Presente no cenário online há cinco anos [criado por Evan Chief, Biz Stone e Jack Dorsey, o Twitter começou a funcionar em agosto de 2006 pela empresa norte-americana Obvious], o microblog Twitter adquiriu, em especial a partir de 2009, uma expressão significativa em diferentes níveis no campo jornalístico brasileiro. Ora como ligação direta a fontes, como incentivo das cascatas de informação [as cascatas de informação ocorrem “quando temos um tipo de comportamento (ou decisão) que é repetido por vários atores com base na observação dos demais (influência) e não em uma análise a partir das informações recebidas a respeito” (RECUERO, 2009)]e até mesmo como uma contracorrente informacional por meio dos leitores, que responde, avalia e pode ocasionalmente verificar as notícias veiculadas pela grande mídia. Os microblogs são sites e ferramentas utilizadas para postagens com caracteres limitados e disponibilizam seu uso também por aparelhos sem fio, dando caráter de mobilidade. Concordando com José Luís Orihuela (2007, p.2-3, nossa tradução), o microblog é “a mais recente e popular manifestação da ‘cultura snack’ que privilegia a brevidade dos textos, a mobilidade dos usuários e as redes virtuais como entorno social emergente [texto original: “el microblogging es la más reciente y popular manifestación de la ‘cultura snack’ que privilegia la brevedad de los textos, la movilidad de los usuarios y las redes virtuales como entorno social emergente” (ORIHUELA, 2007, p.2-3, grifo do autor)]”. A partir desta tendência em comunicação é que se propõe estudar de que maneira o Twitter reflete ou age como uma espécie de agenda pública digital do jornalismo. Ainda suscitamos o debate da questão de interesse público e interesse do público dentro da plataforma do microblog. Para tanto, partimos do argumento que enquadra o Twittercomo grande parte das ferramentas inseridas na web 2.0. Isso significa que seu uso pode ser aplicado para inúmeras finalidades [segundo pesquisa realizada por Raquel Recuero e Gabriela Zago (2009) existem basicamente duas apropriações para o Twitter: conversacional e informacional]e nosso foco neste artigo é concentrar nos Trending Topics (TTs) do Brasil como um possível contribuinte de agendamento informativo online. Ao selecionar o período de coleta de dados experienciamos um momento histórico e de relevância para observações deste estudo.
Agenda-setting, jornalismo online e Twitter
A mídia exerce papel moderador sobre a agenda pública [entendemos como agenda pública o conceito trazido por Clóvis Barros Filho, “(…) conjunto de temas que a sociedade como um todo estabelece como relevante e lhes dá atenção” (2001, p. 179)]. Este é um dos pressupostos da Teoria do Agendamento ou Agenda-setting. É importante destacar que este papel é entendido por seus teóricos – Maxwell McCombs, Don Shaw e David Weaver – como sendo capaz de influenciar não sobre como pensar, e sim, sobre o que pensar e falar a médio e longo prazo. Para McCombs (2008, p.206),
A teoria [do agendamento] é uma metáfora utilizando a idéia simbólica de agenda. E se preocupa com a agenda dos meios de notícia e a agenda da sociedade, e como são colocadas as notícias em termos de idéias e opiniões que tentam persuadir o público.
Observamos que a origem desta teoria tem uma forte ligação de cunho político, estendida posteriormente a todas as áreas [em recente entrevista concedida à Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, Maxwell McCombs declarou que “(…) o único limite para a aplicação da teoria [do agendamento] é a sua imaginação e criatividade. Há muitas agendas na sociedade contemporânea” (2008, p.212)]. McCombs e Shaw (apud TRAQUINA, 2001, p.14) ainda conceituam o entorno informativo presente para os indivíduos inseridos na sociedade como um “pseudo-ambiente, fabricado e montado quase completamente a partir dos mass mídia”. Antonio Hohlfeldt (1997, p. 43) explica os possíveis efeitos do agendamento,
“(…) dependendo dos assuntos que venham a ser abordados – agendados – pela mídia, o público termina, a médio e longo prazos, por incluí-los igualmente em suas preocupações. Assim, a agenda da mídia termina por se constituir também na agenda individual e mesmo na agenda social.”
