Wednesday, 04 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

José Paulo Lanyi

‘Não há espírito olímpico que sobreviva aos interesses de uma meia-dúzia que manda. O arremate do episódio bufo que vitimou o maratonista brasileiro é uma franja desse cobertor curto. Como validar uma corrida em que o seu líder é ‘seqüestrado’ por um palerma? O COI e a Federação Internacional de Atletismo demonstraram fragilidade de princípios, ao legitimar uma prova cujo lance capital mais se assemelhou ao de uma partida de rugby.

Antes de suplicar medalhas, atire-as à pira do bom senso. O correto seria a anulação da disputa, nada mais do que isso. Que fossem às ruas novamente, que mostrassem ao mundo que o vale-tudo não é esporte olímpico.

Os organizadores preferiram, contudo, a má-vontade de desculpas que não convencem e o cala-boca de uma rara insígnia que, desta vez, adornará o pescoço do nosso valoroso cordeiro.

Agora vamos pensar na China de todas as atenções, na China de um bilhão e trezentos milhões de nativos, na China que há duas décadas e meia tem crescido quase dez por cento ao ano.

Pensemos no espírito olímpico de um país acusado de abusos recorrentes dos direitos humanos. Um país em que se prende sem julgamento, em que a liberdade de expressão foi soterrada há muito pelas ‘razões de Estado’. Um país liderado por senhores que tentaram esconder do mundo a dimensão e a gravidade de uma epidemia como a Sars.

Quem quiser fazer jornalismo diverso do oba-oba viverá a sua odisséia, como sugere um trecho de uma matéria publicada em julho pelo Jornal do Brasil, com a Agência EFE: ‘De acordo com a RSF [Repórteres sem Fronteiras], 62 ‘ciberdissidentes’ estão presos e pelo menos 30 mil pessoas vigiam os conteúdos da rede na China’.

Leia também este parágrafo da Folha de S. Paulo: ‘Dezenas de milhares de pessoas continuam a ser detidas por exercer pacificamente seu direito à liberdade de expressão, de associação ou de credo. E a pena de morte continua a ser aplicada na China’, indicou a assessoria de imprensa da Anistia Internacional’.

Se quiser, tem mais, no iG, com a Reuters: ‘Queremos mostrar que existem norte-coreanos que enfrentam a tortura, a fome e os campos de concentração na China’, disse [o médico alemão e ativista veterano] Norbert Vollertsen, que se juntou a ativistas japoneses e sul-coreanos e a uma mulher que recentemente havia fugido da Coréia do Norte’.

Esta saiu no Terra: ‘Segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, a China foi em 2003 ‘o maior repressor da liberdade de expressão do mundo pelo quinto ano consecutivo, com 39 jornalistas presos’, quase um terço do total mundial (139)’.

Para os comitês olímpicos tudo está muito bem no país oriental. Conforme o site do COB, ‘o Movimento Olímpico se fundamenta na liberdade civil e política, na solidariedade para o desenvolvimento do mundo e na igualdade na ordem econômica, social e cultural’.

É, deve ser paranóia deste colunista, que desprezou uma frase tão simpática como a de Chen Ping, do departamento de mídia e comunicação de Pequim, em uma entrevista à BBC: ‘Eu acho que estamos prontos e queremos que os jornalistas internacionais venham a Pequim para ver como é a vida na cidade (…). Nós queremos que eles falem com as pessoas para que possam ver como todo mundo está entusiasmado’.

Dois repórteres testemunharam as boas-vindas, conforme a Agência EFE e o site UOL. ‘Segundo a polícia, os dois correspondentes foram presos por ‘entrevistar ilegalmente’ ativistas para a libertação do Tibete. A corporação acrescentou que o artigo 15 do Regulamento para Jornalistas Estrangeiros exige permissão para entrevistar dirigentes políticos, e que os jornalistas foram alertados de que ‘tinham que pedir permissão para fazer perguntas às pessoas na rua’.

Tá vendo? ‘Cerca de 20 mil jornalistas estrangeiros irão a Pequim em 2008, se vamos ser presos ao entrevistar as pessoas na rua, vai ser realmente difícil fazer nosso trabalho’, afirmou um dos presos, Sami Sillanpaa, do jornal finlandês ‘Helsingin Sanomat’.

