‘O soldado do século 16 não usava uniforme. Como relata o historiador militar John Keegan, ele ‘orgulhava-se da diversidade de sua indumentária, muitas vezes produto de pilhagem’. Esse guerreiro mercenário adotava ‘a moda renascentista de rasgar as roupas externas para exibir as sedas e veludos usados por baixo’ para mostrar que ‘um soldado podia tomar a seu bel-prazer coisas finas e usá-las com impunidade’. O uniforme militar generalizou-se no século 18, como elemento simbólico da afirmação da soberania do Estado, e seu uso foi consagrado pelo ‘exército de cidadãos’ da França revolucionária, que proclamou o igualitarismo e suprimiu as distinções entre os nobres e a plebe.
Como o uniforme militar, o uniforme escolar, mais do que uma vestimenta, é um símbolo. Ele desempenha a função de cancelar as diferenças de berço, renda, cultura e religião entre os jovens estudantes. Ele circunda o espaço e o tempo da escola por meio de uma fronteira imaginária que separa a vivência pública da privada. Ele veicula uma mensagem de compromisso do Estado com a educação pública e de reconhecimento da cidadania plena de todos os que atravessam o portão da escola.
Esses significados simbólicos do uniforme escolar parecem, surpreendentemente, escapar à compreensão do prefeito José Serra. A sua decisão de vender espaços publicitários nos uniformes escolares de São Paulo revela desprezo pelas obrigações do Estado e pelos direitos dos estudantes. Os argumentos esgrimidos pela prefeitura e a linguagem utilizada pelos defensores da ‘solução criativa’ de distribuir uniformes ‘patrocinados’ evidenciam um grau preocupante de dissolução dos valores republicanos entre nós.
A novidade é descrita, hipocritamente, como ‘doação de uniformes’, como se o mercado publicitário não atribuísse valor à inscrição de anúncios e logomarcas empresariais nas roupas de 900 mil jovens. Em defesa da operação, a prefeitura (e até um editorial desta Folha!) oferece cálculos de economia de recursos públicos que mal escondem a concepção que os inspira. É como se o uniforme escolar fosse uma dádiva generosa, um favor, uma esmola, mais uma cesta básica entre tantas que grassam no país-laboratório das ‘políticas sociais compensatórias’. No fundo, é como se a educação pública fosse um estorvo para a sociedade, um ralo por onde descem recursos aos quais se poderia conferir destino ‘produtivo’.
Vivemos num tempo de esfuziante entusiasmo dos políticos pela idéia de ‘parcerias público-privadas’. Um banco privado empresta milhões sem garantias ao partido do governo e ganha preferência no ‘negócio da China’ de empréstimos consignados aos aposentados do INSS. Uma aeronave da Força Aérea transporta gratuitamente os filhos do presidente nas suas férias privadas. Um estilista camarada financia com doações a renovação do guarda-roupa da primeira-dama. Na versão de Serra da idéia da moda, a prefeitura oferece aos empresários parceiros quase um milhão de outdoors ambulantes, que, casualmente, são menores de idade e, na escola, devem aprender a distinguir o interesse público dos interesses privados.
Atrás de cada logomarca empresarial no uniforme ‘patrocinado’ oculta-se a mensagem de que tudo está à venda, inclusive os valores. É isso mesmo que Serra quer dizer?’
TODA MÍDIA
Nelson de Sá
‘
Sem povo ‘, copyright Folha de S. Paulo, 8/09/05‘Na escalada do ‘Jornal Nacional’, à noite, ‘vaias e aplausos’.
Na Band News, durante a transmissão, ‘vaias e aplausos’. Dizia a Globo News, ‘alguns carregavam cartazes contra a corrupção, já outros apoiavam o presidente’.
Nas rádios Jovem Pan e CBN, ‘vaias e aplausos’.
No enunciado à tarde na Folha Online, ‘Lula ouve vaias e aplausos’. E no Globo Online, revezando as fotos de um e de outro grupo em sua home page, ‘vaias e aplausos’.
Aqui e ali, o registro talvez mais significativo de que ‘30 mil acompanham o desfile, metade do que era esperado’, na Band. Ou que ‘30 mil compareceram, número bem menor do que o esperado’, na Globo.