Neste sentido, ao compreender, embora brevemente, o núcleo que nos convém da teoria do agenda-setting, é que buscamos uma aproximação desta com os Trending Topics no Twitter, uma vez que a seleção das 10 palavras-chave mais citadas no momento pode servir como um ponto de partida de atualização para quem está conectado ao serviço. Ou seja, os temas ali inseridos acabam também por influenciar e pautar o conteúdo das mensagens ali publicadas.
Para evoluir nesta questão, passamos primeiramente às especificidades do Twitter ao clarificar sua relação com o jornalismo online. Na sequência, apresentamos a ferramenta, ilustramos alguns casos para então discutir a amostragem exploratória proposta neste artigo.
Para compreender a especificidade interacional do Twitter com o jornalismo, julgamos necessária uma abordagem, ainda que concisa, das características do jornalismo online. Em pouco mais de uma década, pode-se afirmar que o jornalismo online consolidou características que são convenções seguidas por profissionais do meio digital, a partir das potencialidades dadas pelo suporte. De acordo com Jo Bardoel e Mark Deuze (2000), o jornalismo online tem como características: interatividade, hipertextualidade, customização de conteúdo e multimidialidade. O pesquisador Marcos Palacios (1999) também aponta multimidialidade/convergência, interatividade, hipertextualidade, personalização como aspectos-base da Internet e acrescenta a memória, já que o meio online tem alta capacidade de armazenamento de dados. A interatividade é um grande diferencial da mídia digital, esta se apresenta como termômetro e feedback quase instantâneo da opinião do público ou sobre o que a audiência gostaria de saber mais. É uma janela aberta para quem está familiarizado com a web. A interação é uma das características que mais vem passando por mudanças ao fomentar um processo de educação para um leitor mais ativo. Para Mar de Fontcuberta (2006, p.21, nossa tradução), este aspecto do jornalismo online pode ir ainda mais além,
“O conceito de leitor como ‘sujeito ativo’ (Martínez de Toda, 1998) é de uma pessoa que reage frente aos meios [de comunicação], desfruta de seu uso, reflete sobre eles, seleciona seus conteúdos e é capaz de interpretá-los. E, além disso, e isso é importante, considera que o ajudam a desenvolver sua identidade. Portanto, a relação que existe entre o público e os meios implica que está crescendo, até o ponto em que atualmente se pode falar de uma “tomada de poder” do receptor que está modificando as condições de produção do sistema midiático [texto original: “El concepto de receptor como ‘sujeto activo’ (Martínez de Toda, 1998) es la de una persona que reacciona ante los medios, disfruta su uso, reflexiona sobre ellos, selecciona sus contenidos y es capaz de interpretarlos. Y, además, y eso es importante, considera que le ayudan a desarrollar su identidad. Por lo tanto, la relación que existe entre el público y los medios implica una interacción que va en aumento, hasta el punto en que actualmente puede hablarse en un ‘tomada de poder’ del receptor que está modificando las condiciones de producción del sistema mediático” (FONTCUBERTA, 2006, p.21)].”
A hipertextualidade é a capacidade de conectar diferentes textos, como links externos ou notícias já publicadas pelo mesmo site, em uma dinâmica de autorreferencialidade ou, ainda, para legitimar o conteúdo tratado nos produtos noticiosos. Para Ivone de Deus (2005, p.06), “a intenção da hipertextualidade é fragmentar os textos e deixar à disposição do leitor, links para outras matérias se isso for de seu interesse. (…) Ele estabelece seu próprio percurso através da interação com texto”. Xosé López García (2003) com apoio de Armentia et al (2000), afirma que pela primeira na história das notícias, estas não são determinadas pelo veículo de comunicação, e sim pelo usuário que tem o poder de decidir até que ponto quer avançar e que caminhos escolher. López (2003) ao buscar uma retórica do hipertexto, levanta pontos pertinentes desta característica digital quando aborda o hipertexto como reforço da eficácia de credibilidade do texto jornalístico, com a persuasão, convencimento mediante a técnica de mostrar, comparar e interpretar. Há ainda, a customização de conteúdo ou personalização que “consiste na existência de produtos jornalísticos configurados de acordo com os interesses individuais do usuário” (MIELNICZUK, 2002, p.06). Todas essas características estão presentes no microblog e dialogam diretamente com o jornalismo online.
