Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Elio Gaspari

‘O comissário Luiz Gushiken, secretário de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, conseguiu se tornar o mais desastrado ocupante da cadeira de grão-propagandista do governo. A extensão do estrago chegou ao seu apogeu na semana passada, quando o boletim eletrônico ‘Em Questão’ divulgou uma entrevista falsa (repetindo, falsa) do ministro da Cultura, Gilberto Gil. Não era uma entrevistinha qualquer, daquelas em que os maganos divulgam estatísticas irrelevantes. Era um destampatório. O ministro investia contra ‘o fascismo das grandes corporações da mídia’. Gil não dissera o que o Planalto lhe atribuíra, e a Secom desculpou-se e demitiu a responsável pelo erro. O comissariado anabolizara uma entrevista, injetando-lhe frases velhas, extraídas de contextos diferentes. O ministro não chamara as grandes corporações da mídia de fascistas, mas há gente na Secom que acha assim e gostaria de vê-lo dizendo isso.

A encrencas e parolagens do comissário podem ajudar a antever o que seria o modo petista de informar, segundo os çábios de plantão.

O governo de Lula ainda não completara seis meses quando a Secom produziu o primeiro episódio de dirigismo cultural. Um aviso da Eletrobrás condicionava os patrocínios da empresa a projetos com o zelo de ‘atuar em sintonia com a política governamental, em especial com o Programa Fome Zero’. Dirigismo dá nisso, o Fome Zero sumiu, não sintoniza coisa alguma.

Em setembro de 2003, o comissariado da Secom produziu uma revista de nome ‘Brasil’. Nela informou ao leitores que o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção, já tinha começado a trabalhar em defesa da patuléia. Falso. O Conselho só existia no papel. O governo não nomeara os seus integrantes. Eles só foram definidos em dezembro de 2003.

O comissário Gushiken gosta de pontificar sobre a imprensa e a alma humana. Ele diz, por exemplo, que ‘o ensinamento baha’i aponta que ‘nem tudo o que um homem sabe pode ser revelado, nem tudo o que lhe é possível revelar deverá ser julgado oportuno, nem todo dizer oportuno pode ser considerado adaptável à capacidade dos que ouvem’.

Talvez ele ache que a patuléia não é capaz de entender a diferença entre um Conselho inexistente e um Conselho de verdade. Isso pode explicar o fato de a Secom ter se metido, em março passado, em outro caso de manipulação embusteira. Colocou no ar um filmete de propaganda produzido por Duda Mendonça onde se mostrava uma paisagem do vigor da agricultura familiar financiada pelo governo. Tudo falso. A fazenda mostrada era parte de um empreendimento agrícola de 1 milhão de metros quadrados. Os trabalhadores eram empregados do fazendeiro e nada tinham a ver com a agricultura familiar. O slogan dessa campanha era ‘o trabalho sério já começa a dar resultado’.

Todas as lambanças em que Gushiken se meteu tiveram um desfecho comum: empulhavam a choldra. Convivendo com profissionais dessa qualidade, Lula está mais do que certo ao defender a criação de um Conselho para defender a qualidade do jornalismo de Pindorama.’



Janio de Freitas

‘Liberdade original’, copyright Folha de S. Paulo, 17/09/04

‘Já ninguém pode dizer que inexiste um traço de originalidade a distinguir o governo Lula de seu antecessor. Por ora é um só e, mesmo que o governo continue tentando ampliá-lo e fazê-lo mais conseqüente, é muito improvável que o consiga. A originalidade está na concepção que o governo tem, e a cada dia demonstra mais, do que é e do que deveria ser o papel dos meios de comunicação.

No congresso da Associação Nacional de Jornais, entidade que congrega o patronato da imprensa diária, Lula fez afirmações tão enfáticas a favor da liberdade de imprensa que até ultrapassou o limite dos fatos: ‘Ao vir aqui, reitero este compromisso [com a liberdade de imprensa], que é o compromisso de uma vida inteira’. De muitas vidas inteiras, mas não constam participações de Lula nos embates por tal face das liberdades democráticas.

O discurso de Lula foi muito bem recebido pelos associados da ANJ, mas cabe uma pergunta: que outra coisa, senão o apoio à liberdade de imprensa, diria um presidente da República em reunião solene dos donos de jornal? As práticas do governo, porém, não sustentam o discurso gentilmente óbvio.

A falácia de que o projeto do Conselho Federal de Jornalismo, com sua pretensão de ‘orientar a atividade do jornalismo’, só foi mandado ao Congresso porque pedido pela Federação Nacional dos Jornalistas não precisaria de mais desmentidos. Apesar disso, o próprio governo proporcionou mais um, menos de 24 horas do discurso de Lula na ANJ. Muito mais importantes do que a Federação dos Jornalistas, todas as federações dos industriais e dos comerciantes têm reivindicado a redução dos juros, como preliminar para a adoção de políticas de crescimento econômico. Discurso na terça, aumento dos juros na quarta.

Não é preciso lembrar a idéia de proibir funcionários públicos de proporcionar informações a repórteres, nem outras idéias e referências da mesma família, prodigalizadas por várias das figuras centrais do governo. Bastará ficar na mesma terça-feira do discurso. Horas antes da fala de Lula, o secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência, Ricardo Kotscho, publicou na Folha um artigo com significação muito especial.

