Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sebastião Nery

‘Há exatos 40 anos, em 1965, o coronel Meira Matos, nomeado por Castelo Branco interventor de Goiás, invadiu Goiânia, cercou o palácio das Esmeraldas, derrubou o governador Mauro Borges, prendeu e cassou o governo inteiro e pôs o marechal Emílio Ribas no comando do Estado.

Leonardo Mota, editor político da TV Tupi, ligou à noite para o palácio:

– O governador está?

– Aqui fala o capitão. Qual dos dois governadores? O coronel ou o marechal?

– Qualquer um dos dois serve.

– Nenhum dos dois está. Nem o coronel nem o marechal. Um major serve?

– Não, capitão, obrigado. Nem sempre qualquer um serve.

Kajuru

Esta é uma história exemplar da imprensa brasileira. A TV Anhanguera, afiliada da TV Globo em Goiás, comprou da Federação Goiana de Futebol os direitos de cobertura exclusiva do campeonato de futebol de 2001. E ganhou das demais redes de TV, em licitação, por ter apresentado os melhores preços.

Então, tudo bem. Nada disso, tudo mal. Acontece que a TV Anhanguera só apresentou os melhores preços porque o governo do Estado patrocinou o campeonato, através da troca de nota fiscal por ingresso. Com o dinheiro público, a Anhangüera ficou numa posição desleal para derrubar as outras.

E pior. O lançamento da campanha foi no próprio palácio do governo estadual. O bravo radialista Jorge Kajuru, dono da Rádio K, denunciou a fraude: ‘Se o governo patrocinou, com dinheiro público, a transmissão não pode ser exclusiva. Por que o governo deu de presente para ela? Fizeram uma tabelinha, o Governo e a Organização Jayme Câmara (dona da TV Anhangüera). É a famosa história do oportunismo. Puro oportunismo. Ela, a Organização Jayme Câmara, usou de má fé. Usou a história do ‘se colar, colou’. É o oportunismo. ‘Em Goiás, para a OJC e a Globo, não há lei’.

Jayme Câmara

Por essa crítica, por causa exatamente dessas palavras, a Organização Jayme Câmara e a TV Anhanguera entraram com dois processos contra o radialista Kajuru. E o juiz da 12ª Vara Criminal de Goiânia condenou Kajuru a 9 meses de prisão em um processo, 9 no outro, e a pagar R$ 200 mil.

Se a justiça brasileira fosse condenar os jornalistas que dizem coisas semelhantes de qualquer autoridade pública, as direções e redações de jornais já tinham sido transferidas, todas, presas, para albergues. O próprio Jayme Câmara Júnior e as redações da TV Anhangüera, do jornal O Popular e do Jornal de Brasília estariam há muito na cadeia, desde os tempos do saudoso fundador Jayme Câmara, valente deputado de Goiás, cassado no golpe de 64.

Às vezes, filho de peixe não é peixinho. Vem o filho e suja a água. Imaginem se a justiça fosse condenar todos os jornalistas que dizem de Lula, dos governadores Marconi Perilo, de Goiás, e Joaquim Roriz, de Brasilia, de Severino Cavalcanti, dos ministros e tantos dirigentes públicos e políticos, muito mais do que Kajuru disse do contubérnio da Anhanguera com a FGF.

E, agora, o fim da patusca novela. O ‘advogado’ de Kajuru, Marcelo Nascente Gomes, das mesmas bandas da TV Anhanguera, ‘perdeu o prazo’ (!), não recorreu ao tribunal e Kajuru ficou sem a justiça que o juiz não fez.

Como há 40 anos, em Goiás nem sempre qualquer um serve.

ANJ, ABI, FENAJ

Kajuru escreve na Folha, apresenta programas de esporte no SBT e na ESPN. Desde o fim da ditadura, há 20 anos, foi o único jornalista brasileiro condenado e preso por opinião (e, repita-se, muito leve, amena e verdadeira).