Assim, o Twitter pertencente a este cenário, pode ser definido como um aplicativo da web, que mescla blog com rede social e mensagens instantâneas (ORIHUELA, 2007), permite postagens de até 140 caracteres e é claramente classificado como microblogging, gênero emergente no contexto digital (MARCUSHI, 2005). As rotinas jornalísticas, como o processo de apuração e divulgação, passam também por adaptações cada vez mais imbricadas ao meio digital. De acordo com Gabriela Zago (2010, p.14),
“Twitter e mídia online de referência se encadeiam, um meio vindo a complementar o outro. Mesmo notícias que sejam meras reproduções de algo dito no Twitter podem ser úteis para aqueles que não viram o conteúdo circular na ferramenta, por exemplo. Nessas ocasiões, a mídia online de referência atuaria como filtro das informações que circulam no Twitter.”
Compreendendo os Trending Topics
Os Trending Topics (tópicos em tendência, em tradução livre) criam uma lista das 10 palavras-chave mais utilizadas nos tweets. O próprio site do microblog traz conteúdo informativo sobre a ferramenta e sua usabilidade:
O Twitter fala sobre o que está acontecendo agora e o algoritmo do nosso Trending Topics identifica os tópicos que são imediatamente populares, em vez de temas que têm sido muito populares por um tempo ou em uma base diária, para ajudar as pessoas a descobrirem quais as notícias mais “quentes” de todo o mundo [texto original: “Twitter is about what is happening right now and our Trending Topics algorithm identifies topics that are immediately popular, rather than topics that have been popular for a while or on a daily basis, to help people discover the ‘most breaking’ news stories from across the world” (nossa tradução)].
Identificar os assuntos mais comentados no microblog é possível devido ao uso do símbolo sustenido (#), também chamado de hash, com palavras-chave dos temas referentes ao tweet, conhecidas como tags, do inglês: etiquetas ou marcadores. Vale ressaltar que os TTs não se mantêm por períodos fixos, sua periodicidade é variável baseada no fluxo das palavras-chave (tags) em tempo real. Segundo o site do Twitter, a ideia do localizador de tendências surgiu porque a ferramenta não oferece maneiras de editar os tweets e de agrupá-los.
Ao clicar em uma palavra precedida do símbolo hash em qualquer mensagem mostra todos os tweets de outras pessoas nessa categoria. Hashtags podem ocorrer em qualquer lugar do tweet. As palavras com hashtag se tornam muito populares e são muitas vezes Trending Topics [texto original: “Clicking on a hashtagged word in any message shows you all other Tweets in that category. Hashtags can occur anywhere in the Tweet. Hashtagged words that become very popular are often Trending Topics.” Disponível aqui, acesso em 10 de dezembro de 2010; (nossa tradução)].
TTs no Brasil
A inserção dos Trending Topics, em 2009, facilitou ainda mais a localização dos temas tratados por região – e, atualmente, é possível filtrar as tags por país ou cidades [é possível fazer a escolha de filtragem apenas de um local ou selecionar em nível global (worldwide). Os países disponíveis baseado no fluxo de tweets por região até novembro de 2010 são: Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Irlanda, Itália, México, Holanda, Cingapura, Espanha, Turquia, Inglaterra, Estados Unidos e Venezuela. Entre as cidades, as opções são: as norte-americanas Atlanta, Baltimore, Boston, Chicago, Dallas (Fort Worth), Detroit, Houston, Los Angeles, Miami, Minneapolis, New York, Philadelphia, San Francisco, San Antonio, Seattle e Washington. Londres, da Inglaterra; Sydney, da Austrália e Toronto, do Canadá. São Paulo e Rio de Janeiro são as opções entre as cidades brasileiras]. A pesquisadora Gabriela Zago (2008, p. 10) traz uma conceituação clara do uso das hashtags no Twitter.
