‘Alguns minutos antes das 7h de uma manhã recente, Greeshma Salin girou sua cadeira, encarou o computador, colocou os fones de ouvido e microfone e disse, em inglês com leve sotaque: ‘Alô, Daniela’. Segundos mais tarde, ouviu a resposta: ‘Alô, Greeshma’.
As duas começaram a conversar animadamente, até que Salin disse: ‘Vamos trabalhar com os pronomes, hoje’. A seguir, digitou: ‘Daniela acredita que Daniela deveria dar Scarlet, o cavalo de Daniela, para a irmã de Daniela’.
‘A sentença lhe parece desajeitada?’, perguntou. ‘O que você faria para melhorá-la?’
Não há nada de incomum nesse diálogo, se não levarmos em conta que Salin, 22, está em Cochin, na costa sul da Índia, e sua aluna, Daniela Marinaro, 13, está em casa, em Malibu, Califórnia.
Salin é parte da nova leva de trabalhadores indianos terceirizados: os professores particulares para alunos norte-americanos. Duas vezes por semana, já há um mês, Salin, que cresceu usando o idioma malayalam, um dos muitos idiomas indianos, está ensinando gramática inglesa, redação e compreensão de texto a Daniela.
Usando uma lousa simulada em seus computadores, conectados pela internet, e uma cópia do manual empregado por Daniela, ela orienta a adolescente quanto às complexas regras dos substantivos, adjetivos e verbos.
Daniela, aluna de oitava série na Malibu Middle School, disse que tira ‘C em inglês’ e quer ‘tirar A’, e acrescentou que nunca havia pensado muito sobre o fato de que sua professora estava a 30 mil quilômetros de distância, ainda que no começo a situação lhe parecesse ‘um pouco estranha’.
Ela e sua irmã, Serena, 10, aluna de quarta série na Malibu Elementary, são apenas duas dos 350 norte-americanos matriculados no Growing Stars, um serviço de aulas particulares on-line sediado em Fremont, Califórnia, mas que tem todos os seus 38 professores instalados em Cochin. O serviço oferece aulas particulares de matemática e de ciências e recentemente acrescentou um curso de inglês, para estudantes da terceira à 12ª série.
Cinco dias por semana, às 4h30, horário de Cochin, os professores se conectam, no momento em que seus alunos norte-americanos abrem os livros para sua lição de casa, no começo da noite.
A Growing Stars é uma das pelo menos meia dúzia de empresas, em toda a Índia, que estão ajudando as crianças dos Estados Unidos com suas tarefas de casa e estudos.
Como em outros setores terceirizados, o fator que estimula as ‘lições de casa terceirizadas’, como a prática se tornou conhecida, é o custo. Empresas como a Growing Stars e a Career Launcher Índia, de Nova Delhi, cobram US$ 20 por hora de um aluno norte-americano que precise de aulas particulares, ante os US$ 50 ou mais que um professor particular norte-americano cobraria.
A Growing Stars paga um salário mensal de 10 mil rúpias (cerca de US$ 230, ou R$ 531) aos seus professores, duas vezes o que eles ganhariam como recém-contratados em uma escola local.
Os críticos expressaram preocupação quanto à qualidade dessas aulas oferecidas.
‘Aulas particulares on-line não são fiscalizadas ou monitoradas de perto; há poucos padrões de referência setoriais’, disse Rob Weil, diretor-assistente do departamento de questões educacionais da Federação Norte-Americana de Professores. ‘A qualidade se torna uma questão mais difícil no caso das aulas particulares dadas por estrangeiros, porque a monitoração é mais difícil’, disse Boria Sax, diretor de pesquisa, desenvolvimento e treinamento on-line no Mercy College, de Dobbs Ferry, Nova York.
A Growing Stars está se expandindo rapidamente para acomodar estudantes da costa leste norte-americana, Canadá, Reino Unido e Austrália.
Seus professores, a maioria portadores de diplomas de pós-graduação em pedagogia, têm profundo conhecimento dos temas. Passam por duas semanas de treinamento técnico, cultural e de sotaque, que inclui familiarização com as diferenças entre o inglês britânico, amplamente usado na Índia, e o norte-americano.
‘Eles aprendem a usar ‘eraser’ [apagador], em lugar do equivalente indiano, ‘rubber’ [borracha], e a compreender que ‘preciso tirar água do joelho’ quer dizer que a pessoa precisa ir ao banheiro’, disse Saji Philip, empresário de software de origem indiana, presidente do conselho e co-fundador da empresa, que trabalha em Nova Jersey.
