Roberto DaMatta põe como subtítulo ao seu novo livro – ‘Notícias da América’. Porque um pouco (ou muito) de jornalista o autor tem. Considera-se homem da mídia, um antropólogo escrevendo para jornais, aparecendo na TV. Um cientista que cultiva a linguagem da comunicação imediata.
Admitamos que o jornalista é aquele profissional que escreve mais do que lê, e que o acadêmico lê mais do que escreve (e por vezes não escreve de tanto que lê…). DaMatta procura escrever mais do que seria permitido a um pesquisador ‘sério’, cauteloso, preocupado, cioso das afirmações que deseja fazer.
DaMatta afirma, não chuta, mas também não fica cinco anos burilando uma frase. Suas frases saem soltas, simples, meio ensaio meio crônica, ciência na primeira pessoa do singular, fatos, citações, narrativas e interpretações, rigor e literatura, respaldo bibliográfico e aventura livre da inteligência.
É evidente a simpatia do autor pelo país a que esteve vinculado como professor (ao longo de 17 anos). Ora alguns períodos no Brasil, ora trabalhando em boas temporadas nos EUA, adaptou-se sem se mudar definitivamente. Nem permanente nem de passagem, nem exilado nem naturalizado, teve tempo e sossego para observar. Segundo o espírito jornalístico, observar leva a noticiar.
Exercício estimulante
Sua indisfarçável simpatia evita aquele ódio sistemático que tantos fomentam contra os ianques, os dominadores do mundo, os invasores inescrupulosos, os fazedores de guerra. Mas nem por isso simpatia conivente com um estilo de vida em que hipocrisia e egoísmo saltam aos olhos de quem tem olhos para ver.
A propósito, é como ‘modesto observador da cena ianque-tupiniquim’ que DaMatta se define a certa altura, pois suas análises têm sempre o contraponto brasileiro. Cachorros deprimidos nos Estados Unidos e cachorros cada vez mais agressivos no Brasil, a alimentação dos Estados Unidos e a do Brasil, o trânsito discriminado nos Estados Unidos e o generosamente caótico trânsito nosso, as filas resignadas nos Estados Unidos e as nossas insuportáveis filas… Atento às diferenças. Criticando ou louvando o que lhe parece louvável ou criticável, lá e cá.
Este seu novo trabalho de antropólogo jornalista, se posso assim classificá-lo, concordemos muito ou pouco ou nada com suas hipóteses, é estimulante exercício intelectual, e literário. Texto com estilo. Observando estadunidenses e brasileiros, o autor abraça a ambigüidade, o paradoxal, o impasse, e ajuda a desmitificar a visão que temos deles… e de nós.
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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br