Não se iluda. Poucos brasileiros correrão perigo. Se depender da maioria dos veículos, sobretudo a televisão, nada será feito para delir (sim, delir, parente do alienígena ‘deletar’) a imagem da alegria e da boa-vontade entre os povos.

Vamos direto ao que importa: Jogos Olímpicos dão dinheiro.’



Zuenir Ventura

‘Vanderlei de Coubertin’, copyright O Globo, 1/09/04

‘Contrariando uma crença de que brasileiro não valoriza vice-campeões em esporte algum, muito menos terceiros colocados, Vanderlei Cordeiro de Lima mostrou que o bronze pode ser mais importante do que o ouro. Como vencedor, dificilmente teria recebido a cobertura que a imprensa estrangeira lhe deu ontem, tratando-o como herói das Olimpíadas de Atenas, uma consagração planetária que nenhum outro atleta teve, nem os dois que chegaram à sua frente, o italiano e o americano, nem o ganhador de seis ouros na natação.

Isso tem a ver com a quase tragédia que o envolveu, mas também com o fato de que Vanderlei encarnou um ideal olímpico muito pregado e pouco praticado. Ele acredita mesmo que o importante é competir. Tanto quanto sua determinação de continuar correndo, impressiona sua reação depois. Em lugar de justos ressentimentos, o que se viu foi felicidade por estar realizando o sonho de conseguir ‘uma’ medalha. Diante dessa resignação cristã, o barão de Coubertin deve ter se consolado: ‘até que enfim encontrei um seguidor’.

Aliás, foi esse nobre autor, que só é lido de quatro em quatro anos, quem disse que ‘a primeira característica dos jogos olímpicos modernos é ser uma religião’. Para quem cometeu a ingenuidade de acreditar que o esporte teria o poder de redenção e seria uma espécie de humanismo do corpo capaz de promover a paz, até que a comparação com os ritos sagrados faz sentido, principalmente quando ressaltados pela televisão. O grande close, a lente zoom, a câmera lenta de fato transformam a Olimpíada numa cerimônia que é quase uma liturgia. Algumas provas estafantes e penosas, de resistência à fadiga, chegam a evocar a simbologia de alguns rituais de sacrifício.

É bem verdade que, além da religiosidade lembrada pelo barão, há desejo de performance, ambição de recorde, necessidade de superação, vontade de ser o melhor, sem falar no erotismo sublimado que psicanalistas vêem no espetáculo e na sua contemplação: a coreografia sensual de certos gestos, a graça, o equilíbrio, a harmonia dos movimentos e sua precisão quase infalível. Mas, a não ser para quem só pensa naquilo, esse erotismo não é necessariamente sexual.

Nessas horas a televisão é imbatível. Numa operação como a dos Jogos Olímpicos, de acontecimentos simultâneos, só ela, com sua onipresença, faz com que a realidade virtual seja mais completa do que a real. Nunca fui a uma olimpíada, mas acho que talvez seja melhor ver em casa do que lá, correndo de um lado para outro. Por isso é que já estou me preparando para não ir à próxima.’



Mair Pena Neto

‘A mancada dos jornais brasileiros’, copyright Direto da Redação (http://www.diretodaredacao.com/), 1/09/04

‘A competição mais importante da última Olimpíada, por sua origem na história grega, pela simbologia da linha de chegada no estádio dos primeiros Jogos Olímpicos da era moderna e pela premiação reservada para a cerimônia de encerramento, é prejudicada por um fanático religioso que agarra o líder da prova a 6 km do fim e prejudica definitivamente o seu desempenho. O atleta, heroicamente, ainda chega em terceiro lugar, assegurando a medalha de ouro. A dramaticidade do episódio, o único senão de uma Olimpíada perfeita, realizada à sombra de atentados terroristas, e o abalo na legitimidade do resultado já justificariam a manchete em qualquer jornal do mundo. Mas havia um outro detalhe: o maratonista prejudicado e personagem principal da história era um brasileiro. Os grandes jornais brasileiros, porém, não lhe reservaram a glória jornalística.

