Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vícios de jornalista

Fátima Bernardes é um poço de simpatia, disso ninguém duvida. A capacidade em seduzir – a plateia, a audiência, o entrevistado – é, afinal, o que a credencia para apresentar Encontro com Fátima Bernardes que a Globo colocou no ar ontem (25/6), disposto a contar boas histórias e a esmiuçar um assunto sob pontos de vista diversos. Mas a estreia da jornalista como show-woman ainda denuncia os vícios de uma profissional treinada e habituada a anos de exercício para não se comover, ou se comover com muita contenção, diante das notícias e entrevistas feitas para o sóbrio Jornal Nacional.

Falta interjeição às reações expressas pela apresentadora. Todo relato merece dela um “obrigada” no mesmo tom. Pode ser a história mais triste do mundo, a mais bem-sucedida, e Fátima responde: “Obrigada.” O marido, William Bonner, surge na tela para lhe mostrar a reunião de pauta do dia no Jornal Nacional, isso, sim, como nunca se viu na tela da Globo – como pregava o anúncio do programa de Fátima. Bonner está à vontade. É quase um Silvio Santos conclamando a equipe a se apresentar para o alcance da câmera que leva a ele e a todo o staff do principal telejornal do país a dar as boas-vindas ao programa da mulher, diretamente do Jardim Botânico para o Projac, distância que o espectador comum não há de captar.

Bonner se anima: “Pode me perguntar o que você quiser, Fátima.” E ela: “Quais serão as novidades de hoje no Jornal Nacional?” Desânimo. O marido conta tudo e se despede com um “tá bonito, o programa”. E ela, no mesmo tom: “Obrigada.”

A cabine é um luxo

Para uma abertura com requintes de Hebe, de quem vira a cabeça com um glamoroso jogar de cabelos, Fátima pode se comover mais em cena. Não que se espere dela uma performance como a da Madalena Bonfiglioli, repórter que ganhou fama no SBT, nos idos do Aqui Agora, por chorar antes do entrevistado. Mas ela pode ousar mais e o público pode esperar por mais. Sim, pois não há como pedir que isso se apresente no primeiro dia em que ela estreia como apresentadora de programa de variedades.

Estrutura para tanto não há de faltar. A Globo fez questão de desfilar todo o exibicionismo de que tem direito em dia de estreia. Talvez não vá precisar de tanto no dia-a-dia. Ontem, foi o momento de colocar Marcos Losekan em cena, diretamente de Londres, de mostrar reportagem gravada no Marrocos e exibir imagens da Índia.

Outra arte da Globo é fazer novelas, e por que se furtar de um formato que sabidamente atrai a audiência? Por que esgotar um assunto no primeiro dia de sua proposta? Assim, o programa inaugural trouxe debate sobre adoção, com a promessa de que ali se falará sobre o tema durante toda a semana. Ontem, foi a vez de os pais se pronunciarem. Hoje, o dia é dos filhos. É um meio de dividir o enredo em capítulos, como se faz na ficção, sem exaurir o espectador que porventura não tenha interesse no assunto em foco naquele dia.

Virando a página, há espaço para depilação para homens, pretexto que vale a presença de uma ou outra figura popular no programa, do ator da novela das 9 ao Tony Ramos, que gravou sua cena previamente. E tem aquela cabine espelhada, que é um luxo. Joga holofotes sobre anônimos, com chances de exibir os anseios de quem está do outro lado da tela.

***

[Cristina Padiglione é colunista do Estado de S.Paulo]