Ainda assim, a disparidade cultural é real. Em Cochin, Leela Bai Nair, 48, ex-professora com 23 anos de experiência e treinadora dos professores da Growing Stars, disse que ficou ‘chocada quando alunos norte-americanos de 10 anos me chamaram de Leela. Em toda a minha carreira como professora na Índia, os alunos me chamavam de ‘senhora’, diz.’
Ethevaldo Siqueira
‘Uma cartilha para a segurança na internet’, copyright O Estado de S. Paulo, 11/09/05
‘A internet é um terreno minado. Nela, estamos expostos a todos os tipos de ataques e armadilhas, como num lago de piranhas e jacarés. Só conseguem sair ilesos os usuários bem informados e cuidadosos. Os incautos e despreparados são as primeiras vítimas.
O grau máximo de segurança, contudo, só será alcançado se todos nós – usuários, indústria, provedores e organismos gestores – estivermos atentos vigilantes e unidos. Parodiando o lema da velha União Democrática Nacional (UDN), ‘o preço da segurança é a eterna vigilância’. E esclareço: nunca fui udenista.
Um de nossos melhores guias de sobrevivência nesse campo minado da Web é a Cartilha de Segurança para a Internet, preparada pelo Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil (CERT.br), cuja versão 3.0 acaba de ser lançada. Para obter o seu exemplar, acesse o endereço http://cartilha.cert. br/ e faça o download, gratuitamente. Mas não fique nisso.
Leia ou releia pelo menos um capítulo por dia e, mais importante ainda, ponha em prática todas as suas recomendações. O usuário bem informado, que trabalha em computador protegido com firewalls e antivírus, pode evitar mais de 95% das armadilhas e ataques. Para alcançar algo próximo de 100% de segurança, precisaria contar ainda com uma boa legislação antifraude, aplicada de forma implacável, isto é, com tolerância zero.
Necessitamos, em especial, de meios para identificar com rapidez a origem de qualquer site agressor ou que se apresente com nome falso. Não podemos ser tímidos nesta guerra contra a fraude. Se não formos mais ousados do que os delinqüentes, eles vencerão.
O NOVO MANUAL
A Cartilha cobre conceitos de segurança, riscos envolvidos no uso da internet e métodos de prevenção, privacidade, fraudes, redes de banda larga e redes sem fio, spam, incidentes de segurança, uso abusivo da rede e códigos maliciosos. No final, um check-list resume as principais recomendações, e um glossário define as principais expressões e neologismos.
Entre os muitos conselhos da Cartilha, vale a pena destacar os seguintes: 1. Proteja-se de fraudes.
Atualize seu antivírus diariamente. Não clique em links recebidos por e-mail. Não execute arquivos recebidos por e-mail ou via serviços de mensagem instantânea. 2. Proteja-se de vírus, cavalos-de-tróia, spywares, worms e bots. Instale todas as correções de segurança. Use antivírus, firewall pessoal e anti-spyware.
Relembrando, firewall é um dispositivo que combina hardware e software para dividir e controlar o acesso a computadores. Para os iniciantes, é bom lembrar ainda que cavalos-de-tróia ou Trojans são programas que se instalam em nossos computadores, para atacá-los internamente, à moda do Cavalo de Tróia que os gregos teriam utilizado na história antiga.
Já spywares, como sugere o nome, são diversos tipos de softwares-espiões, cujo objetivo é monitorar atividades e coletar informações de um sistema e enviá-las a terceiros. Worms são programas que se propagam automaticamente através de redes, enviando cópias de si mesmo em outros programas ou arquivos. Bots são programas que, além de incluir a funcionalidade de worms, são capazes de se propagar automaticamente graças à exploração de eventual vulnerabilidade existente num computador ou em decorrência de falhas na configuração de softwares instalados.
O invasor, ao se comunicar com o bot, pode orientá-lo a desferir ataques contra outros computadores, furtar dados, enviar spams etc. 3. Proteja sua privacidade. Use senhas com letras, números e símbolos. Nunca use como senha dados pessoais ou palavras de dicionários. Não coloque dados pessoais nas páginas Web, blogs ou sites de redes de relacionamento. 4. Use celulares, computadores de mão e Personal Digital Assistants (PDAs) com segurança.