Numa demonstração de obviedade, que faz com que os nossos jornais estejam a cada dia mais parecidos entre si, os principais diários do país reservaram suas manchetes à medalha de ouro da seleção masculina de vôlei. A conquista do vôlei era de fato importante, mas ocorreu dentro de um script previsto. Nossa equipe era reconhecidamente a melhor, e a final olímpica não teve nenhuma dramaticidade, com uma vitória categórica por 3 sets a 1 sobre a Itália. Portanto, o resultado não fora o fato mais importante do dia, mesmo com uma visão local, como provaram inúmeros jornais do mundo.

Chegou a ser patético ver os jornais brasileiros, dois dias após o encerramento da Olimpíada, destacarem que vários diários pelo mundo deram de manchete o resultado da maratona, que vitimou um brasileiro. Claro que eles se guiaram pelo fato jornalístico e dariam a manchete independentemente da nacionalidade do atleta prejudicado. Mas se ele era um brasileiro, a sensibilidade editorial cabia muito mais aos nossos jornais. O caderno de Esportes do Estadão abriu com o título ‘Agressão é manchete em todo o mundo’, a qual se poderia acrescentar ‘menos no Brasil’.

O drama de Vanderlei, que superou de longe o heptacampeonato de Schumacher, na Fórmula 1, foi manchete de jornais de diferentes países e a foto do incidente saiu em 32 diários pelo mundo, segundo informação de O Globo. Os jornais brasileiros podem alegar que também deram em primeira página a foto da agressão a Vanderlei, inclusive com um cineminha da seqüência, mas em todos ela estava abaixo da festa do vôlei e em nenhum o drama do brasileiro mereceu a manchete.

O episódio revela ainda uma certa mentalidade colonizada da nossa mídia. Parece que precisamos do aval externo para certificar nossa capacidade. Se Vanderlei não foi manchete na segunda-feira, na terça ele era primeira página em vários jornais. Como o New York Times dera matéria de alto de primeira página para o nosso maratonista, destacando a agressão e ignorando o segundo lugar de um americano, estávamos liberados para tratar o assunto com a devida magnitude. Este complexo cucaracho não é privilégio do esporte. Sempre que o New York Times aborda algum aspecto da vida brasileira merece espaço nos nossos jornais, seja nas editorias de política, economia ou cultura. Parece que o diário americano faz um jornalismo maior, apesar dos Jason Blair e Larry Rother da vida.

A dimensão maior do drama da maratona em relação ao ouro do vôlei ficou flagrante nas cartas dos leitores, publicadas pelos grandes jornais, majoritariamente tratando da injustiça sofrida por Vanderlei. Se o interesse do leitor é que dita os rumos dos jornais, os diários brasileiros perderam uma oportunidade de ouro na Olimpíada recém-terminada.’



Tela Viva News

‘Olimpíadas fazem Ibope dos canais esportivos disparar’, copyright Tela Viva News, 3/09/04

‘Segundo dados preliminares do Ibope divulgados pela Globosat nesta sexta, 3, a audiência da TV por assinatura como um todo cresceu 28% no período das Olimpíadas de Atenas se comparada com a média dos últimos três meses. Segundo a Globosat, a TV por assinatura atraiu diariamente 7,4 milhões de pessoas diferentes (crescimento de 10% no período). Pelas contas do Ibope divulgadas pela Globosat, metade destas pessoas passou por algum dos sete canais de esportes com os direitos de transmissão dos jogos.

Ainda segundo os dados da programadora, os principais canais de esportes foram vistos por 3,9 milhões de pessoas diariamente, o que é quase 1,8 milhão a mais do que a média. O levantamento do Ibope mostrou ainda que cresceu a audiência dos canais esportivos entre mulheres e jovens durante os jogos.

Já os quatro canais SporTV que fizeram as transmissões tiveram, em conjunto, audiência média de quase 200 mil pessoas por dia durante o evento, sendo metade apenas no SporTV principal. Com isso, a Globosat diz que o SporTV garantiu liderança de audiência entre os canais pagos durante os jogos. Os números do Ibope mostram o Cartoon em segundo entre os canais pagos no período de 1 a 29 de agosto (período mais amplo do que a duração dos jogos).e o SporTV 2 em terceiro. Pelos dados divulgados, a ESPN Brasil ficou em quinto entre os canais pagos no período. Tudo isso, é claro, entre os assinantes com TV paga.’