Nos últimos meses, as revistas científicas afirmaram que o café pode causar doenças cardíacas fatais e também está cheio de antioxidantes que previnem o câncer. Leite, que tem cálcio, é bom para os ossos, só que a gordura faz mal às artérias. Carne vermelha é ruim para o coração, mas dietas ricas em proteínas podem ajudar a combater a obesidade. Uma dieta rica em fibras é boa, não fosse pelo fato de um estudo americano dizer agora que não previne os cânceres do sistema digestivo.
A Ciência é complexa e uma boa saúde envolve equilibrar um risco em relação a outro. Mas, para os consumidores comuns, separar o joio do trigo está se tornando uma tarefa complicada. Talvez devêssemos observar os interesses por trás desse tipo de aconselhamento’ (O Estado de S. Paulo, 3/1/2006)
Finalmente partiu da própria imprensa a crítica a um erro muito comum nos jornais e, com uma ênfase ainda maior, nas revistas que se propõem a ter o serviço como sua prioridade, mais claramente as revistas femininas.
Com a desculpa de manter as leitoras informadas sobre as últimas novidades em matéria de saúde e beleza, as revistas dedicadas às mulheres cometem pecados, nem sempre veniais, ao mostrar o antes e o depois de mulheres que fazem lipoaspiração, dermoabrasão, implantes ou cirurgias nem sempre necessários, mas apenas porque a moda do momento é ter seios (grandes ou pequenos), celulite zero, pele branca como neve ou bronzeada em excesso.
Sem levar em conta a força da palavra escrita, as revistas vivem fazendo a cabeça das leitoras. São doutrinadas, mês a mês, para ter um corpo de modelo (para caber nas roupas da estação), pele sem uma ruguinha sequer (nem que sejam marcas de expressão), cabelo loiro ou ruivo ou liso ou cheio de cachos, mesmo que para isso até esqueçam como é o seu cabelo de verdade ou que tenham que gastar boa parte do salário no salão de beleza.
Como disse a entrevistada da citada matéria do Estadão (traduzida do Sunday Times, de Londres), falando sob o ponto de vista do consumidor, seria preciso observar os interesses por trás desse tipo de aconselhamento. Mas não é só o consumidor que tem de estar atento. Nós, jornalistas, deveríamos pensar duas ou três vezes antes de propor matérias desse tipo. E pensar mais ainda na hora de publicar.
Nem sempre percebemos que, ao falar de novidades e de gente que usou e está feliz com o resultado, estamos dizendo aos leitores que determinado produto ou serviço é bom. Se saiu no jornal ou na revista, a tendência do leitor é achar que é bom. E, na esteira dos bons médicos e produtos testados, surgem milhares de charlatães e produtos sem fiscalização que, por seus preços mais acessíveis, acabam atraindo a grande massa da população – como os mais informados, ela também quer se beneficiar das novidades.
O resultado são modismos, como as dietas do momento: estiveram em evidência a do Dr. Atkins, a dieta dos pontos, a dieta da sopa, a dieta do limão e tantas outras dietas mágicas que prometiam a perda imediata de pelo menos dois quilos. Para quem sonha em perder peso, a solução perfeita.
Que graça tem?
Aos poucos as técnicas foram se sofisticando e as soluções se tornando mais radicais. Em busca de resultados mais rápidos e eficientes, veio a onda da cirurgia para reduzir o estômago, a redução de seios, hoje trocada pelo implante de silicone. Sem falar na necessidade da vida saudável obtida com dieta de fibras acompanhada de longas caminhadas, corridas ou horas passadas nas academias. Para a geração saúde, muita ginástica, barrinha de cereais e energéticos.
E ainda os milagres do botox e cremes que prometem o paraíso definitivo: impedir o envelhecimento. A imprensa se deixa seduzir pelas novidades, vende o produto às leitoras e elas, por confiarem em nós, vivem mudando de dieta, de creme, de visual. Até o dia em que a vizinha ou a conhecida da esquina morre na sala de cirurgia de um médico descoberto na internet, onde tinha ido fazer um procedimento ‘simples’ como uma lipoaspiração; ou quando o jovem saudável de 30 anos cai fulminado pelo coração em pleno Parque do Ibirapuera. Fica todo mundo em choque, até a imprensa. Mas, passado o impacto da notícia, as revistas voltam a enfatizar a mais recente descoberta para ‘perder peso’, ‘acabar com rugas’, ‘ter um cabelo brilhante’ ou qualquer outro desses milagres vendidos em banca.
A verdade é que quando se trata da saúde dos leitores, a imprensa, especialmente a feminina, parece estar mais preocupada em preencher páginas com matéria que venda às leitoras – e eventualmente realize – o sonho de felicidade do que dizer quais os efeitos colaterais, no curto e médio prazo, dos procedimentos recomendados.
Embora as matérias sempre contenham uma discreta frase lembrando que sempre é bom ter orientação médica, nada de ênfase nos perigos reais. Afinal, que graça tem prometer emagrecimento rápido, um corpo mais bonito ou uma pele sempre lisinha se tiver que lembrar que o preço (e não só o financeiro) pode ser alto?
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Jornalista