A imprensa norte-americana, cada vez mais, troca informação por suposições. A denúncia é do jornalista Reyhan Harmanci, do San Francisco Chronicle. Reyhan aponta um culpado, ou melhor, vários: as revistas femininas. Segundo ele, a prática, que já se via em 1901 no Ladies’ Home Journal, se caracteriza por pegar casos particulares e tratar deles como se fossem uma tendência geral. E dá um dica ao leitor que quiser identificar esse tipo de jornalismo: são matérias que abusam de adjetivos como novo, próximo, muitos, poucos e, especialmente, crescente ou decrescente. Matérias que levam o leitor a acreditar em tendências, embora tenham base apenas em casos pontuais e não em estudos ou pesquisas.
Outro que denuncia esse tipo de jornalismo é o crítico de mídia norte-americano Jack Shafer, que dá como exemplo o USA Today: ‘O jornal afirma que um crescente número de adolescentes obesos está fazendo cirurgia do estômago como forma de emagrecer’. A base da afirmação? A notícia que ele reproduz : ‘Mais de 100.000 adultos que sofrem de obesidade mórbida farão cirurgia para perda de peso este ano, de acordo com a American Society for Bariatric Surgery. Não há números sobre quantas cirurgias serão feitas em adolescentes, mas os cirurgiões relatam que estão recebendo mais consultas de famílias e médicos’. Segundo Shafer, ‘o fato de que os cirurgiões possam ter sido mais questionados pelas famílias e médicos das crianças não se traduz automaticamente num crescente número de cirurgias em adolescentes’. E conclui dizendo que ‘o USA Today não precisa inventar tendências para vender a história’.
Do outro lado do debate estão os defensores das matérias de tendência, como a jornalista Elizabeth Austin, que afirma: ‘As matérias de tendência incluem pessoas que não são criadores de notícia, mas que estão, de fato, tendo um impacto real na cara do país. É uma forma que as revistas encontram para confrontar e analisar a vida diária do modo como as revistas femininas têm feito por mais de um século’.
Análise da vida diária ou adivinhação? Segundo Reyhan Harmanci, ‘a mídia americana está obcecada com a desconstrução dos hábitos sociais da nação e os hábitos pessoais, revelando seus padrões escondidos, analisando e tentando adivinhar o futuro, esquecendo que a função da imprensa é informar’.
É só conferir
Se o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil, não vai demorar para que esse tipo de matéria se torne coqueluche por aqui. Aos poucos já se percebem sinais em jornais e revistas. São matérias falando dos metro e ubersexuais, matérias mostrando que a moda agora é fazer tricô e tecer em público ou matérias mostrando que mulheres se reúnem nos bares para beber e relaxar, coisa que antigamente era exclusividade masculina.
Nas revistas femininas, que, segundo se diz agora, foram as precursoras desse mau jornalismo, o grande peso editorial – pelo menos no Brasil – é reservado às matérias de moda, beleza e decoração. Matérias que praticamente obrigam as leitoras a usar o que elas querem (porque é só o que se encontra em lojas), cortar o cabelo ou fazer apliques, conforme o desejo dos coiffeurs, ou ter em casa um objeto de decoração mesmo que fora do orçamento, para não ser acusada de desinformada. Para não falar da necessidade de fazer dieta, freqüentar academia e evitar o envelhecimento a qualquer custo, porque são as prioridades da geração saúde e da mulher do século 21, segundo essas revistas.
E, para provar que aqui também usamos casos particulares para mostrar tendências, é só conferir as matérias publicadas. Recentemente a revista Nova (Observatório da Imprensa, 25/10/2005; ver remissão abaixo) falou da nova tendência das empresas: ‘Fazer manicure, massagem e depilação no próprio escritório, poder trabalhar em casa sem culpa, sair mais cedo na sexta-feira para ir ao shopping… Não é promessa de político, não. Um número cada vez maior de companhias nacionais e multinacionais está criando benefícios para melhorar a nossa vida. Bem-vinda à nova era do trabalho.’
Público especial
Estão lá na matéria os adjetivos, à falta de uma pesquisa mais concreta, e a nova forma de fazer notícia: casos particulares são passados aos leitores como tendência geral.
Esse tipo de descompromisso com a notícia se repete sempre. São matérias dizendo que o homem mudou e agora é mais companheiro, carinhoso e gentil, que os jovens estão preferindo casar com mulheres mais velhas ou que é cada vez maior o número de executivas bem-sucedidas que conseguiram harmonizar o trabalho e a criação dos filhos sem culpa. Para não falar das mulheres que vivem sozinhas, têm uma vida sexual plena, não pensam em ter parceiro fixo e são felizes assim.
A exemplo dos americanos, as revistas femininas falam para um público especial – a mulher dos grandes centros, formada, informada e que ganha bem. Uma pequena minoria que tem hábitos muito particulares e que, com suas histórias de vida, deixam a grande maioria das leitoras ainda mais frustrada por estar à margem das grandes tendências do mundo de hoje. Se esse segmento da imprensa se preocupasse um pouco mais com os leitores, poderia usar uma parte da verba que gasta para fazer fotos e falar do supérfluo, para investir em pesquisas que mostrassem as reais tendências da sociedade.
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Jornalista