Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O mundo de fantasias

Sempre que leio algum texto de Gustavo Ioschpe me pergunto de qual mundo de fantasia esse senhor saiu. Não foi diferente dessa vez, quando deparei com “As escolas não são públicas. E privatizar não resolver” (Veja, 25/06/2012). Quem conhece minimamente de perto a caótica realidade educacional brasileira sabe que o conteúdo dos artigos de Ioschpe não pode ter por base o mundo real. Se não são fantasias, são delírios ou devaneios. Fosse de outra forma, não escreveria que o Brasil já gasta o suficiente para ter um sistema de ensino eficiente.

A sua análise do problema educacional brasileiro “é que já temos, em linhas gerais (sempre há sobras e excessos em um país enorme e descentralizado como o nosso), tanto o financiamento quanto o arcabouço institucional para dispormos de uma educação de qualidade. Os melhores sistemas educacionais do mundo gastam basicamente o mesmo que nós e também têm a maioria de suas matrículas em escolas públicas, como nós. O que falta para iniciarmos a melhoria é demanda popular por uma educação de qualidade. Sua ausência gera falta de ação da classe política, dos gestores de escolas e dos professores”.

Concordamos que falta demanda popular por uma educação de qualidade, mas isso está longe de ser a única coisa a não grassar na realidade educacional. Nas palavras de Frei Betto, em “Ações do documento Educação: da quantidade à qualidade” (Correio Braziliense, 14/01/2011), a “análise de 39 países, feita pela OCDE em 2010, revela que o investimento do Brasil em educação corresponde a apenas 1/5 do que os países desenvolvidos desembolsam para o setor. EUA, Reino Unido, Japão, Áustria, Itália e Dinamarca investem cerca de US$ 94.589 (cerca de R$ 160 mil) por aluno no decorrer de todo o ciclo fundamental. O Brasil investe apenas US$ 19.516 (cerca de R$ 33 mil)”.

Para entender as fantasias

No editorial de O Estado de S. Paulo (28/05/2012) intitulado “Os salários dos professores”, podemos ler:

“Depois de terem recebido reajustes acima da média na última década, os professores da educação básica continuam com os salários mais baixos do país, entre os profissionais de nível superior. São cerca de 2 milhões de profissionais que atendem mais de 50 milhões de crianças e jovens. (…) Em 2000, a renda média de um docente do ensino fundamental equivalia a 49% do que ganhavam os demais trabalhadores com nível superior. Em 2010, a relação aumentou para 59%. No ensino médio, a variação pulou de 60% para 72%. Em média, um médico e um engenheiro civil receberam R$ 7.150 e R$ 6.015 mensais, na última década. Os médicos e engenheiros também tiveram a menor taxa de desemprego no período – 0,7% e 1,7%, respectivamente. Já o salário médio dos docentes da educação básica ficou em torno de R$ 1.878 e a taxa de desemprego foi de 3%, entre 2000 e 2010.”

Com os dados acima, não podemos concordar de forma alguma que já temos o suficiente em matéria de financiamento da educação e se falássemos em condições estruturais das redes de escolas públicas do país a situação seria ainda mais trágica. Mas levando em conta apenas os vencimentos dos professores, o que autoriza o senhor Ioschpe a dizer que “as escolas brasileiras não são públicas, se por público entendemos ‘relativo ou pertencente a um povo, a uma coletividade’ (Houaiss) As escolas ditas públicas no Brasil são, em alguns casos, escolas estatais, que estão lá para servir os desígnios dos ocupantes do poder político. Na maioria dos casos, são escolas corporativas, cuja função principal é defender os interesses de seus professores e funcionários”? Pois se assim fosse, os professores seriam a profissão de nível superior com um dos menores vencimentos?

Poderíamos responder que o referido autor escreve ficção, que seus artigos na revista Veja são crônicas com 90% de fantasia e 10% de realidade, mas tal resposta desabonaria os cronistas sérios. Uma resposta mais plausível é que defende pontos de vista indefensáveis de um ponto de vista racional, mas politicamente sua visão distorcida da realidade muito favorece o veículo de comunicação onde publica seus disparates, Veja, do grupo Abril, que por sua vez, tem grande interesse em difundir os desarrazoados defendidos pelos tucanos paulistas. Isso porque o governo de São Paulo é o maior freguês das revistas Abril. Aí, sim, podemos entender melhor as fantasias do senhor Gustavo Ioschpe.

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[José Alexandre Silva é professor de História, Ponta Grossa, PR]