Habilite bluetooth só quando for utilizá-lo. Consulte o fabricante sobre atualizações para seu aparelho. Não aceite qualquer arquivo enviado para seu aparelho. Cheque a procedência. 5. Navegue com segurança.
Mantenha seu navegador sempre atualizado. Desative Java e ActiveX. Use-os apenas se for estritamente necessário. Só habilite Javascript, cookies e popup Windows ao acessar sites confiáveis. 6. Cuidado ao ler e-mails.
Mantenha o programa leitor de e-mails sempre atualizado. Desative a visualização de e-mails em HTML. Desative as opções de execução automática de arquivos anexados. Desative a execução de Javascript e Java. Relembrando: HTML (Hyper Text Markup Languge) é a linguagem universal utilizada nas páginas da internet. 7. Se você tem banda larga, use antivírus e firewall pessoal.
Desligue o compartilhamento de recursos. Mantenha sempre atualizados todos os programas que você usa. Instale todas as correções de segurança. 8. Ao utilizar redes sem fio, instale antivírus e firewall pessoal. Use WEP ou WPA sempre que possível.
Use somente serviços com conexão segura. Implemente também as dicas para quem usa banda larga. Para relembrar: WEP é a abreviatura de Wired Equivalent Privacy, protocolo de segurança para redes sem fio, que apresenta algumas falhas de segurança. WPA.
De Wi-Fi Protected Access é o protocolo de segurança de redes sem fio desenvolvido para substituir o protocolo WEP.’
Gilberto Scofield Jr.
‘Repórteres Sem Fronteiras critica Yahoo da China’, coppright O Globo, 12/09/05
‘A americana Yahoo se viu semana passada em meio a uma das mais graves acusações sobre violações de direitos, cerceamento de imprensa e ética na internet num processo judicial em Hunan, província da China, que culminou na prisão, por dez anos, do jornalista chinês Shi Tao por ‘ilegalmente passar segredos de Estado a governos estrangeiros’.
Shi, de 36 anos, que trabalhava para o ‘Contemporary Business News’, de Hunan, e era colaborador de publicações chinesas fora da China, foi preso em junho por ter enviado, segundo o governo chinês, um e-mail contendo um comentário anônimo para um site em Nova York chamado ‘Democracy Forum’, revelando segredos do governo. Estes segredos seriam o resumo de um comunicado do Partido Comunista anunciando restrições à mídia estatal chinesa sobre notícias a respeito do 15º aniversário do Massacre da Praça da Paz Celestial.
Repórteres sem Fronteira: está faltando ética
Segundo o advogado de Shi Tao, os documentos da Justiça mostram que as autoridades de Pequim chegaram ao nome do jornalista porque a Yahoo entregou provas de que Shi acessou o seu e-mail gratuito yahoo.com de um micro no trabalho e enviou a mensagem.
Em julho, o assunto foi abordado sem maiores repercussões num site de chineses expatriados, o Boxun, até que, semana passada, a organização Repórteres sem Fronteiras abordou o caso em seu site e enviou e-mail para jornalistas do mundo todo qualificando como traição o ato da Yahoo.
‘O fato de que a corporação trabalha sob leis chinesas a isenta de qualquer consideração ética?’, pergunta a entidade. ‘Até que ponto ela irá para satisfazer o governo de Pequim?’.
O caso foi devidamente abafado pelo governo e nada foi divulgado na mídia estatal do país, mas a prisão de Shi foi destaque em vários jornais asiáticos, inclusive o ‘South China Morning Post’ (SCMP), de Hong Kong, graças à garantia de liberdade de imprensa dada à antiga colônia britânica durante o período de 50 anos de transição do território para a China.
De início, o escritório da Yahoo em Hong Kong (que representou a empresa no caso) tentou se esquivar de responder aos jornalistas que procuravam a empresa, até que um e-mail foi enviado à agência de notícias Reuters:
‘Como qualquer outra empresa global, a Yahoo precisa garantir que seus sites locais operem dentro das exigências legais dos países em que estão baseadas’, afirmou a porta-voz da empresa em Hong Kong, Mary Osako.
A Yahoo não confirmou se enviou ou não documentos sobre Shi, mas especialistas em informática sabem que as autoridades de Pequim podem ter rastreado o percurso do e-mail a partir do site em Nova York através dos servidores chineses. Assim, devem ter chegado facilmente ao provedor chinês que é responsável pela administração do e-mail. A partir daí, sendo o provedor uma empresa privada, a descoberta do nome de Shi pode ter sido obtida de duas maneiras: invadindo-se seu servidor e pegando o dado (o que não parece ser provável) ou contando com a ajuda da própria empresa no fornecimento da informação, o que mostra os documentos na Justiça.