“(…) O emprego de tags precedidas do símbolo hash (as #hashtags) é uma prática bastante comum que permite organizar as informações. O conteúdo reunido pelas tags pode ser recuperado pela ferramenta Track, oferecida pelo próprio Twitter, ou então nos sistemas de busca específicos para tags criados a partir da API do Twitter.”
No ano de 2010, o Twitter proporcionou um poder de resposta inédito e visibilidade para a opinião do público. Pode-se afirmar que os comentários, críticas e elogios ali publicados não poderiam mais ser ignorados por outras mídias, como a televisão e veículos impressos. Um dos casos curiosos é o do locutor esportivo mais conhecido do país: Galvão Bueno. Em ano de Copa do Mundo de futebol, a implicância com o locutor estampou milhares de mensagens no Twitter que continham o termo “#CALABOCAGALVAO”. O fluxo de tweets contendo o termo foi tão intenso que ficou em primeiro lugar nos TTs do Brasil e do mundo (worldwide). O fenômeno também chegou a ser matéria de capa na revista semanal Veja (edição 2170 / 13 de junho de 2010). Segundo Castilho (2010, O fenômeno “Cala Boca Galvão” [CASTILHO, Carlos. O fenômeno “Cala Boca Galvão”. Em: < http://goo.gl/W0mCh>. Acesso em: 11 de dezembro de 2010]),esta é uma resposta que comprova
“(…) como o fenômeno das redes está mudando comportamentos que no passado eram considerados utópicos, como, por exemplo, a Globo ter que deflagrar uma operação emergencial de marketing para evitar danos maiores à imagem de seu mais importante nome na Copa do Mundo”(grifo do autor).
Outro caso interessante envolve política e jornalismo com uma boa dose de humor. De acordo com o blog de cobertura especial das eleições 2010 do portal R7 [disponível aqui, acesso em 04 de janeiro de 2011]:
“Motivados por reportagem do jornal Folha de S.Paulo que liga a candidata Dilma Rousseff (PT) a uma falha no cálculo da tarifa social de energia elétrica e um consequente prejuízo aos cofres públicos, twitteiros criaram o #DilmaFactsbyFolha (Fatos da Dilma segundo a Folha, em tradução livre).
A hashtag ficou entre os mais populares no Brasil e worldwide em uma grande mistura de indignação com o jornal Folha de S.Paulo, com a candidata Dilma Rousseff e comediantes de plantão, tudo em um único nível, revés da “liberdade” virtual. A própria ombudsman da Folha de S.Paulo, Suzana Singer, deu espaço em sua coluna de 12 de setembro de 2009, intitulada ‘O ataque dos Pássaros’: ‘Não dá para desprezar essa reação [a do Twitter por meio do uso da hashtag #DilmaFactsbyFolha] e a Folha fez isso. Não respondeu aos internautas no Twitter e não noticiou o fenômeno. O “Cala Boca Galvão” durante a Copa virou notícia. No primeiro debate eleitoral online, feito por Folha/UOL em agosto, publicou-se com orgulho que o evento tinha sido um trending topic. Não dá para olhar para as redes sociais apenas quando interessa’” (grifo da autora).
Neste sentido, fica cada vez mais evidente como está palpável a dinâmica do público com os meios de comunicação viabilizada pelo uso das redes sociais na internet. A resposta do público pode ainda configurar tanto um reforço da pauta trazida pelo jornalismo em suas diferentes expressões ou uma contrapauta, observado em menor incidência, ao falar de algum tema não tratado nestes meios.
