O escândalo de Watergate produziu muitos nomes familiares: os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein do Washington Post, o juiz John J. Sirica, o assessor de Nixon, John Dean. Mas alguém deixado fora da narrativa popular foi a pessoa responsável por garantir que o presidente Richard Nixon deixasse o cargo.
Seu nome é Alexander Butterfield. Em 13 de julho de 1973, Butterfield disse aos investigadores do Senado que Nixon possuía um sistema de gravação em fita. Ainda não se sabia, naquele momento, como aquelas fitas seriam terríveis. Mas elas provariam que Nixon havia tentado encobrir a invasão do comitê democrata no hotel Watergate em 17 de junho de 1972.
Na condição de vice-chefe de gabinete da Casa Branca, Butterfield administrava a programação da Ala Oeste do presidente. Ele sabia que, em fevereiro de 1971, um sistema de gravação ativado por voz fora instado no Salão Oval e em outras áreas porque ordenara ao Serviço Secreto a fazê-lo. Somente um punhado de pessoas conhecia a existência do sistema. E não fosse a revelação de Butterfield, o sistema poderia ter permanecido secreto.
Sem intenção de trair
Em maio de 1973, quando o Comitê Seleto do Senado sobre Atividades da Campanha Presidencial publicou uma lista de pessoas que pretendia interrogar, Butterfield não estava nela. “Fiquei um pouco surpreso, mas aliviado, pois não tivera nada a ver com Watergate”, contou-me Butterfield, em 2002, quando eu fazia pesquisas para um livro.
Butterfield, hoje com 86 anos, havia deixado a Casa Branca em dezembro de 1972 para chefiar a Agência Federal de Aviação (FAA). Quando a lista do comitê foi publicada, ele achou que estava seguro. Sabia que possuía um segredo valioso, mas era também um leal republicano, sem nenhuma intenção de trair.
Veio então uma ligação telefônica. Investigadores do Senado queriam saber o que ele sabia, se é que sabia de algo. Ele foi convidado para uma pré-entrevista padrão na sexta-feira, 13 de julho. Antes de ir, teve uma conversa franca com sua mulher, Charlotte. “Eu não queria mentir”, recordou Butterfield. “Nunca tive a ideia de mentir. Mas sabia a importância que o segredo teria para Nixon”.
Ele e Charlotte acertaram que Butterfield não falaria nada voluntariamente; ele só responderia a uma pergunta direta. “Se os investigadores me fizerem uma pergunta indireta ou confusa”, disse Butterfield, “eu estaria justificado em dar uma resposta indireta e confusa”.
Após algumas horas de perguntas, Butterfield sentiu que estava seguro. Aí os questionamentos se voltaram para o gravador de fita Dictaphone do presidente. Tarde da noite, Nixon ditava cartas num gravador para sua secretária, Rosemary Woods, datilografar no dia seguinte. “Havia outros aparelhos de gravação além do sistema Dictaphone que mencionou”, ele se lembra de ter sido perguntado. A sessão não era gravada, o que ocasionou uma polêmica sobre quem fizera a pergunta. Alguns dizem que foi o investigador democrata Scott Armstrong, mas muitos, entre eles Butterfield, dizem que foi o investigador republicano Donald Sanders.
Butterfield gelou. Era uma pergunta direta. Ele hesitou, respirou fundo, e respondeu: “Sim”. A sala ficou em silêncio. A tensão era palpável. “Eles eram jovens”, contou-me Butterfield. “Estavam extáticos. Eu disse, ´Esperem aí. Vamos falar sério. Sei que esta informação que lhes dei é monumental. Vamos tomar cuidado com isso”. Mas era tarde demais. Os investigadores perceberam de imediato o significado da existência das fitas”, contou Butterfield.
Fitas reveladoras
Na segunda-feira seguinte, com as câmeras de TV apontadas para ele, Butterfield testemunhou ao comitê seleto do Senado que Nixon tinha um sistema de gravação em fita no Salão Oval. A maioria rapidamente percebeu que as fitas poderiam ser reveladoras sobre a invasão de Watergate.
“Francamente, não gosto de ser conhecido como o homem que revelou a existência das fitas”, contou-me Butterfield. “Faz parecer que eu saí correndo direto para o comitê de Watergate e lhes contei ansiosamente a informação que Nixon considerava altamente secreta. Não foi assim. Eu estava diante de um verdadeiro dilema: queria muito respeitar os desejos de Nixon e ao mesmo tempo ser cooperativo e honesto com os investigadores do Congresso. A formulação de suas perguntas significava muito para mim. E quando Don Sanders, o vice-conselheiro da minoria fez a pergunta crucial, clara e diretamente, eu senti que não tinha outra escolha senão respondê-la da mesma maneira”.
Nixon lutou legalmente até onde pôde para segurar as fitas. Ele até ignorou sugestões para queimá-las. Os advogados de Nixon argumentaram diante da Suprema Corte que as fitas eram protegidas por privilégio executivo. Em 24 de julho de 1974, os juízes decidiram o contrário. Por oito votos a zero – o juiz William Rehnquist se absteve – Nixon foi ordenado a entregar as fitas.
Quinze dias depois, o presidente dos Estados Unidos renunciava. “Se não se tivessem as fitas, haveria uma ambiguidade em tudo isso”, disse Woodward numa conferência em Washington em abril. “É a clareza das fitas. As pessoas que as ouviram, particularmente os republicanos do Comitê do Judiciário da Câmara, não tratariam apenas da substância, mas da fúria que acometia Nixon sobre coisas pequenas e a sua indiferença pela lei”.
A mãe de Butterfield o considerou um herói.
Butterfield sabia, contudo, que havia queimado pontes. Oito meses depois, ele era destituído da chefia da FAA.
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[Alicia Shephard é autora de Woodward & Bernstein: Life in the Shadow of Watergate]