Colaborador do ‘NYT’ está preso desde 2003
Não é a primeira vez que um jornalista chinês é preso acusado de ‘enviar segredos de Estado a governos estrangeiros’. Em 2003 um pesquisador chinês do jornal ‘New York Times’ foi preso sob a mesma acusação, por colaborar com a reportagem publicada pelo jornal antecipando a saída de Jiang Zeming do comando das Forças Armadas da China, substituído pelo presidente Hu Jintao. Até hoje seu advogado não conseguiu conversar com o jornalista preso.
As empresas de internet estrangeiras na China, por sua vez, andam pisando em ovos para operar no controladíssimo mercado de internet local. Elas já foram acusadas de cooperar com o regime de controle da informação de Pequim em troca de acesso aos mais de cem milhões de internautas da China.’
Elis Monteiro
‘Qual o limite da intolerância?’, coppright O Globo, 12/09/05
‘‘Sou um cara tranqüilo, não gosto de animais, nem de pretos! Outro dia eu estava passeando de carro, quando vi um cachorro grande, não me lembro, nem perco meu tempo pra saber raças de cachorros, eu parei o carro do lado do bicho, foi um tiro certeiro em sua cabeça! Peguei o corpo do cachorro, enfiei dentro de um saco plástico, levei e joguei em frente a uma ONG aqui no Rio! Melhor de tudo é que eu liguei avisando que tinha um cachorro lá morto dentro de um saco!’
Acredite quem quiser, mas essa é a forma como um certo cidadão se descreve no Orkut. Já no primeiro parágrafo ele consegue declarar seu racismo e faz apologia aos maus-tratos a animais. Brincadeira de mau gosto ou incitação ao ódio e à intolerância? Infelizmente, ele não é o único. Concentrados em comunidades espalhadas pelo Orkut e crentes de que estão protegidos sob o véu do anonimato, milhares de internautas resolveram partir para o ataque frontal a seus desafetos usando como ‘palco’ o mural de recados do Google (scrapbook) e os fóruns das comunidades.
Os nomes dos grupos variam tanto quanto o conteúdo, mas é recorrente, nelas, a discussão sobre a suposta ‘liberdade de expressão’, de que qualquer um tem o direito de declarar, seja onde for, que não gosta de negros, brancos, amarelos, nem de animais, e que admira o nazismo. Isso não é verdade. Velado ou declarado publicamente – e internet é território público – incitar o ódio e a segregação é crime.
Cada comunidade deste tipo gera scraps enfezados e correntes mil que ganham também os emails, criando uma guerra de nervos que já preocupa os freqüentadores do serviço de relacionamento e, claro, as entidades de defesa dos direitos humanos e dos animais. Tem mais: os scraps já estão na mira da Justiça.
E quando a vítima não pode se defender?
E quando os ofendidos/perseguidos são os animais? Incapazes de denunciar, eles contam com o apoio das sociedades protetoras dos animais para a aplicação do crime ambiental nos casos de incitação aos maus tratos.
– Mesmo que alguns sites sejam elaborados como galhofa, ainda assim devem ser reprimidos. Experimente alguém dizer de brincadeira a um agente de fronteira nos EUA que está carregando uma bomba. Será imediatamente detido por ter brincado com um problema de segurança. Acho que todos os sites que incitam a violência devem ser reprimidos e seus autores, responsabilizados criminalmente – diz a ambientalista Ana Maria Pinheiro, presidente do Fórum Nacional de Proteção Animal. – É o mesmo que, em nome de uma ‘liberdade de expressão’, sites de pedofilia passassem a ser permitidos. A liberdade deve existir até o ponto em que passe a promover a desarmonia e o desequilíbrio da sociedade. Este deve ser o limite. Acho que esses sites deveriam ser tema de investigação e repressão por parte da polícia especializada. Afinal, mesmo que maus tratos a animais sejam considerados crimes de menor potencial ofensivo, na realidade são crimes.