Dois casos pontuais como o #CALABOCAGALVAO e # DilmaFactsbyFolha apenas ilustram que estes temas chegam a uma grande parte de usuários ao estarem presentes nos TTs. Centenas de outros casos podem ser apontados como exemplos do fenômeno. Em 2010, uma lista [lista completa disponível aqui, acesso em 14 de janeiro de 2011] divulgada pelo Twitter pontuou os 10 tópicos mais comentados do ano em nível mundial e também os mais comentados em oito categorias (news, events, people, movies, television, technology, world cup, sports e hashtags). O vazamento de óleo no Golfo do México, em abril, foi o mais comentado do ano, seguido da copa do mundo da Fifa, o filme Inception (A Origem, no Brasil) e o terremoto devastador no Haiti, em janeiro. Os temas, pelo simples fato de estarem em destaque, convidam a fazer parte e incentivam de alguma forma que os usuários se informem do assunto. Assim, os temas representados pelas palavras-chave, pautam e entram na agenda pública e pessoal dos internautas. De tal modo, que ao presenciar a grande movimentação midiática, policial e populacional no Rio de Janeiro, no episódio da retomada pelas forças armadas do controle no Complexo do Alemão, selecionamos o período de análise para aplicar e entender como os Trending Topics dialogam com a teoria do agendamento e envolvem leitores e usuários.
O conflito: a guerrilha no Rio
A capital do Rio de Janeiro é mundialmente conhecida por seus cenários de cartão postal e pelo tráfico de drogas. As centenas de favelas com dimensões municipais passam cada vez mais ao domínio das grandes redes de traficantes de drogas em um comando paralelo e soberano. A partir do dia 21 de novembro de 2010, uma onda de violência ainda maior tomou conta de vários pontos da cidade do Rio de Janeiro. Ataques diários a postos da polícia, carros e ônibus queimados causaram pânico e insegurança na população. A polícia atribuiu as ações a grupos ligados ao tráfico e iniciou a prática de um cerco de combate. A partir do dia 25, as imagens veiculadas pelos telejornais e por vídeos na internet da fuga de criminosos da Vila Cruzeiro em direção ao conjunto de favelas do Alemão chamaram mais ainda a atenção dos brasileiros e da mídia internacional. A partir do dia 27, o conflito entre as forças armadas e os traficantes fica mais intenso. O uso de tanques e veículos militares blindados imprimia um ambiente de guerra no Rio de Janeiro. A polícia havia dado um prazo para que os criminosos se entregassem até a noite de sábado (27). Às 8h do dia seguinte inicia a retomada do conjunto de favelas do Complexo do Alemão pelas forças de segurança, formadas pela união do Boope, Polícias Civil e Militar, Marinha e Aeronáutica. As prisões e avanços na retomada foram anunciados minuto-a-minuto pela imprensa. O uso das redes sociais com o intuito de colaborar e noticiar se estendeu de moradores a órgãos de polícia.
Estudo exploratório
Para pontuar o estudo exploratório, selecionamos dois portais informativos online de grande expressão no Brasil: G1 e Terra. Nos dois dias selecionados, 27 e 28 de novembro, fizemos uma cópia da página inicial dos dois portais e cópia dos Trending Topics na mesma faixa de hora (entre 15h e 16h). Na sequência, buscamos contextualizar cada item dos TTs do Brasil, com exceção do item promoted. A palavra, expressão ou sigla que ocupa o que seria o primeiro lugar é, na verdade, um espaço comercial. Criado pelo Twitter em junho de 2010, a opção patrocinada tem como objetivo monetizar o microblog e é utilizado por grandes corporações [o primeiro Trending Topic promoted foi Toy Story 3, na ocasião do lançamento mundial do filme de animação dos estúdios Disney/Pixar. Segundo o Wall Street Journal, cada item patrocinado (apenas um de cada vez) custa a partir de US$100 mil. [Disponível aqui.]
