Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Futuro incerto, promessas vagas

O ar-condicionado ligado à plena carga criava uma atmosfera ártica em diversos cantos do Riocentro – e inacreditavelmente insustentável. Este clima desconfortável e pouco estimulante marcou a Rio+20. A conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável caminhava para um final melancólico ontem, onde ninguém parecia satisfeito e todos pareciam conformados com o futuro incerto que “O Futuro que Queremos”, o principal documento da conferência, projeta para diante.

Agora depende de o comprometimento dos países de levar em frente, por exemplo, uma nova medida econômica que considere componentes ambientais no cálculo do PIB. Até 2015, se tudo der certo, o mundo pode ter objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) que tracem metas para energia, água, cidades, oceanos. Pode, também, dar força a um organismo ambiental competente, o Pnuma, que tem 40 anos, mas é tratado pela comunidade internacional como um órgão de segunda categoria no sistema da ONU.

Os governos se comprometeram a tornar concreto um programa de mudança nos padrões de produção e consumo que levou 8 anos para ficar pronto – mas que poderia ter sido aprovado antes da Rio+20, não fosse uma citação, no prólogo, aos Territórios Ocupados, o que fez com que fosse barrado, na Assembleia Geral das Nações Unidas, há alguns meses. Na Rio+20 ele saiu do papel.

Mudanças no consumo

“Esta conferência organizou muitos assuntos ambientais e de desenvolvimento que estavam orbitando”, diz um diplomata brasileiro. “Ela abriu processos e é importante”, continua. “Vamos voltar a conversar sobre este resultado em três anos”, desafia.

Um negociador europeu diz que ficou claro, na atuação do Brasil, que “a presidente Dilma quer tirar da pobreza 50 milhões de pessoas, e nós entendemos isso”. Depois, faz um mea culpa: “Não soubemos explicar que a economia verde é o melhor caminho para isso.” A Europa, apoiada pelos EUA, insistiu que a conferência adotasse a ideia da economia verde – conceito controverso, visto com desconfiança pelo mundo em desenvolvimento. Poderia ser mais uma embalagem para vender, caro, produtos e tecnologias que os ricos têm e os pobres não, vocalizavam representantes da Bolívia, Venezuela, Cuba, Nicarágua.

Todos reconhecem que acomodar interesses de 193 países em temas que vão do uso dos recursos naturais à redução gradual do uso de combustíveis fósseis, da mudança nos padrões de consumo a regras para a exploração da biodiversidade em alto mar, não é tarefa fácil. Antes da conferência começar, muitos representantes de governos disseram que do Riocentro não ia sair nada – e agora jogam no colo do Brasil o desapontamento.

Faltou ambição

“Mas o Brasil atuou como um operador de consensos, não como um líder”, alfinetou o negociador europeu. “Onde esteve a presidente do Brasil nos últimos três meses?” questionou outra negociadora. “Os diplomatas brasileiros são reconhecidamente competentes e vão até o limite. Mas quem define os limites, definiu por baixo”, prosseguiu um observador.

A Rio+20 teve momentos de truculência e constrangimento. Em uma sessão, a negociadora da Suíça manifestou sua oposição a um determinado ponto. Os negociadores brasileiros tinham pressa em fechar o texto. Ela se opunha. “Então será a primeira vez que teremos um texto sem a participação suíça”, disse o brasileiro.

Na última rodada de negociações, em Nova York, um alto executivo da ONU envolvido no processo criticou a falta de liderança do Brasil. A presidente Dilma teria ligado ao secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon e pedido a demissão do sujeito. Outro episódio nesta linha teria sido a chamada que a presidente teria dado a Ban Ki-moon, que abriu a cúpula com um discurso dizendo que faltou ambição ao texto final, e ontem se mostrou subitamente mais entusiasmado.

“Sorte que tenha terminado logo”

O governo brasileiro manifestou claramente sua insatisfação com as críticas que teve que escutar por fechar um texto sem ambição. Muitos diziam que o Brasil se escondeu atrás dos Estados Unidos na questão do Pnuma. Os países africanos queriam fazer uma alteração editorial no texto: mudar o nome do Pnuma, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, para Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Seria uma modificação semântica e simbólica. Os EUA não quiseram conversa: “Se o texto for reaberto, principalmente na questão do Pnuma, abriremos outras questões”, ameaçou o chefe da delegação americana, Todd Stern, na plenária que aprovou o documento.

Em muitos momentos o Brasil se viu diante da opção de a conferência ficar sem um documento final, ou com um documento aguado. Na terça-feira, o ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota declarava qual havia sido a escolha do Brasil, ao dizer que iria se conseguir o texto “possível”.

Uma piada era contada nos corredores do Riocentro nos últimos dias da conferência. “O Brasil queria ter um texto antes da chegada dos chefes de Estado. E ponto”, comenta um negociador. “Foi uma sorte que tenha terminado logo, assim não perdemos mais do que foi acertado em 1992.” Só em alguns anos dará para saber se a Rio+20 ficou só na promessa.

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[Daniela Chiaretti, do Valor Econômico]