Tratou-se de uma intervenção na divergência entre dois colunistas do jornal, a propósito de assunto irrisório e sem conotação com o governo, para produzir um julgamento segundo a ótica tipicamente governista e decretar de que lado está a razão. Tenho mais anos de jornal do que deveria ter de vida, mas nunca vi na imprensa brasileira, nem tive conhecimento na imprensa estrangeira, de atitude semelhante. Sob o sotaque vocabular de gesto autorizado pela intimidade, é um ato arbitrário, com a chancela do poder que lhe é dada pela função do autor e com os ingredientes do governismo exacerbado. Dois traços que repelem qualquer sentido jornalístico na atitude e no teor do texto enviado à Folha por Kotscho, jornalista unanimemente respeitável enquanto exerceu o jornalismo profissional.

A mesma Secretaria de Comunicação da Presidência, da qual é incumbido o ministro Luiz Gushiken, precisou emitir, anteontem, uma nota oficial incomum: pedido de desculpas a outro ministro e a quem acesse o ‘site’ do governo. Na Secom foram forjadas, e atribuídas a Gilberto Gil, frases gravemente insultuosas à imprensa, chamada em geral de fascista. O ‘grave erro de edição’ (erro de edição?) foi de uma assessora-jornalista (jornalista?) responsável (não seria irresponsável?) pela página na internet. Pode-se dar como certo que tenha sido ato individual. As circunstâncias concorrem, no entanto, para a suspeita de que, como é tão comum, o ato individual exprima um ambiente conceitual, ainda que o faça com exagero de percepção e, daí, de formulação.

Os indícios de que a liberdade de imprensa não agrada o governo são sucessivos.’



Eduardo Scolese

‘Governo demite jornalista do episódio Gil’, copyright Folha de S. Paulo, 17/09/04

‘Com o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, determinou ontem a exoneração da jornalista responsável pela edição do boletim eletrônico ‘Em Questão’.

Segundo a Secom, a jornalista -cujo nome não foi divulgado- editou uma entrevista incluindo uma frase, com alterações, que havia sido dita pelo ministro da Cultura, Gilberto Gil, em outra ocasião e em outro contexto.

O boletim, divulgado no último final de semana na página da secretaria na internet, trouxe declaração de Gil em que ele diz que a criação da Ancinav (Agência Nacional de Cinema e Audiovisual) beneficia a sociedade porque ‘seus setores estratégicos estarão mais livres do fascismo das grandes corporações da mídia’.

A declaração termina assim: ‘Queremos contemplar a riqueza, a complexidade, o dinamismo da sociedade, mas sem imposições, apenas com diretrizes’.

Ontem, a jornalista se reuniu com a cúpula de imprensa da Secom. No encontro, segundo a secretaria, ela admitiu o erro. A informação foi encaminhada ao gabinete de Gushiken, que optou pela exoneração. Segundo a Folha apurou, o ministro, um dos patrocinadores do Conselho Federal de Jornalismo, conversou com Lula antes de tomar essa decisão. Ainda não há data definida para a publicação de sua demissão no ‘Diário Oficial’ da União.

Ontem à tarde, Lula recebeu Gil em seu gabinete, no Planalto.

Na última terça-feira, o ministro veio a público para desmentir o trecho da entrevista. Em seguida, a Secom reconheceu o erro e republicou a edição do ‘Em Questão’ com um pedido formal de desculpas aos seus leitores pelo ‘lamentável acontecimento’.

A funcionária exonerada estava na secretaria havia um ano. O boletim, até então editado por ela, segundo a Secom, ‘traz notícias sobre o que está sendo feito pelo governo federal e por quê’.

A nova versão do boletim, divulgada anteontem, não traz a frase que foi alterada. Segundo a Secom, a resposta de Gil incluída na entrevista foi extraída de outra declaração do ministro, feita no dia 10 de agosto. Na ocasião, Gil dava palestra sobre cultura digital e desenvolvimento na USP, quando falou de alguns ‘fascismos’.

‘A sociedade precisa de instrumentos tanto legais quanto legítimos para se defender de todo e qualquer fascismo. Falo, por exemplo, do fascismo da exclusão social, do fascismo do obscurantismo, do fascismo da hegemonia de uma cultura, e de seus bens, serviços e valores culturais, sobre as demais culturas que compõem o grande patrimônio comum da humanidade. Falo também do fascismo do Estado, do fascismo das grandes corporações e do fascismo da mídia, fascismos igualmente perigosos, igualmente autoritários’, disse Gil na USP.’

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‘Secom pede desculpas por deturpar declaração de Gil’, copyright Folha de S. Paulo, 16/09/04

‘A Secom (Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica) pediu ontem formalmente desculpas aos leitores do boletim eletrônico ‘Em Questão’ pelo ‘grave erro de edição’ contido no texto de entrevista com o ministro da Cultura, Gilberto Gil. A secretaria trata o tema como um ‘lamentável acontecimento’.

O boletim trouxe declaração em que o ministro da Cultura diz que a criação da Ancinav (Agência Nacional de Cinema e Audiovisual) beneficia a sociedade porque a livra do ