A cada nova edição, a revista Veja parece caprichar mais na receita de jornalismo praticada por seu colunista menor Diogo Mainardi. Nesta semana, por exemplo, dedicou duas páginas inteiras para desancar o jornalista e escritor Fernando Morais, um dos mais talentosos biógrafos do país. A ‘reportagem’ sobre Morais, intitulada ‘O desculpador-geral da República’ e assinada por Jerônimo Teixeira, com colaboração de Sérgio Martins e Antonio Ribeiro, revela não apenas a estreiteza ideológica da publicação mas também a pequenez moral da atual linha editorial do semanário.
Em primeiro lugar, custa a crer que não um, mas três jornalistas tenham aceitado assinar a peça de ataque contra Morais. Até pouco tempo atrás, este tipo de texto encomendado pela Direção de Redação vinha sempre sem assinatura alguma – mas talvez a presença de Mainardi, que se orgulha de só dar opinião quando lhe pagam, tenha estimulado os colegas a tentar galgar postos na competitiva vida corporativa da Editora Abril.
Veja ataca Morais porque ele decidiu ajudar a escrever a biografia do ex-deputado José Dirceu, ‘homem-chave no escândalo do mensalão’, conforme a matéria. A má vontade com Morais, porém, é mais antiga e tem a ver com a atuação política do jornalista, que integra o conselho editorial do jornal Brasil de Fato, editado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, é amigo do líder cubano Fidel Castro, foi secretário estadual de Cultura na gestão do ex-governador Orestes Quércia (PMDB) e recentemente tem se aproximado do presidente Hugo Chávez, que, segundo informa a matéria ‘está levando a Venezuela ao buraco’ e no entanto consegue a proeza de se manter no poder com apoio maciço do povo daquele país.
Duas ou três linhas
A marcação sobre o escritor não vem de hoje. Na edição nº 1908 (de 8/6/2005), Veja publicou uma resenha com o título ‘O marketing da censura’ sobre o livro de Fernando Morais Na Toca dos Leões, história da agência de publicidade W/Brasil. Daquela feita, a ‘reportagem’ não saiu assinada (talvez Mainardi ainda não tivesse conquistado a admiração unânime na redação), mas o texto expressava o mesmo desconforto da revista com o sucesso do jornalista amigo de Fidel e Chávez e o acusava de estar lucrando com a decisão judicial que mandou retirar o seu livro das prateleiras. Sem publicar a versão do jornalista sobre o episódio, a resenha acusava Morais de ter feito ‘mau jornalismo’ por, supostamente, não ter procurado saber a versão do deputado Ronaldo Caiado acerca de um episódio narrado no livro. Faça o que eu digo, não o que eu faço, já dizia o dito popular…
Compromisso com bom jornalismo não parece mesmo ser o forte de Veja. Em um trecho da matéria desta semana, o semanário revela que ‘Dirceu e a mulher também viajaram para a França no fim do ano de primeira classe. Pelo jeito, dinheiro não é problema’. Dias antes, no entanto, o próprio ex-deputado esclareceu que não viajou de primeira, informação que foi confirmada pela companhia aérea e publicada em um dos grandes jornais brasileiros. Ele foi de classe executiva.
Meias verdades e mentiras à parte, a matéria toda poderia ser reduzida a duas ou três linhas, o que pouparia a inteligência dos leitores e a energia dos três escribas que assinaram o texto. Algo do tipo: ‘Veja não gosta de Fernando Morais porque ele é amigo de Dirceu, Chávez e Fidel, e no entanto faz um sucesso danado entre os nossos leitores e anunciantes’. Teria sido mais honesto.