Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalismo e meio ambiente: para além do factual

 

O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (19/6) pela TV Brasil levou ao ar a segunda entrevista especial de Alberto Dines com jornalistas especializados em meio ambiente e sustentabilidade. Neste encontro, o personagem foi André Trigueiro, um dos mais destacados profissionais da nova geração. A conversa teve como cenário o Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, palco de parte dos encontros da conferência Rio+20. Em pauta, o papel da mídia na conscientização sobre as consequências da devastação ambiental.

André Trigueiro é editor-chefe do programa Cidades e Soluções, da GloboNews, comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da Rádio Rio de Janeiro. Desde abril de 2012 passou a atuar como repórter do Jornal Nacional e colunista do Jornal da Globo, onde apresenta o quadro “Sustentável”. Foi âncora e repórter do Jornal das Dez, da GloboNews, por 16 anos. É pós-graduado em Gestão Ambiental pela COPPE-UFRJ, onde leciona a disciplina “Geopolítica Ambiental”, e é professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC-RJ. Trigueiro publicou livros sobre meio ambiente, como Mundo Sustentável 2 – Novos rumos para um planeta em crise e Mundo Sustentável – Abrindo espaço na mídia para um planeta em transformação.

Na abertura do programa, Dines ressaltou que a imprensa é a instituição capaz de criar a consciência ecológica e evitar que o planeta caminhe para o desastre na área ambiental, com as consequências das mudanças climáticas. Trigueiro concordou e acrescentou que esta é uma grande responsabilidade em um momento como este, em que relatórios acadêmicos e científicos internacionais apontam que o mundo está perto da maior tragédia ambiental da história da humanidade.

Contra o relógio

André Trigueiro ressaltou que a principal função da imprensa nesse contexto é chamar a atenção para a urgência das causas ambientais. Não basta mudar. É preciso mudar rapidamente. Hábitos, comportamentos, padrões de consumo e estilos de vida devem ser repensados. “Seria mais fácil se tivéssemos um vilão. Nós precisamos ter a coragem de rever o que até agora fez sentido. Daqui para frente, se a gente não corrigir o rumo, estaremos retroalimentando um modelo ‘ecocida’ de desenvolvimento”, alertou.

A função social do jornalista, na avaliação de Trigueiro é, além de denunciar os problemas e dar visibilidade aos diagnósticos, sinalizar rumos e perspectivas. Para isso, os profissionais precisam buscar uma informação qualificada – e esta não é ofertada nos cursos de Comunicação Social. Outra tarefa importante da imprensa é quebrar o estigma de que meio ambiente é um “assunto chato” porque, em geral, a Ciência é vista por jornalistas e pelo público como um tema indigesto.

Na opinião de Dines, a imprensa, por conta de interesses comerciais, tem pudores ao tratar da sustentabilidade. A postura da mídia precisa ir além de aspectos cosméticos, como estimular a população a adotar hábitos saudáveis. Trigueiro comentou que o jornalismo, por princípio, tem que incomodar. Esse é um ponto nevrálgico na cobertura dos assuntos ambientais; entretanto, a chave não é estigmatizar o consumo porque ele é essencial para a sociedade.

“Se o planeta é um só e os recursos são finitos, e a gente entender como normal ou louvável o consumo pelo consumo, ou um modelo de sociedade onde se confunde bem-estar e felicidade com acúmulo de bens e de posses, com todos os efeitos colaterais extremamente nefastos, precisamos parar e pensar: é possível ser feliz com menos? Eu não tenho dúvida de que sim. Uma sociedade que preconize como norte magnético da bússola o consumo consciente é sinônimo de quebradeira das empresas? Não”, analisou o jornalista.

Viver com menos

Para encontrar o equilíbrio, a sociedade deveria deixar de ter como valor civilizatório o “consumo pelo consumo”. A opulência das classes A e B teria que ser diluída e as demais classes sociais passariam a ter acesso aos bens de consumo, mas sem ambicionar a abundância. Um exemplo de bem material que se converte em status na sociedade é o automóvel. A cada ano, milhões de novos veículos chegam às ruas e grande parte deles é comprada para substituir modelos anteriores que estavam em perfeito estado.

Dines recordou que em 1996, quando a cidade de São Paulo adotou o esquema de rodízio de veículos, diversas empresas de comunicação, sobretudo as radiofônicas, apresentaram grande resistência ao projeto. Para parte da mídia, o direito de ir e vir seria prejudicado com o novo sistema. André Trigueiro destacou que a mesma cidade que demonstrou forte preconceito contra o rodízio hoje abre espaço para temas ligados ao uso excessivo dos carros. E as redações perceberam que precisam discutir criticamente a necessidade de acelerar os investimentos em transporte público rápido, eficiente e barato.

