Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Trambique democrático e vida eterna à Petrobras

Ando muito preocupada com a formação dos universitários, não por causa dos alunos, mas pela desonestidade intelectual de certos professores, assim como me impressiona, mal, o modo como alguns jornais franqueiam seus espaços a articulistas com título, mas de qualificação duvidosa. O texto ‘O MST e a Petrobras’, publicado na grande imprensa e assinado por um professor universitário em atividade, é uma das razões dessa inquietação que achei melhor compartilhar com os leitores.

O autor do artigo se dedica a fazer uma crítica severa à Petrobras por anunciar na revista Sem Terra, do MST. Em nome da democracia, o professor repudia a prática da estatal dizendo que o conteúdo do anúncio ‘A Petrobras é a maior patrocinadora de cultura do Brasil’ é incompatível com uma publicação ‘basicamente política, orientada por um forte viés ideológico esquerdizante, ancorado na supressão das instituições representativas, da economia de mercado e do próprio estado de direito’. E para dar sentido à sua questão, arremata afirmando: ‘A pergunta que se impõe é: qual é a relação entre o MST e a cultura, salvo sob a forma da endoutrinação revolucionária, procurando subverter a democracia representativa e as instituições republicanas?’.

Se fossemos leitores primários, poderíamos dizer que o professor é um habilidoso manipulador de sentidos ao recortar o problema no conteúdo do anúncio para escamotear o objetivo de descer o sarrafo no MST e na democratização das verbas publicitárias públicas para todos os meios de comunicação. Um velho trambique democrático que, infelizmente, ainda funciona e é o mais rasteiro libelo antidemocrático. Norberto Bobbio já ensinou que uma democracia se considera como tal quando todos os interesses e setores da sociedade podem manifestar sua opinião de maneira livre, orgânica e sem exclusões, usando de iguais oportunidades e direitos, respeitando os mesmos deveres.

O jornalista uruguaio Mario Del Gáudio, em artigo sobre a imprensa alternativa, lembra que o…

‘…normal funcionamento da democracia exige que os partidos, movimentos sociais e sindicais divulguem suas idéias e enfoques com a maior freqüência possível. O instrumento adequado para isso é a imprensa. Se o livre jogo da democracia admite que grupos minúsculos, porém com grande poder econômico, publiquem e desenvolvam sem limite seus meios de difusão, inclusive captando vultosos recursos do Estado, é lógico pretender que o regime democrático garanta que os demais setores da sociedade tenham não somente o mesmo direito como também, o que é mais importante, que esse direito seja efetivamente exercitado com, pelo menos, a mesma possibilidade e grau de influência e impacto sobre a cidadania’.

Estudantes, fiquem atentos

Disso se depreende que o Estado deve destinar recursos suficientes a este fim, como já acontece há muito na Suécia, na Itália, agora na Venezuela, e a prática da Petrobras poderia servir de exemplo no Brasil para a implantação de uma política de Estado nesse sentido, independentemente de governos. Do contrário, quem grita mais forte e por mais tempo sempre terá razão, e isso não é democracia, ainda mais quando do outro lado a única prática possível é o exercício do silêncio. Ainda segundo Mario Del Gaudio,

‘…colocar acento sobre a construção de um sistema de comunicação capaz de manter um diálogo cotidiano de alta freqüência, minuto a minuto, a cada instante se for possível, com suas bases, é um direito elementar das organizações políticas e sociais que deve ser fomentado e sustentado pelo Estado democrático’.

O autor do artigo que acusa a Petrobras de colocar em risco a democracia ainda aposta na crença de que todos acreditamos que ‘ideológico é o outro’. Só ele e sua representação são isentos e têm a verdade na mão. Os fascistas também pensam assim, e isso é muito perigoso para a democracia.

A Petrobras dá uma demonstração de maturidade democrática ao contemplar igualmente todos os meios de comunicação com as verbas publicitárias públicas garantindo, assim, que os diversos segmentos da sociedade tenham o direito de dialogar com seus verdadeiros interesses. Aliás, essa é uma excelente oportunidade para relançarmos a campanha cidadã, iniciada em 2004, pela ‘Democratização das verbas públicas de publicidade e propaganda para todos os meios de comunicação’. Nesse ano, foi passado um abaixo-assinado que, só na Zona Sul do Rio de Janeiro, chegou a recolher cerca de 600 assinaturas. A idéia é ampliar o debate para chegarmos à concretização. Na época, o documento foi encaminhado e recebido com toda a atenção e respeito pelo querido professor Carlos Lessa, então presidente do BNDES.

Bem, graças à Petrobras, a campanha está relançada. E que os estudantes fiquem atentos às manobras retóricas, sobretudo nestes tempos em que a guerra se trava no campo do discurso.

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Jornalista, doutoranda em Semiologia pela UFRJ e professora universitária