Nesta fase, iremos tecer um paralelo das notícias veiculadas com a lista de itens mais comentados no Twitter. Por meio da ferramenta de busca do próprio Twitter foi possível constatar rapidamente a temática de grande parte dos conteúdos das mensagens ou tweets e logo associá-las às matérias veiculadas nos meios de comunicação, incluindo os portais online. Além disso, alguns websites [www.whatthetrend.com, www.hashtag.org (também apresenta o fluxo de mensagens por meio de gráficos)]e extensões de programas para atualização do Twitter disponibilizam possíveis explicações [todo o conteúdo explicativo ali disponível é resultado de uma produção colaborativa dos usuários. Em sua maioria são explicações corretas, mas ainda assim sem a verificação jornalística]sobre os itens dos Trending Topics.
O Twitter ainda foi usado exaustivamente pelos meios de comunicação jornalísticos com o intuito de verificar o que era informado e identificar os possíveis boatos na rede. O jornal carioca Extra tomou posicionamento como uma espécie de moderador para informar com credibilidade (usando hashtags como #everdade e #eboato no final das mensagens). O uso do microblog por moradores da região, policiais e imprensa também contribuiu para levar informação de forma rápida. Durante a cobertura de todas as emissoras foi ressaltada a ajuda por meio de informações e paradeiro de suspeitos feito por moradores da região. O disque-denúncia e as redes sociais aproximaram a população das forças armadas contribuindo com as buscas por criminosos.
27.11.2010 – Sábado –Trending Topics Brasil
(screenshot disponível em: http://twitpic.com/a5ddql)
#paznorio – Paz no Rio iniciou como uma espécie e campanha para apoiar o processo chamado pacificador das polícias ao organizar a retomada do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.
Bope – Batalhão de Operações Policiais Especiais, um dos responsáveis pelo comando da retomada da comunidade. O batalhão tornou-se ainda mais popular com os filmes brasileiros Tropa de Elite e Tropa de Elite 2.
Complexo e #rio – fazem referência ao complexo do Alemão, conjunto de 13 favelas [Morro da Baiana, Morro do Alemão, Alvorada, Matinha, Morro dos Mineiros, Nova Brasília, Pedra do Sapo, Palmeiras, Fazendinha, Grota, Morro da Chatuba, Caracol, Favelinha, Caixa D'Água] da Zona Norte do Rio de Janeiro onde estava acontecendo a retomada pelas forças da polícia.
Berbatov – Jogador de futebol do Manchester United, Dimitar Berbatov, completa 10 jogos sem fazer nenhum gol.
Vila Cruzeiro – no dia 25 de novembro uma mega operação envolvendo cerca de 350 policiais na Vila Cruzeiro provocou a fuga em massa de criminosos da comunidade. Sob ataque da polícia, eles fugiam por uma estrada no alto da favela a pé, em motos e picapes. A veiculação das imagens dos bandidos em fuga impressionou os espectadores e permaneceu por mais de quatro dias nos TTs do Brasil.
Casseta & Planeta– O programa humorístico Casseta & Planeta teve anunciado seu cancelamento. O programa ia ao ar desde 1992 pela Rede Globo.
Pestinha – o filme O Pestinha estava sendo veiculado na tarde do dia 27, pela rede globo.
Galisteu – na data, aconteceu o casamento da apresentadora Adriane Galisteu.
28.11.2010 – Domingo –Trending Topics Brasil
(screenshot disponível aqui)
Os itens Complexo, #paznorio, Bope e #rio se repetem, no entanto, em posições diferentes.
Zeu e Tim Lopes – Na data, Eliseu Felício de Sousa, vulgo Zeu, traficante condenado a 23 anos de prisão pela morte do jornalista Tim Lopes, em 2002, se entregou à polícia.
Cabral – Sérgio Cabral, governador do estado do Rio de Janeiro, que na data concedeu entrevista coletiva à impresa.
Esquilos – Na tarde de domingo, dentro da programação da rede globo, foi exibido o filme “Alvin e os Esquilos”.
Pezão – No final da manhã de domingo, foi encontrada a casa do traficante Luciano Martiniano da Silva, conhecido como Pezão. O imóvel chamou a atenção por ser considerado de alto padrão comparado às casas da região. Até o fim do dia “Pezão” continuava foragido.
