Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A internet pressiona o jornal

Annalena McCafee é uma profissional de destaque no meio jornalístico inglês. Foi editora de suplementos literários e assinou para o jornal The Guardian uma série de perfis literários. Em 1994, quando era editora de livros do Financial Times, entrevistou o futuro marido Ian McEwan. Na época, o autor de Reparação era casado com Penny Allen. Annalena teve de esperar um ano pelo divórcio, acompanhando o doloroso processo da custódia dos filhos adolescentes do casal, William e Gregory, que acabaram sendo criados por McEwan e ela.

Annalena McCafee é uma mulher de fibra. Superou duas vezes o câncer, aos 20 e aos 30 anos, apoiou o marido quando a primeira mulher fugiu com o filho mais novo para a França e, sem medo de ter um premiado romancista concorrente em casa, estreia como autora de livros para adultos com Exclusiva, após publicar oito livros infantis, alguns traduzidos para o francês, o alemão e o holandês.

A autora, casada há 15 anos com McEwan, foi editora do Guardian Review até julho de 2006. Passou 30 anos militando na imprensa e foi jurada de importantes prêmios literários (o Orange Prize, entre outros). Experiente, ela conta, em Exclusiva, como viu as mudanças nos grandes jornais após o advento da internet, mas não de forma ensaística. É por meio do embate entre uma veterana repórter e uma novata que a escritora descreve o sórdido mundo dos tabloides ingleses, alguns processados por invadir a privacidade de pessoas públicas.

As duas representam duas gerações e dois estilos de jornalismo. Tamara, a mais jovem, é encarregada de traçar o perfil de Honor, espécie de Oriana Fallaci da imprensa inglesa. Inexperiente e também ignorante, faz perguntas impertinentes que irritam sua entrevistada. Annalena McCafee conta essa história com muito humor no romance Exclusiva (The Spoiler), que chega hoje às livrarias. A autora, que vem para a Flip com o marido, falou com o Estado de S.Paulo pelo telefone, de Londres.

“A pressão do deadline está acabando com os jornais”

Exclusiva sugere uma crise instalada na imprensa com o advento da internet que não se refere apenas à queda na circulação dos grandes jornais, mas à qualidade dos textos publicados e à diferença de formação entre diferentes gerações de profissionais. Em sua opinião, o que aconteceu com a criação da mídia digital?

Annalena McCafee – Quando a circulação dos jornais começou a diminuir, houve muita pressão, pelo menos na Inglaterra, para popularizar os diários, nascendo aí, por volta dos anos 1990, o fenômeno dos tabloides sensacionalistas que fizeram cair a qualidade para concorrer com a superficialidade do jornalismo digital que se praticava na época, cujo foco era o sexo e a vida das celebridades. A personagem Tamara, de Exclusiva, é fruto dessa era de indistinção entre vida privada e pública, que fez surgir os reality shows. Pressionada pelo tempo, pelo deadline (fechamento) da edição, ela acaba fazendo um jornalismo medíocre.

De fato, o encontro de Tamara com a veterana Honor acaba se revelando um desastre. Por que razão, de modo geral, jovens repórteres têm sérias dificuldades para traçar o perfil de seus entrevistados? Falta de interesse no personagem ou de repertório?

A.MC. – Como disse, acho que a pressão do tempo é a principal causa dos textos superficiais nos jornais. Se você considerar que um perfil para a revista The New Yorker podia exigir até três meses de um repórter para ser escrito, fica fácil entender a razão de Honor se irritar com Tamara. Hoje você tem meia hora para dar uma passada de olhos num livro, preparar as perguntas e entrevistar o autor. A pressão do deadline está acabando com os jornais.

A transição do jornalismo para o digital

Você foi editora de importantes jornais, como The Guardiane Financial Times. Por que trocou o jornalismo pela literatura?

A.MC. – Queria tentar uma nova vida. Mas não abandonei o jornalismo definitivamente. Uma prova disso é Exclusiva, romance que trata da transição tecnológica que testemunhei com a eclosão da mídia digital. Queria descrever como se deu essa transição, os traumas que ficaram, relacionando-a à época da ascensão de Tony Blair (a ação do livro se passa em 1997).

Críticos americanos, quando Exclusivafoi lançado nos EUA, fizeram uma associação com o clássico de Evelyn Waugh, Furo, sátira dos anos 1930 que castiga justamente o jornalismo sensacionalista e brinca com a função de correspondente estrangeiro. Waugh foi seu modelo?

A.MC. – Não diria que ele foi meu modelo, mas minha inspiração. Furo é um dos grandes livros sobre jornalismo, obra de um observador mordaz sobre o jornalismo praticado nos anos 1930, tão satírico quanto o Michael Fryn de Towards the End of the Morning, que descreve o impacto provocado no jornalismo impresso com a popularização da TV nos anos 1960, como ela instrumentalizou os jornais para impor a nova tecnologia, antecipando o que internet faria três décadas depois. Escolhi seguir adiante ao abordar a transição do jornalismo impresso para o digital.

“Se tivesse de escolher um cineasta, o nome seria Ken Loach”

Os romances de seu marido são disputados por cineastas. Algum já a procurou para adaptar Exclusiva? Qual o diretor que você escolheria para dirigir uma versão de seu romance?

A.MC. – Nenhum produtor ainda me procurou, mas as pessoas dizem que a história funcionaria bem na tela. Se tivesse de escolher meu preferido, certamente o nome de Ken Loach seria o primeiro da lista. O segundo seria Michael Winterbottom.

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[Antonio Gonçalves Filho, do Estado de S.Paulo]