Cientistas dizem ter encontrado uma partícula subatômica parecida com o tão procurado bóson de Higgs, uma descoberta histórica que poderia explicar por que as partículas têm massa e, por extensão, por que existem, no fim das contas, estrelas, planetas e outros objetos do universo. Na manhã de ontem (4/7), centenas de cientistas se reuniram no laboratório europeu Cern, em Genebra, na Suíça, e muitos mais acompanharam a transmissão ao vivo para ouvir como os dados mais recentes do Grande Colisor de Hádrons haviam revelado de forma conclusiva a existência de uma partícula como a de Higgs.
“Nós observamos um novo bóson”, disse Joe Incandela, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, membro de um dos grupos que divulgaram os dados novos. Seu colega Rolf-Dieter Heuer, diretor-geral do Cern, colocou em termos ainda mais simples: “Acho que o pegamos”, disse ele. O anúncio do Cern segue-se a outro revelado na segunda-feira (2/7) por físicos do Laboratório Acelerador Nacional Fermi, ou Fermilab, perto de Chicago, que alardeou independentemente a existência do bóson de Higgs. Contudo, os dados americanos não oferecem nem de longe o nível de certeza estatística necessário para físicos alegarem formalmente uma descoberta.
A descoberta do bóson de Higgs deve lançar nova luz sobre vários mistérios cósmicos. Por exemplo, ele poderia levar a previsões diferentes sobre quanto do universo é feito de matéria escura, uma substância enigmática que exerce uma força gravitacional em galáxias inteiras.
A aposta dos físicos
O bóson de Higgs foi proposto ainda na década de 60 para tapar um buraco intrigante no “modelo padrão”, uma das teorias mais bem-sucedidas da física que descreve como se forma a matéria e como as partículas interagem. Todas as partículas deveriam ter massa zero – como os fótons, os constituintes da luz – e viajar livremente pelo espaço. Então, por que o universo está cheio de partículas com massa?
Nos anos 60, um número pequeno de teóricos preencheu essa lacuna ao inventar a partícula de Higgs, que fornece a explicação teórica para o fato de as partículas obterem massa. Muitos outros cientistas desprezaram a ideia. Mas resultados experimentais, obtidos a partir de máquinas gigantes feitas para despedaçar átomos, na Suíça, mostraram que aquele atrevido salto teórico de fato fazia sentido.
Voltando ao tempo de Galileu e Kepler, empreendemos “uma busca de 400 anos para descrever o universo que agora podemos ver que está completa”, disse Gordon Kane, professor de física da Universidade de Michigan. “Isso completa o modelo padrão.” Dez anos atrás, Kane apostou US$ 100 que o bóson de Higgs seria descoberto e o cosmólogo Stephen Hawking apostou que não seria. “Eu assumo que ele é um cavalheiro e um estudioso e agora pagará a aposta”, disse Kane. A Universidade de Cambridge confirmou a aposta de Hawking, mas não pôde fornecer mais detalhes.
Partícula é134 vezes mais pesada que um próton
O nome da partícula foi uma homenagem ao físico britânico Peter Higgs, um dos teóricos que previu sua existência quase meio século atrás. Aos 83 anos, um discreto Higgs compareceu à reunião de Genebra. Higgs foi recebido com uma rodada de aplausos ao entrar no auditório e derramou uma lágrima quando a notícia sobre a partícula foi anunciada. “É uma coisa incrível que tenha acontecido ainda durante a minha vida”, disse ele.
Foi uma busca árdua, que envolveu milhares de cientistas de dezenas de países. Ninguém conseguiu prever a massa do bóson de Higgs e assim tiveram de procurar por ela indiretamente. Isso foi feito no Cern, ao se acelerarem partículas até velocidades próximas às da luz e então esmigalhar umas contra as outras para gerar uma variedade de outras partículas subatômicas.
Os cientistas esperavam que uma dessas partículas pudesse ser o próprio bóson de Higgs, embora ela se transformasse quase instantaneamente em diferentes combinações de outras partículas. Para encontrá-la seria preciso então procurar por “excessos” estatisticamente significativos dessas partículas.
Os experimentos mais recentes no Grande Colisor de Hádrons identificaram excessos desse tipo nos dados. A partícula recém-descoberta é definitivamente um bóson e uma das mais pesadas desse tipo a ser descoberta até agora, disse o Cern. Ela tem uma massa entre 125 e 126 GeV, ou gigaeletróns-volt, o que a torna cerca de 134 vezes mais pesada que um próton.
A partícula do modelo padrão ou uma versão exótica
O bóson de Higgs oferece uma resposta para como as partículas poderiam adquirir massa. Físicos conjecturam que, à medida que o universo esfriava depois do Big Bang, cerca de 13,7 bilhões de anos atrás, uma força conhecida como campo de Higgs se formou, juntamente com a partícula. Sob esse cenário, o campo de Higgs permeia o universo e toda partícula que interage com ele ganha uma massa através do bóson de Higgs. Quanto mais elas interagem, mais pesadas elas se tornam. As partículas que não interagem com o campo de Higgs ficam sem massa nenhuma.
“É como uma grande tigela de melaço”, disse Dan Green, um físico do Fermilab. “As partículas passam através dela, viajam a uma velocidade menor que a da luz e parece que adquirem massa.”
Ainda precisa ser verificado se a partícula do Cern é exatamente a predita pelo modelo padrão ou uma versão exótica. Se for uma variação, ela indicaria uma descrição ainda mais intrigante da realidade.
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[Gautam Naik, do Wall Street Journal]