Os novos tempos estão demandando novas pautas e novas reflexões. A imprensa está atenta ao fato de que não adianta tratar da questão ambiental “da boca para fora”. André Trigueiro explicou que o jornalismo ligado aos temas ambientais é profundamente ameaçador para o jornalista: “Pela recorrência com que ele vai lidando com os assuntos de lixo, uso inteligente de água, uso racional de energia, dificilmente ele não internaliza um novo comportamento”. O jornalista enfrenta um conflito ético bem-vindo porque percebe que a soma das ações individuais produz um efeito em escala. “Pensar em meio ambiente é pensar em efeitos sistêmicos. E a gente faz parte dessa grande teia”, afirmou Trigueiro.

Um tema global

Dines comentou que há algumas décadas a cobertura do meio ambiente era feita por setores específicos dentro das redações, e que este panorama hoje é diferente. O tema passou a permear todo o jornal, da seção de Economia às páginas dedicadas às políticas públicas. “Cada editoria precisa ter essa noção de que ‘nas pautas que julgaram que seria o meu escopo, eu preciso perceber a dimensão que a sustentabilidade se resolve também na minha pauta’. Essa crise de percepção da pauta, ‘onde ela se encaixa melhor, em que editoria?’, me parece a mesma que as universidades enfrentam em seus guetos departamentais”, analisou o jornalista.

Outro problema da cobertura de ecologia e sustentabilidade é a falta de continuidade dos assuntos: “Nós somos reféns do factual. Então, a gente precisa de um evento, ou da divulgação de um relatório ou de um determinado acidente, uma crise, um vazamento de óleo ou uma queimada, para lembrar de um determinado tema e dar [a ele] o seu devido espaço. Portanto, a Rio+20 tem como primeiro mérito marcar no tempo e no espaço uma enorme, gigantesca aglutinação de setores da sociedade”. Trigueiro ressaltou que em paralelo aos eventos que envolvem os chefes de Estado foi montada uma programação que mobilizou cientistas, índios e empresas para discutir uma agenda positiva para a sustentabilidade no planeta.

André Trigueiro ponderou que a mídia deixou de observar importantes avanços na questão ambiental nas últimas décadas e focou apenas nos pontos negativos dos resultados dos grandes encontros internacionais. A imprensa não deu o devido destaque aos avanços na área de educação ambiental conseguidos tanto na Rio92 quanto na assinatura do Protocolo de Kioto, por exemplo.

De olho no futuro

A imprensa pode, na opinião de Trigueiro, despertar o interesse da população para uma agenda positiva que não fique restrita às catástrofes: “Podemos lembrar do lixo quando ele é um problema, mas a gente pode falar do lixo que é solução: reciclagem de entulho, transformação de matéria orgânica de lixo em adubo de excelente qualidade ou energia pela decomposição de matéria orgânica – gás metano, que é gás combustível, gás de estufa. É impressionante como as pessoas gostam desses exemplos. A gente está tão massacrado por notícias ruins que, quando se presta a ser vitrine daquilo que funciona, daquilo que dá certo, que melhora a qualidade de vida das pessoas, que gera emprego e renda e que dá lucro, é um movimento alvissareiro”.

Para o jornalista, a imprensa consegue prender o interesse do leitor quando apresenta a notícia com um viés de esperança no futuro. “O jornalismo precisa ter um espaço para mostrar que ‘sim, há solução’. E as soluções passam, inexoravelmente, por uma perspectiva sustentável do uso dos recursos. É transformar problema em solução, é transformar despesa em receita. Isto é possível e está acontecendo. Quando a mídia abre espaço para isso, não fica refém do factual. Ela cria um espaço que tem atratividade e que gera um conjunto de pautas associadas que, para acontecerem em uma reunião na redação, você tem que ter a informação”, disse Trigueiro.

Além da imprensa, a publicidade também precisa se adequar aos novos tempos. E não basta apenas criar produtos em que o anunciante demonstre uma preocupação ambiental. Trigueiro lembrou que o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) criou normas éticas para o apelo de sustentabilidade nas propagandas. “Propagandas foram tiradas do ar por questionamentos pontuais dizendo ‘você não pode chamar esse produto ou serviço de ecológico porque ele não faz jus ao nome’. Então, há um novo mundo”, disse Trigueiro.

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[Lilia Diniz é jornalista]