor resumo das possibilidades de tópicos nesta conversa Brasil-USA (O GLOBO, 26/4, página 7, ‘A visita da pianista dos Volcanos). À lista do embaixador só ouso acrescentar um outro tema, soprado por um outro diplomata brasileiro como altamente provável no papo de d. Condoleeza: que tal o Brasil, tão interessado na conquista de um lugar entre os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, aceitar a inclusão entre os participantes da Força Internacional de Paz no Afeganistão, repetindo o que vem fazendo no Haiti?
Mas o ponto principal da viagem da Secretária de Estado é a reunião em Santiago, da qual participarão 141 países (17 como observadores, inclusive Iraque). Em 1999 a Comunidade foi criada por Estados Unidos, Chile, México, República Checa, Portugal, Polônia, Índia, Coréia, Mali e África do Sul (três da América, três da Europa, dois da Ásia, dois da África). O objetivo seria reafirmar ‘o compromisso com os princípios fundamentais da democracia e a promoção da democracia em todo o mundo’.
A reunião tem o aspecto inovador da participação de organizações não-governamentais, embora não diretamente. As ONGs fazem um encontro paralelo mas suas decisões e/ou recomendações fazem parte dos documentos oficiais da Comunidade das Democracias.
Os Estados Unidos levam a esse foro a sua visão da democracia – tanto o exemplo positivo da soberania popular e das liberdades individuais durante 229 anos ininterruptos, como a truculência da ‘estratégia nacional’ formulada pelo governo Bush, segundo a qual a força militar poderá ser usada para defender os interesses americanos que se misturam, nessa visão, com os objetivos dos criadores de sua República, em 1776.
Na primeira reunião da Comunidade (2000) os países participantes (mais de cem) assinaram a Declaração de Varsóvia, em que a promoção dos direitos humanos, conforme enunciados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi determinada como objetivo principal da Comunidade. O texto também deu ênfase à importância ‘de promover a sociedade civil mediante eleições livres e justas, poder judiciário independente, transparência e prestação de contas no governo e responsabilidade do governo perante os cidadãos.’
Na Coréia do Sul, – local da segunda reunião (2002) – a chefe da delegação americana, Paula Dobrianski, afirmou com razão que era a primeira em que países se reuniam ‘não devido a semelhanças regionais, étnicas ou religiosas, mas em razão da identidade de valores e respeito aos direitos humanos fundamentais.’
Mas, já refletindo a situação pós-11 de setembro de 2001, apontava a cooperação regional como meio de proteger e promover a democracia, bem como a necessidade de enfrentar as ameaças à democracia, inclusive o terrorismo.
Pela primeira vez, os Estados Unidos estão enviando à Comunidade das Democracias o diplomata número 1. Das outras vezes sua representação esteve a cargo de subsecretários. Pode ser apenas uma questão de personalidade – nem nosso presidente Lula conseguiu superar Condoleeza Rice com suas 22 viagens em apenas três meses – mas pode também sugerir que os Estados Unidos procurarão demonstrar com maior clareza como a defesa da democracia e dos direitos humanos justifica plenamente, de acordo com sua ‘estratégia nacional’, os cem mil mortos civis no Iraque (até agora).’
JB
Milton Coelho da Graça
‘Até onde o JB vai descer a ribanceira?’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 2/05/05
‘Marcus Barros Pinto não é mais editor-chefe do Jornal do Brasil. Cansou. E as duas gotas finais foram o acerto do sr. Nelson Tanure com Ziraldo (para cuidar do caderno B) sem dar a menor satisfação a Marcus, e o artigo do sr.Tanure publicado na edição deste domingo (1/5), anunciando (também sem qualquer conversa prévia) mudanças no caderno Idéias.
O autoritarismo da direção do jornal e a interferência total na área editorial chegam a um ponto jamais tentado por nenhum dos grandes jornais brasileiros. E tudo indica que ainda não encontrou seus limites de ‘inovações’ na imprensa.
O Jornal do Brasil já não é mais ligado à Associação Nacional dos Jornais e, segundo informações de profissionais que estiveram envolvidos com o comando editorial, porque a direção não aceita as condições impostas aos associados da ANJ, especialmente o Código de Ética, que proíbe a publicação de textos pagos por anunciantes sem indicação de serem material publicitário.
O jornal fez um novo tipo de acordo com os responsáveis pela propaganda do governo estadual do Rio de Janeiro: espaço em troca de um pacote de assinaturas (dez mil, segundo informações confiáveis). O mesmo acordo está sendo oferecido a empresas privadas.