A ONG Projeto Esperança Animal (PEA) faz as seguintes recomendações sobre a incitação, na internet, de maus tratos a animais: 1) de acordo com a lei 9605/98, maltratar animais é crime; 2) sites, comunidades e perfis do Orkut que incitem ou façam apologia aos maus tratos com animais podem ser enquadrados no crime de Incitação ao Crime (Art 286 do Código Penal); 3) sites, comunidades ou perfis que elogiam alguém que cometeu um crime ou elogiam um crime cometido podem ser enquadrados no crime de Apologia de Crime ou de Criminoso (Artigo 287 do Código Penal).
O PEA pede que os internautas denunciem primeiro à Google (através da opção ‘falso/denunciar’ ou ‘report a bogus’). Depois, à Delegacia de Meios Eletrônicos ou ao Ministério Público de sua região. O que não fazer? Divulgar o nome e o endereço da comunidade, para não aumentar sua visibilidade.’
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‘Scraps preconceituosos podem dar cadeia’, coppright O Globo, 12/09/05
‘A legislação brasileira é atrasada no que diz respeito a crimes praticados na internet. Em pleno século XXI, para enfrentar a criminalidade na rede no Brasil, as autoridades precisam recorrer a um Código Penal criado na década de 30 que entrou em vigor nos anos 40, quando os criminosos ainda eram chamados de ‘punguistas’.
– Hoje, pela internet você compra bomba ou crianças ou armas – diz Romero Lyra, promotor do Ministério Público do Rio de Janeiro. – Falta vontade por parte da classe política, aliada à falta de conhecimento.
Mesmo assim, o MP tem armas suficientes para garantir, diz Lyra, a investigação e a identificação de criminosos de qualquer tipo: desde os que cometem crimes de injúria, calúnia, difamação, racismo, incitação aos maus tratos a animais e, até mesmo, falsidade ideológica.
– É possível, sim, chegar aos autores dos delitos. Mas não podemos estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Crimes cometidos através do Orkut, por exemplo, vão depender, em muitos casos, da parte ofendida. É o que chamamos ‘ação penal privada’ (Qualquer pessoa que se sinta ofendida por comunidades que incitem o ódio racial e a segregação, por exemplo, pode apelar para o Ministério Público e abrir contra o praticante uma ação penal criminal). Neste caso, a parte ofendida precisa coletar indícios de que fatos delituosos podem estar ocorrendo lá – diz Lyra. – De outro lado, temos o que chamamos ‘ação penal pública’, quando o promotor recebe denúncias públicas de crimes e tem o dever de investigar.
O que o promotor quer dizer é que declarar-se nazista/racista/homofóbico na internet pode ter um preço muito alto.
– É falta de noção das normas sociais e jurídicas. É uma falta de limites, o que toda uma geração parece desconhecer. Estas pessoas estão certas da impunidade, acreditam que não é possível que elas sejam identificadas, o que é um engano. Temos softwares para identificação por IP e mecanismos avançados para identificar práticas criminosas na rede.
Mesmo com nome falso perfis podem ser descobertos
Para investigar denúncias de crimes praticados na internet (e no Orkut), a polícia pode usar o IP, o email de contato e pode ainda comparar perfis através da forma de se expressar.
– O sujeito senta atrás do teclado e tem a sensação de impunidade total. Muitos já estão respondendo por esse tipo de crime. Só de decisões envolvendo internet o Brasil já tem mais de três mil – diz o advogado Renato Opice Blum, especializado em crimes cibernéticos.
E quando o nome da comunidade dá margem a dúvidas e o racismo vem mascarado, por exemplo, sob a forma de ‘orgulho branco’? Não se fala claramente em ‘matar negros’ mas os comentários estimulam a segregação. É crime do mesmo jeito, diz Opice Blum.
– A linha que separa uma brincadeira de Orkut de um crime é muito tênue. Muitas vezes, o título da comunidade dá margens a dúvidas, mas dentro você acaba tendo certeza de que há prática de crime. Segregar é crime de racismo – diz Opice Blum. – Você pode dizer que não acha a cor negra bonita, não é crime, mas xingar um negro é praticar injúria, é crime porque você está ofendendo. Outra coisa é planejar a extinção de uma espécie, o que chamamos de segregação. Outro exemplo: numa comunidade, dizer que os nordestinos devem voltar para o Nordeste é crime de racismo, porque você está segregando.
Pela lei 9459, de 1997, é crime de racismo praticar induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça e cor, religião, etnia e procedência. Quem comete crime de injúria pode pegar de um a seis meses de detenção ou multa. Injúria qualificada (quando se usa, na ofensa, elementos referentes a cor, raça, etnia, procedência) dá pena de um a três anos de reclusão e multa.
