E pelo jeitão que vai este andor, já estou vendo tudo: neste ano da (falta de) graça de 2012, vou acabar me dedicando a escrevinhador oficial de necrológios diversos neste O TREM.
Outro dia mesmo foi o Millôr Fernandes que (e atenção, pois agora vou usar uma expressão que acabei de cunhar) “partiu desta para a melhor”, e nem um mês se passou vem o doloroso dever a nos comunicar do, digamos, “passamento” do já precocemente imortalizado (vamos logo tacar umas maiúsculas) IVAN THEMUDO PINHEIRO LESSA, lá em sua Londres de tijolinhos vermelhos, aos 77 anos, de enfisema pulmonar e problemas cardíacos. Tremenda sacanagem.
Era também o próprio Millôr que se indagava sobre Ivan: “Um escritor maldito? Sei lá. Uma mente conturbada? Um gênio do mal? Um autoexilado? Um exilado alto?” Se o Millôr não sabia como defini-lo, que sei eu?
Mas isso não é coisa pouca não, oh estimado leitor deste itabirano TREM. Aposto que todos nós aqui desta cidadezinha do interior mineiro sabemos perfeitamente bem quem foi realmente o Lôchas, você chegou a conhecê-lo? E quem nesta cidade de ferro (ui!) nunca ouviu falar do inesquecível Sunda? Sim… aquele mesmo, primo do Mário, que, depois de carcar todo mundo, acabou, quem diria?, saindo do próprio armário. E assim por diante nesta história interminável, chegamos à bunda da feia da Raimunda, amiga da Luzia, que também acabou, coitada, perdendo aquilo na horta… Vida que segue.
Mas voltemos ao que realmente interessa. Para muitos, o Lessa, filho de Orígenes idem, é considerado o grande escritor brasileiro dos últimos catastróficos tempos que nos deram para viver. Bem sabia o jornalista carioca Sérgio Augusto, que foi na mosca: “Pobre país em que um escritor como Ivan Lessa precisa escrever um livro para provar que é o melhor do ramo”. Mas isso não impediu de serem publicados três livros de contos e crônicas, Garotos da Fuzarca e O Luar e a Rainha, ambos pela Companhia das Letras, e Ivan Vê o Mundo, coletânea de croniquetas escritas para o site da BBC de Londres, pela Objetiva. Todos simplesmente geniais. E até mesmo o Paulo Francis, outro grande amigo do gajo, também confirmou: “Tem a mais rica imaginação entre os nossos contemporâneos”.
O jornal Folha de S.Paulo, ao registrar a morte de Ivan, em matéria de página inteira, reproduz uma pequena crônica intitulada “Morrer por cremação é joia”, de dezembro de 2011, que diz o seguinte:
“Volto à morte como ela, delicada, se volta para mim. Todo dia, disse e repito, tem alguém conhecido que nos (dou uma chegada ao Brasil pelas asas da Panair) deixou. Leio o pouco que entendemos da difícil arte do obituário, na qual os britânicos ainda detêm a medalha de ouro, e, na companhia fiel de meu enfisema, constatamos. Não há mais motivos para verter lágrimas”.
E assim, mais uma vez, de luto ficou este Bananão – era a sua maneira pessoalíssima de se referir a este Brasil inzoneiro, que no final das contas acabou sendo a fotografia na parede em seu autoexílio londrino. E como deve ter doído.
Saudades eternas, é assim que se diz nessas ocasiões?
Mentir para deprimir
Gips e nhecos entre aspas:
>> “A única vantagem de ser mais velho é poder mentir para deprimir os jovens”;
>> “Se você juntar miséria e catolicismo, só pode dar besteira”;
>> “Jeff Chandler vai se casar com Esther Williams. Bem feito pros dois”;
>> “O brasileiro é um povo com os pés no chão. E as mãos também”;
>> “Errar é humano, mas morar em São Paulo só pode ser coisa de brasileiro”;
>> “O sol nasce para todos. Já o crepúsculo é meio classe média”;
>> “Se todos os manetas do mundo se dessem as mãos, não dava pé”;
>> “O Brasil já tem bastantes problemas, por isso não desejo a ele que adote o rugby”;
>> “A segunda melhor coisa deste mundo é ganhar de 3 a 1 da Argentina. Com gol roubado, evidentemente”;
>> “Viver é saber ser tolo e lidar com nossas idiotices criando o mínimo de caso possível”.
Os cassetas deste planeta estão certos, Ivan Lessa era mesmo fog.
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[Lúcio Sampaio é psicólogo e cronista]