Inacreditável é a cara de pau e a inutilidade das ‘entidades de classe’ (sem nenhuma classe) do jornalismo brasileiro. Todo mês estão fazendo seminários sobre ‘liberdade de imprensa’, ‘ética’, no mundo, América Latina, no Brasil. Aprovam longos e hipócritas manifestos. E sempre condenando a ‘falta de liberdade de imprensa’ em Cuba, Venezuela, Colômbia, China.

A ANJ (Associação Nacional dos Donos de Jornais) ainda há poucos dias reuniu-se no Sul e deitou falação sobre ‘liberdade de imprensa’. Não só não reclamou da violência de um de seus associados contra Kajuru, como acobertou, para que nenhuma denúncia explicita fosse publicada. Nem a ABI e a FENAJ, que existem para defender os jornalistas, também nada disseram.

Nesta semana, 3 de maio, Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, a organização ‘Repórteres sem Fronteiras’, com sede na França, divulgou seu relatório anual, dizendo que ‘a liberdade de imprensa é geralmente respeitada na América Latina, mas simplesmente não existe em Cuba, é freqüentemente violada na Colômbia e enfrenta leis restritivas da Venezuela’.

E denunciou: ‘No continente, os países mais perigosos para jornalista são Colômbia, México, Brasil e Peru. Em todo o mundo, foram 53 mortos e 107 presos. Cuba é o único do continente com jornalistas presos: tinha 29, soltou 7, tem 22’.

Era. Agora, o Brasil entrou na lista negra. Também tem um preso.’



Sérgio Bento

‘Apresentador Jorge Kajuru começa acumprir pena em regime aberto’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 4/05/05

‘O apresentador de televisão Jorge Kajuru compareceu, na manhã de ontem, à 12ª Vara Criminal de Goiânia (GO), onde recebeu ciência formal do trânsito em julgado da sentença de sua prisão em regime aberto. O termo contém as cinco condições que foram impostas a ele para o cumprimento da prisão de 18 meses, a partir de 28 de maio próximo, se recolhendo no albergue todos os dias, às 20h, e podendo sair às seis da manhã.

Veja íntegra em: www.espacovital.com.br’ .

A recente condenação do apresentador Jorge Kajuru a pena de 18 meses de prisão, em regime aberto, é um desserviço da justiça brasileira à liberdade de imprensa no País. O patético, no caso, é que a punição se originou a partir de queixa formulada por um proprietário de veículo de comunicação.

Kajuru é o primeiro jornalista condenado à prisão após o fim da ditadura militar no País. A sentença é infeliz e abre precedente perigoso. É uma porta aberta para a volta da censura.

A classe jornalística e a sociedade civil organizada precisam reagir de forma muito vigorosa e transformar a condenação do apresentador em bandeira de luta coletiva.

O envio de jornalistas à prisão em um regime supostamente democrático é um descalabro. E causa perplexidade, indignação e repulsa em qualquer cidadão de bom senso. Que se punam eventuais excessos, mas com equilíbrio. Para tanto existem, por exemplo, o direito de resposta, a retratação do ofensor, punição pecuniária e até a aplicação de penas alternativas. Jornalistas não representam perigo à coletividade, ao contrário de muitos outros bandidos que, por lentidão da Justiça e ineficiência policial, seguem lépidos e fagueiros pelas ruas, levando pânico à população.

Um jornalista na prisão em um regime civil e democrático parece ficção, filme de terror. É algo muito pior do que as perseguições e agruras dos chamados Anos de Chumbo do Regime Militar. Antes as baionetas e a força bruta sufocavam as liberdades individuais. Já no regime democrático atual todo um arcabouço jurídico confere legalidade ao ato. É como se uma guilhotina pairasse, doravante, por sobre as cabeças de todos jornalistas pátrios.