O mesmo se viu no Grito dos Excluídos, organizado pela Conferência dos Bispos e pelos movimentos sociais, contra a política econômica, deixando vazar também para as críticas à corrupção.
No relato da repórter da Band, ‘em Brasília, o Grito foi fraco’. Em São Paulo foi um pouco maior, como mostrou a Globo, primeiro na Sé, seguindo depois para o Ipiranga.
Os petistas estiveram lá, com Eduardo Suplicy e Ivan Valente em entrevistas na Globo News e com Luiz Eduardo Greenhalgh na Jovem Pan.
Mas foi só em Aparecida, na basílica, que o Grito fez lembrar os anteriores em participação. A Globo contou ‘40 mil na missa do trabalhador’.
Ainda assim, também lá foi menos do que o esperado. Antes se falava em 90 mil.
Em longa entrevista à CBN, por celular, saindo de Aparecida pela Dutra, João Pedro Stedile, do Movimento dos Sem-Terra, avaliou que a desmobilização popular é fenômeno histórico, da última década, mas também ‘conjuntural’:
– Se agravou com a denúncia de corrupção, deixando o povo mais aborrecido. Veja que, no meio da crise, o povo tem ficado quieto. Não se manifesta contra ou a favor do governo Lula. As manifestações que têm havido são de militância, nas quais os setores contra o governo tentam forçar o ‘Fora Lula’ e os setores a favor tentam mobilizações de ‘Fica Lula’. Mas são militantes, não são massivas.
Quanto aos sem-terra e outros movimentos:
– Do governo não esperamos mais nada… Deixe eu esclarecer melhor. É porque é um governo ambíguo, que mistura ministros progressistas com ministros conservadores. Então, se formos esperar a iniciativa do governo… Agora, nós acreditamos que há tempo ainda, desde que o povo se mobilize e passe a pressionar o governo.
Ele quer pressão por mudança na economia. Só que ‘o povo’ não quer nem saber. Nem de ato contra a corrupção nem contra o neoliberalismo.
Aliás, o registro mais grotesco, na voz de Fátima Bernardes no meio da tarde:
– Confusão no desfile de Sete de Setembro no Recife. Dez mil assistiam à parada quando um grupo de punks começou a agredir a multidão.
Saíram batendo no ‘povo’, sabe-se lá por quê.
DE ROTINA
Cena da violência no Rio
Desde o ‘Bom Dia Brasil’ até o ‘Jornal Nacional’, passando por ‘RJTV’ e demais, a Globo apresentou o espetáculo de rotina -de violência- dos fins de semana e dos feriados nas grandes cidades. Era uma ‘ação de bandidos que montaram uma falsa blitz para assaltar motoristas’ num túnel carioca. Até chegar a cavalaria, ‘em tempo real’:
– O carro da TV Globo se aproximou e dois ladrões correram. Um pouco à frente, outro fugiu. Um quarto integrante do bando saiu do matagal com fuzil na mão. Com medo, as vítimas ficaram abraçadas.
SEM DUDA
Lula falou em rede, com o discurso esperado, de que nada vai mudar na economia, apesar da crise -e de que os culpados devem pagar, até mesmo os ‘amigos’, como destacavam os sites noticiosos, em seguida.
Mas o que chamou a atenção foi que aos poucos, sem os cortes de sempre ou a mudança de câmeras, Lula foi perdendo o fôlego, até terminar quase sem ar.
É a ausência de Duda Mendonça, o encenador.
Para a semana
O ‘JN’ também ouviu, ‘com exclusividade’, o ex-gerente que vem denunciando Severino. Foi parar nas manchetes.
E depois de idas e vindas a oposição, afinal, ‘encaminhará o pedido de cassação’:
– Mas só na semana que vem.
Aliás, ontem ‘manifestantes protestaram contra Severino em Copacabana’, segundo a CBN.
Para o mês
E Daniel Dantas vem aí, afinal. Segundo a Folha Online, depois de idas e vindas também a CPI dos Correios conseguiu fechar o ‘calendário’ do mês.
O banqueiro aparece no fim da fila, dia 21, mas está lá. Ou pelo menos, como registrou o site, ‘está prevista uma audiência’.’