Com isso, o JB procura informar às agências de publicidade e aos clientes, através do IVC – Instituto Verificador de Circulação – números maiores de circulação, graças ao aumento de assinaturas pagas. Tecnicamente, o IVC permite a inclusão de assinaturas vendidas por permuta até o limite total de 20% da circulação paga. A checagem é feita pelo exame das faturas. Mas o Instituto não se preocupa em saber se o espaço no jornal foi preenchido por anúncios explícitos ou disfarçados em matéria editorial.
Para governos é uma beleza disporem da possibilidade de dar o seu recado (falso ou verdadeiro) sob a forma de notícia. O público leitor é a primeira grande vítima nesse ‘golpe do paco’ editorial, que se beneficia do conluio antiético entre o jornal e o governo ou empresa. A segunda é a credibilidade da imprensa e, naturalmente, dos jornalistas em geral.
Os números mais confiáveis sobre a verdadeira circulação diária do JB são assustadores – nas bancas do Rio ela é inferior, em alguns dias, a 12 mil.
É lamentável que o governo do Rio tenha aceitado participar desse esquema. O pior é que existem indicações de que ele não está sozinho nessa prática.’
RIO & VIOLÊNCIA
‘Jornais paulistas dão destaque a violência no Rio’, copyright O Globo, 1/05/05
‘Dois jornais paulistas – ‘O Estado de S. Paulo’ e a ‘Folha de S. Paulo’ – dedicam considerável espaço às notícias sobre violência no Rio. No ‘Estado’, os textos de temática paulista somaram 44,7%, enquanto as reportagens sobre o Rio são 28,5% e o espaço dedicado a Minas Gerais soma 4,5%. Na ‘Folha’, as notícias sobre o Rio chegaram a 28,8% contra 46,8% sobre o estado de São Paulo e apenas 3,4% sobre Minas.
As informações constam da pesquisa inédita ‘Mídia e Violência – Como os jornais retratam a violência e a segurança pública no Brasil’, feita pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec). A pesquisa se debruçou sobre 2.514 textos jornalísticos veiculados entre maio e setembro passados por nove jornais nas três principais regiões metropolitanas do país – Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo. A pesquisa será apresentada amanhã num seminário, das 9h30m às 14h, na Universidade Candido Mendes, na Rua da Assembléia 10, no Centro.’
TODA MÍDIA
‘A derrota’, copyright Folha de S. Paulo, 2/05/05
‘O site do britânico ‘Financial Times’, entre outros, anunciava ontem que a Organização dos Estados Americanos se reúne hoje em Washington para eleger o chileno José Insulza como secretário-geral:
– O mexicano apoiado pelos EUA, que têm dominado historicamente a OEA desde a criação em 1948, desistiu.
Segundo a também britânica agência Reuters, a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, ‘aceitou a derrota’.
Em troca, teria conseguido do socialista chileno a promessa de questionar, na OEA, quem não ‘governar democraticamente’.
Nos EUA, foi um espanto.
A secretária, em entrevista reproduzida no site do Departamento de Estado, lançou a palavra-chave, ‘consenso’.
O correspondente Larry Rohter, no ‘New York Times’, comprou e abriu a reportagem falando em ‘escolha de consenso’. Mas também ele notou, mais à frente, que ‘é a primeira vez na história em que um candidato ao qual os EUA se opuseram vai liderar a organização’.
O ‘Los Angeles Times’ saiu destacando que em meio século ‘candidatos apoiados pelos EUA nunca haviam perdido’:
– Mas no fim o bloco liderado pelos presidentes Ricardo Lagos e Lula prevaleceu.
O ‘Washington Post’, que só reproduziu a agência americana AP, dourou a pílula já no título, falando em ‘Secretária feliz com nova direção da OEA’. O ‘Miami Herald’ deu que ela até ‘considera elevar as contribuições americanas à entidade’.
Mas um ‘funcionário’ do Departamento de Estado avisou no mesmo ‘Miami Herald’:
– Eu espero que [o consenso sobre o chileno] seja recebido com apreço real na América do Sul. Que eles reconheçam que ela [Rice] foi inteligente o bastante e teve fé neles o bastante para procurar unir a região em vez de alcançar uma vitória de Pirro de curta duração.
Comentando a vitória anunciada, o chileno ‘La Tercera’ ressaltou ontem o ‘lobby intenso’ realizado pelo Brasil.
