Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Manuel Pinto

‘Os professores estiveram na semana finda sob o foco dos media. Enquanto uma sondagem há dias divulgada pela Marktest colocava a profissão como a segunda mais valorizada pelos portugueses (embora a significativa distância dos médicos, que surgem no primeiro lugar da tabela), voltamos a assistir ao panorama dos erros das colocações e, com eles, dos dramas pessoais e familiares de um grande número destes profissionais. A consequência desta aparente incompetência governamental é que, com o ano lectivo prestes a começar, um número indeterminado de escolas sentirá perturbações e dificuldades.

Aos professores afectados pela situação não lhes falta motivo de cuidado. Razão pela qual não se encontrarão nas melhores circunstâncias para ponderar naquilo que hoje gostaria de reflectir com todos aqueles que, nestas alturas, possam estar ainda a preparar as actividades lectivas e as actividades das escolas.

Pretendo retomar uma ideia aqui já aflorada e que consiste em fazer do jornal (e quem diz do jornal diz, em geral, dos media) matéria de estudo e de análise nas aulas e noutro tipo de iniciativas escolares.

Um jornal generalista de âmbito nacional, como é o JN, constitui um recurso de elevadíssimo potencial pedagógico e cívico. Com uma malha fina de pontos de atenção às realidades locais e sem descurar as grandes questões que atravessam o país e o mundo, o jornal propõe diariamente uma escolha e uma leitura do que interroga, preocupa, motiva os nossos contemporâneos e cada um de nós. É difícil não encontrar numa edição – e mais ainda no acompanhamento das sucessivas edições – motivos de interesse, de curiosidade, de arrebatamento.

Sabemos que aquilo que um jornal, um noticiário da rádio ou um jornal televisivo nos proporcionam constitui uma proposta selectiva, por vezes muito discutível, daquilo que mereceria estar em destaque. E que o ritmo e as condições de produção informativa nem sempre redundam na qualidade desejável. Mas até por estas razões se torna importante o escrutínio dos leitores, nomeadamente daqueles que podem lançar sobre os media um olhar mais atento e crítico.

A preocupação que alguns leitores manifestam por aspectos específicos do seu jornal tem vindo a crescer, a avaliar pelo número de mensagens chegadas ao provedor. São muitos os que têm uma opinião formada e que vibram ou se exasperam com os sucessos e asneiras do jornal. São bastante menos os que se dispõem a dar conta dos seus pontos de vista e menos ainda os que apresentam sugestões. Mas é andando que se faz caminho, não é verdade?

Hoje, a minha proposta e o meu desafio visam um pouco mais longe: acolher os assuntos da actualidade na aula e tornar o jornal num companheiro quotidiano do ensino e da aprendizagem. Porque o jornal é um recurso no qual podem ir beber várias disciplinas, em praticamente todas as áreas do conhecimento. Porque o jornal é um apoio a metodologias assentes na pesquisa e no trabalho colaborativo dos alunos. Porque o jornal é um ‘texto’ para ler o mundo, a partir dos sinais mais palpitantes que são os acontecimentos do dia ou da semana. Porque o jornal – na sua versão impressa e electrónica – traz à escola aquilo que os manuais, num quadro de aceleradas mutações, não podem naturalmente incluir. Porque o jornal é, também, aquilo que os seus leitores quiserem e exigirem que ele seja.

Porém – e este porém é essencial e decisivo: não basta utilizar conteúdos dos media na educação. É fundamental fazer dos media – do jornalismo, da comunicação, da publicidade, das indústrias, das tecnologias, dos profissionais, das políticas para o sector – um tema de estudo. É necessário aprender a usar algumas chaves que permitam ir para além do valor facial (do ‘ecrã’) do que é publicitado, do que está a montante das notícias publicadas. Sem esse contexto – profissional, empresarial, societal, político – o ‘texto’ dificilmente se compreende. E vem a propósito observar que a função do provedor pode e deve ser um contributo nesse desvendamento e na interacção entre universos que frequentemente se desconhecem entre si.

Se o jornal fosse apenas ‘mais um recurso’, poder-se-ia eventualmente considerar ‘um recurso a mais’, tão vasta é hoje a panóplia de ofertas de materiais pedagógicos. Acontece que jornal (e os media) é cada vez mais, para a generalidade das pessoas, o meio de acompanhar o que se passa e o fórum que ajuda cada um a situar-se no mundo em que vive. O que os torna instrumento e expressão central da cidadania. E se assim é, será desejável ou mesmo legítimo que a escola os ignore?

Quem concorda e quem discorda do sentido e alcance deste repto; quem tem experiências bem ou mal sucedidas para contar; e quem tem planos de actividades neste campo – seja novato ou veterano no assunto, docente ou não – gostaria de dar voz neste espaço. O provedor, que se assume como uma instância do exercício da cidadania, está interessado em conhecê-la.’