Enquanto isso ladrões, mequetrefes, corruptos, traficantes e salafrários seguem livres e soltos, infelicitando toda a Nação. Pobre país! Triste Justiça! Que Deus se apiede de nós.’



LIBERDADE DE EXPRESSÃO
O Estado de S. Paulo

‘Um mutirão pela liberdade’, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 8/05/05

‘A luta pela liberdade de expressão, que é ínsita à conquista e preservação dos direitos de cidadania, próprios de uma sociedade democrática, tem hoje duas vertentes. A primeira é a clássica, contra formas de controle censório exercido por regimes autoritários de governo – que, no caso brasileiro, por força dos cerceamentos à comunicação impostos pelas ditaduras, a de Vargas e a dos militares, acabou resultando num exemplar repúdio, consignado em nossa Constituição, a toda e qualquer censura prévia. A segunda, mais contemporânea, diz respeito à diversidade da comunicação e à garantia da livre concorrência para obtê-la – o que, em última instância, significa a luta pela liberdade comercial e contra a instalação de sistemas de monopólio das comunicações, pois estes também impedem que aos cidadãos seja levada uma multiplicidade de visões, de opiniões e de interpretações das informações, coisa que sempre foi essencial nas democracias autênticas.

Por ocasião da abertura do 6.º Encontro Brasileiro de Agências de Publicidade, o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Nelson Sirotsky, propôs um mutirão dos representantes de jornais, revistas, rádio e televisão para derrubar cerca de 200 projetos de lei, em tramitação no Congresso Nacional, que representam ameaças às liberdades de expressão e de comércio em nosso país. Como se vê, embora tenham se tornado especialmente emblemáticos da inclinação controladora e censória do governo Lula , os famigerados projetos de criação do Conselho Federal de Jornalismo e da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) estão longe de serem os únicos. E às duas centenas dos mencionados por Sirotsky deve-se acrescentar dois outros projetos que ferem a liberdade de concorrência, por favorecerem a extensão de domínio dos que já dominam, por múltiplos meios – e quase monopólio em um deles -, o sistema de comunicação social do País.

Trata-se da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 55/2004 (do senador Maguito Vilela), que dá nova redação ao artigo 222 da Constituição Federal, para disciplinar a propriedade dos meios de comunicação social, e o projeto de Lei n.º 4.209/2004 (do deputado Luiz Piauhylino), que dispõe sobre a propriedade e o gerenciamento da produção, programação e provimento de conteúdo nacional de comunicação social eletrônica. Sob o conspícuo pretexto de estender aos novos meios de distribuição de conteúdo – como fibra ótica, satélite, cabo, microondas e outros – as exigências constitucionais quanto aos veículos de radiodifusão (rádio e televisão), tendo em vista ‘a defesa da soberania e da identidade nacionais, bem como o desenvolvimento da cultura e proteção do patrimônio cultural brasileiro’, esses projetos estabelecem uma mal disfarçada ‘reserva de mercado’, em favor da produção ou intermediação de conteúdos dos que já ‘dominam’ o setor.

Pela legislação proposta, os agentes de conteúdo para comunicação são considerados tal como se fossem meios de comunicação ou radiodifusão. Ao artigo 222 da Constituição, que confere, privativamente, a brasileiros natos, ou naturalizados há dez anos – ou a pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País -, a propriedade de empresa jornalística e de empresa de radiodifusão sonora e de sons e imagens, a PEC acrescenta a empresa de acesso à internet e a empresa que explore a produção, programação, ou provimento de conteúdo de comunicação eletrônica, dirigida ao público brasileiro, ‘por qualquer meio e independentemente dos serviços de telecomunicações de que façam uso e com os quais não se confundem’. Percebe-se, por aí, uma intenção de ‘controle de conteúdo’. Considerando-se que as empresas estrangeiras no exterior não se submetem à legislação brasileira, o acesso à internet não é controlado e, portanto, o conteúdo mundial não estaria coberto pela normatização nacional, parece haver a intenção, dos autores desses projetos, de regular a ‘mensagem’ como se fosse o ‘meio’. É claro que a introdução da ‘tese’ de Marshall McLuhan em nossa Constituição serviria não só para garantir a produção, mas também a intermediação de conteúdos (estrangeiros), em favor dos que já dominam o mercado – e em detrimento do nascimento ou desenvolvimento de novos produtores independentes nacionais.