27/11/2010 – Portal G1
(screenshot do Portal G1 nos dias 27 e 28 de novembro de 2010 disponível aqui)
A página inicial do portal G1 na tarde de 27 de novembro de 2010 centra suas principais chamadas no conflito contra o domínio do tráfico na capital carioca. Entre as 57 chamadas de notícias de toda a página, 23 foram destinadas à cobertura do confronto. Entre elas, uma citava a transmissão do Bope via Twitter.
28/11/2010 – Portal G1
Com a entrada das forças armadas no complexo do Alemão, intensifica a cobertura pela mídia. Cada preso e quantias de drogas encontradas foram noticiadas na cobertura em tempo real. Das 54 notícias veiculadas neste período, 36 traziam notícias relacionadas à guerrilha ao tráfico. Uma notícia trazia o Twitter como fonte ao noticiar o relato de moradores ao vivo via microblog.
27/11/2010 – Portal Terra
(screenshot do Portal Terra nos dias 27 e 28 de novembro de 2010 disponível aqui)
O portal Terra apresenta 52 notícias veiculadas neste período em sua página inicial, 10 pautavam matérias diretamente do Rio de Janeiro, com plantão minuto-a-minuto. A matéria principal da capa do site traz o plug-in para comentários no Twitter, mas nenhuma referência direta entre o microblog e as notícias.
28/11/2010 – Portal Terra
Assim como no portal G1 aumenta o número de notícias ligadas à cobertura da retomada do conjunto de favelas no Complexo do Alemão. Das 53 notícias, apenas 12 são relacionadas ao tema. Podemos perceber que o Terra mantém características de sua própria origem como portal: um grande cardápio de informações que tenta abarcar o todo com o intuito de abranger uma maior parte de usuários.
Considerações
Durante o período de ataques na semana que antecedeu a operação das polícias no Rio de Janeiro, os meios de comunicação jornalísticos do país noticiaram os acontecimentos dentro da programação usual. No entanto, especialmente no final de semana de invasão, a atenção da pauta jornalística voltou-se ao processo de retomada, definida pelo portal G1 como “guerrilha civil” e pelo Terra como “Crise no Rio”. Canais de TV a cabo especializados em jornalismo no país, como Globo News e Record News, realizaram cobertura minuto-a-minuto com flashes ao vivo, debates sobre tráfico de drogas e segurança pública além de dezenas de programas e especiais pautados pelo tema. As redes de TV aberta também fizeram cobertura da situação dentro da programação normal, com ocasionais boletins ao vivo. Além da obviedade de divulgação da intervenção policial, a tensão estabelecida por ser uma operação inédita e de alto risco também contribuiu para aumentar o valor-notícia neste contexto. É possível inferir que, partindo de pesquisas sobre o perfil do usuário de Twitter [segundo pesquisa realizada em 2009 pela agência Bullet, sobre o perfil do brasileiro no Twitter “em termos de hábitos de navegação, 9 a cada 10 responderam que se mantêm informados pelo Twitter. 79% disse usar o serviço para compartilhar links e informações, 70% compartilha opiniões e aproximadamente 50% fala o que pensa ou conversa com outros usuários. (…). O Twitter é considerado por esses usuários como uma fonte segura de informações. 87% disse que confia nas opiniões de outros participantes do serviço. Aproximadamente 8 em cada 10 usuários disse já ter dado e aceitado dicas e a maioria já usou as mensagens recebidas para fazer posts em blogs ou repassar por comunicadores instantâneos (72%). 84% disse acreditar que o Twitter aproxima as pessoas (SPYER, J. et al., 2010)] e de nosso modesto estudo exploratório, que o conteúdo publicado no microblog tem uma forte relação interconectada com outras mídias, especialmente a TV. O comportamento fica ainda mais evidente em transmissões televisionadas, como premiações da indústria do entretenimento (Oscars, Grammy), campeonatos esportivos e estreias de programas. Além disso, a criação de ferramentas online que unem Twitter e TV [de acordo com Gabriela Zago (2008, p. 10), “o [aplicativo] Spoonch funcionava como uma espécie de programação televisiva coletiva construída socialmente. A proposta era que as pessoas usassem @spoonch no começo de atualizações no Twitter em que falassem sobre o que estavam assistindo na televisão. (…) mais recentemente foi criado o WhatZapping, com um propósito bastante similar ao Spoonch, e com o diferencial de que propõe que se coloque, ao final da mensagem, o canal em que está sendo transmitido o programa na forma de uma tag”] (mashups) fez e faz parte do perfil do usuário de Twitter. Concordamos com Paula Amorim Chagas (2010, p. 158) quando explica uma possível motivação da interação TV e Twitter:
“O objetivo em acompanhar os programas televisivos é ter subsídios para comentá-los no microblogging e participar da discussão que se desencadeia. A internet, dessa maneira, despertou o senso crítico de alguns usuários que a utilizam para se expressar em relação aos produtos que lhe são ofertados na TV aberta.”