E o ‘Financial Times’ citou que José Insulza ganhou com apoio do venezuelano Hugo Chávez, que até ‘ofereceu petróleo em troca de votos dos pequenos países do Caribe’.
E é ele o alvo da ressalva, aceita pelo chileno, contra quem não ‘governar democraticamente’.
‘O EIXO’
Saiu no colombiano ‘El Tiempo’, no chileno ‘La Tercera’ e outros o Barômetro Latino-americano de Governabilidade, pesquisa sobre presidentes. Desta vez, no título do ‘El Tiempo’, ‘Fidel, Chávez e Lula, os três mandatários de esquerda, são as figuras mais destacadas’. Formariam um ‘eixo’ que se destacou nas respostas à questão ‘quem é o líder mais importante da América Latina’. Para o jornal, é uma prova da ‘aceitação que está tendo a abertura de uma brecha com ares esquerdistas no outrora sólido bloco pró-EUA’.
Por aqui, longe da projeção no hemisfério, Lula não foi aos milionários shows de 1º de Maio, mas à missa no ABC, onde escutou nova homilia contra o desemprego -e, na edição do Fantástico, saiu entre aplausos.
‘Não existe’
Celso Amorim se juntou aos chanceleres de México, Nova Zelândia, África do Sul e Suécia para um artigo no ‘International Herald Tribune’, em defesa dos respectivos programas nucleares, intitulado ‘O que não existe não pode proliferar’.
Começam hoje em Nova York as conversas para revisão do tratado de não-proliferação.
Dois sandinistas
O ‘Miami Herald’ vem tentando entender, a cada edição, o que ocorre na Nicarágua, onde está para cair o presidente.
A tese é que a oposição sandinista se dividiu em duas, como toda a esquerda -de um lado o ex-presidente Daniel Ortega, um Chávez, e do outro o ex-prefeito Herty Lewites, um Lula.
A torcida é pelo segundo.
DESAGRADÁVEL
No dizer de Glória Maria, do Fantástico, ‘Severino Cavalcanti viveu uma experiência bem desagradável’. Segundo a Globo, ele foi ‘hostilizado’ no showmício da Força Sindical. Segundo a Folha Online, ele ‘foi recebido com vaias e gestos com os dedos’. No enunciado da rádio CBN à tarde, ‘um milhão vaiam Severino’.
Mas Severino não está nem aí, declarou ao Fantástico que não ouviu vaias (‘recebi aplausos, recebi aplausos’). E segue em frente, roubando dia após dia a cena de governistas e de oposicionistas, em toda a mídia.’
FSP
Folha de S. Paulo
‘Caos Publicitário ‘, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 2/05/05
‘São Paulo não teve a felicidade de ser agraciada com a beleza natural de um Rio de Janeiro ou de outras cidades, mas nem por isso o poder público está autorizado a transformar a capital paulista em palco de uma anarquia publicitária, em que faixas, letreiros e cartazes disputam palmo a palmo exíguos espaços de uso comum.
Ninguém sabe ao certo quantos anúncios publicitários existem na cidade. As estimativas variam entre 4 milhões e 6 milhões, a maioria dos quais em situação irregular. Nos fins de semana e feriados o problema é ainda mais grave, pois placas sobre cavaletes anunciando lançamentos imobiliários passam a invadir as geralmente estreitas calçadas da metrópole, obstruindo o trânsito dos sempre preteridos pedestres e atrapalhando a visão dos motoristas.
Em teoria, a exposição desse material rende dividendos ao poder municipal. A tomada do espaço público não configuraria grilagem; seria antes um aluguel. A colocação de 20 cavaletes num determinado local pelo período de um mês rende R$ 9.879 aos cofres públicos. O problema, de novo, é que 90% das mensagens estão em situação irregular.
Se acompanhado de um aumento da fiscalização, esse sistema é uma fonte legítima de recursos para a prefeitura. Mas não ao preço de prejudicar o munícipe. A função precípua das calçadas é permitir a circulação de pedestres. Além disso, é imperativo para a segurança do tráfego de veículos que motoristas tenham plena visão dos cruzamentos.
Se o poder público quer continuar gozando das receitas proporcionadas por esse tipo de publicidade, deve regulamentar suas dimensões e suportes de modo que ela não comprometa as funções essenciais das calçadas. Nos espaços públicos, são pessoas, e não propagandas, que devem ter prioridade.’