Por tudo isso – e muito mais – é bem oportuna a proposta de um mutirão pela liberdade de expressão e de concorrência dos meios de comunicação no Brasil.’



Comunique-se

‘Fenaj pede em nota que jornalistas defendam uma imprensa livre’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 3/05/05

‘Para lembrar o Dia Mundial de Liberdade de Imprensa, a Federação Nacional dos Jornalistas emitiu nota conclamando todos os jornalistas brasileiros a ‘reafirmarem sua posição para aquela que tem sido uma das grandes lutas da categoria em parceria com a sociedade brasileira: a defesa da democratização da comunicação e de uma imprensa livre que garanta aos cidadãos e cidadãs o direito à informação preconizado na Constituição Federal’.

Leia a nota na íntegra, intitulada ‘Em defesa da democracia: Liberdade de Imprensa e jornalistas respeitados’:

‘Neste 3 de maio de 2005, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a FENAJ conclama todos os jornalistas do país a reafirmarem sua disposição para aquela que tem sido uma das grandes lutas da categoria em parceria com a sociedade brasileira: a defesa da democratização da comunicação e de uma imprensa livre que garanta aos cidadãos e cidadãs o direito à informação preconizado na Constituição Federal.

A FENAJ, os Sindicatos dos Jornalistas a ela filiados e os profissionais organizados em torno destas entidades fazem a defesa da Liberdade de Imprensa e de opinião, sempre associada ao conceito de responsabilidade pública que deve ser observado por empresas e profissionais da comunicação e por atores sociais individuais.

Sem a Liberdade de Imprensa não há jornalismo, uma atividade que se caracteriza, essencialmente, por apurar e divulgar os fatos de interesse público.

A FENAJ denuncia que a liberdade de opinião e de imprensa continua ameaçada no Brasil, a despeito de vigorar no país um regime de governo democrático. A liberdade prevalente continua a ser a liberdade do poder: poder político, poder econômico, poder patronal. Confunde-se Liberdade de Imprensa com liberdade de empresa, na qual o interesse público é muitas vezes relegado.

Daí a importância de que a Liberdade de Imprensa seja fortalecida com instrumentos legais e organizações que possam garantir ao jornalista maior autonomia de trabalho. Tanto o projeto de Lei de Imprensa, que há quase oito anos tem sua tramitação trancada no Congresso Nacional, quanto o da criação do Conselho Federal dos Jornalistas cumprem essa finalidade.

A FENAJ lutou e continua a lutar pela aprovação de uma nova Lei de Imprensa para o Brasil, dentro dos princípios de democracia e liberdade defendidos pelos jornalistas, e pela criação do CFJ, entendendo que será um importante instrumento de valorização profissional e também, um valioso mecanismo para o aperfeiçoamento da prática jornalística, portanto, de interesse não apenas dos jornalistas, mas de toda a sociedade. Para que, de fato, a informação seja tratada como um bem social, voltada para o interesse público e com liberdade.

A FENAJ, por fim, alerta que para existir Liberdade de Imprensa é preciso, também, que o jornalista possa, no exercício diário de sua profissão, ter autonomia e condições dignas de trabalho, que incluem, entre outras, emprego, salários decentes, proteção à saúde e relações trabalhistas respeitosas

Não há democracia sem Liberdade de Imprensa e não há Liberdade de Imprensa sem jornalistas respeitados e valorizados!’

Brasília, 3 de maio de 2005

Dia Mundial da Liberdade de Imprensa

A Diretoria’