No caso do Rio de Janeiro, os temas inseridos no conteúdo do tweet é que ganharam maior relevância em vez dos programas televisivos assistidos pelos usuários. Aqui, guardamos a ressalva de que embora as informações possam ter chegado aos usuários por outros canais midiáticos, a instantaneidade das atualizações evidencia uma aproximação com a televisão e com a internet, em especial os portais online. Outro ponto interessante é que foi possível observar que nos dois dias, em horários alternados, a tag “#globonews”, referência ao canal de TV a cabo com maior cobertura ao vivo, e #Fantastico, menção à revista eletrônica da rede Globo, no domingo, pontuaram como Trending Topics no Brasil. Conforme os acontecimentos foram sendo divulgados, notadamente as prisões de comandantes do tráfico, o número de tweets contendo os nomes dos presos como palavras-chave foi aumentando.
Pode-se também deduzir que um comportamento recorrente de quem acessa o microblog é informar-se sobre as palavras-chave inseridas no Trending Topics. Desta forma, podemos perceber os TTs como uma agenda e uma bússola do que é notícia e gera maior comentário neste exato momento. Ainda acrescentamos que o reflexo do uso dos Trending Topics pode configurar uma espécie de agendamento digital de duas vias; ora com incidência partindo dos meios de comunicação para o Twitter e ora partindo do Twitter e seu fluxo de mensagens para os meios de comunicação.
A interação com a televisão e conteúdo no Twitter já foi observada inúmeras vezes, como nos debates políticos televisionados, estréias de programas na grade televisiva e até mesmo durante nosso estudo exploratório em que dois filmes transmitidos pela televisão (O Pestinha e Alvin e os Esquilos) emplacaram nos TTs Brasil. Fica claro também que temas criados na internet (memes) ou mais populares materializam a conhecida diferença entre interesse público e interesse do público. No caso observado, ao se colocar em um mesmo nível de relevância, atingindo os TTs: 1) ação de alto risco na retomada do Complexo do Alemão, ao vivo e 2) um filme protagonizado por um ator e três esquilos desenhados e animados digitalmente, fica claro que há uma mescla de interesses. A ferramenta Trending Topics, desta forma, jamais poderia ser comparada a uma seleção jornalística, e sim, a um filtro social [o jornalista Brian Stelter cunhou o termo filtro social em um de seus artigos para o New York Times, em 2008. “De certo modo, esse filtro social [online e das redes sociais na internet] é uma simples versão tecnológica da mais antiga ferramenta em política: o boca a boca.” (STELTER, 2008, nossa tradução). Texto original: “In one sense, this social filter is simply a technological version of the oldest tool in politics: word of mouth”] que por se tratar de um ambiente de socialização e colaboração, torna-se predominante na twitterfestera. Assim, podemos afirmar que os TTs criam uma sobreposição de interesses (público e do público) e forma um híbrido genuinamente livre, um instrumento direto do público online, teoricamente sem mediação.
Referências
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[Ana Marta Moreira Flores é mestranda do programa de Pós-graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (Posjor)]