Perseguição revela triste faceta da humanidade
Mas será que é necessário chegar a esse ponto? Os scraps preconceituosos realmente incomodam? Para José Antônio Santos da Silva, secretário-geral da União de Negros pela Igualdade (Unegro) no Rio Grande do Sul, a perseguição contra os negros no Orkut revela uma triste faceta da sociedade e uma falta absoluta de argumentos.
– Fugindo das críticas estamos dando nossa resposta. Respondemos nos qualificando no mercado de trabalho e mostrando que somos capazes de disputar espaço de igual para igual. Vamos combater estas redes que pregam a discriminação mostrando outra realidade.
Quem ainda assim se sentir incomodado pode reportar as comunidades à Google. Esta é a principal ação do movimento ‘WebJustice’
Mas ‘reportar’ adianta?
– Há comunidades de supremacia racial com dez mil membros. Quando reportamos e elas são tiradas do ar, podem até voltar, mas voltam com 200 pessoas, não mais com dez mil. É uma espécie de vitória política – diz Marco. – Estes grupos no Orkut são extremistas. Eles estão lá para recrutar jovens, que desejam uma limpeza étnica no país, principalmente em São Paulo, onde há muitos nordestinos. Essas comunidades não são formadas por adolescentes bobinhos, e sim por pessoas mais velhas com base ideológica e teórica. Os jovens acabam sendo recrutados. Nosso objetivo é quebrar o processo de comunicação desses grupos.
Segundo Marco, que trabalha numa ONG de promoção dos direitos humanos, a maior parte dos freqüentadores é de jovens de classe média alta das regiões Sudeste e Sul.
– São jovens que não têm contato com a realidade do país. Não é proibido ter opinião, proibido é publicá-la e pedir apoio. Assim como existe crime organizado no mundo real, há crime organizado virtualmente.’
Folha de S. Paulo
‘Para especialistas, compras pela internet exigem regra específica’, copyright Folha de S. Paulo, 11/09/05
‘Quando foi implantado, o Código de Defesa do Consumidor não previa que as vendas pela internet pudessem atingir o estágio atual. Por isso, esse é um aspecto do código que precisa no mínimo de algumas adaptações.
Para o advogado Cláudio M. Henrique Daólio, sócio do escritório Moraes Pitombo e Pedroso Advogados, como as relações entre consumidores e fornecedores são dinâmicas, há necessidade de adequação do CDC às novas modalidades de transações eletrônicas, realizadas pela internet.
‘A cada dia tomamos conhecimento de um novo produto ou serviço oferecido pela internet. O legislador não pode fechar os olhos para a realidade, sendo indispensável a criação de normas para as transações eletrônicas, a fim de que sejam aprimorados os avanços já alcançados.’
O advogado Antonio Fragata Jr., sócio do escritório Fragata e Antunes Advogados, diz que, na questão da internet, um grande problema são os spans (correspondências comerciais não-solicitadas). ‘É preciso criar uma legislação própria, ou algo mais específico no próprio código para punir esses casos. Eles atrapalham e têm um custo elevado em prevenção para as empresas.’
Estima-se que metade de todos os e-mails enviados por dia no mundo sejam spans, que custam US$ 8 bilhões à economia global em tempo perdido.
A advogada Maria Inês Dolci, coordenadora do departamento institucional da Pro Teste, também concorda que é preciso fazer algo na questão das vendas pela internet. ‘Um segmento de vendas como o da internet deve ter regras específicas.’
Para Sisefredo Paz, coordenador-executivo do Idec, é preciso pelo menos adaptar as vendas do comércio eletrônico para as regras estabelecidas pelo CDC.
Proteção vira problema
Para a advogada Roberta Noroschny, da Martinelli Advocacia Empresarial, um dos maiores problemas do CDC é a interpretação extensiva que os juízes dão à inversão do ônus da prova (princípio segundo o qual o consumidor não precisa provar o que alega, mas a empresa deve comprovar a veracidade da sua defesa).
‘Há ações indenizatórias tramitando na Justiça sem que o consumidor tenha juntado nota ou cupom fiscal de serviço comprovando que adquiriu o produto neste ou naquele estabelecimento. A regra veio para proteger a insuficiência técnica ou financeira do consumidor, mas não pode gerar insegurança jurídica na empresa’, diz a advogada.’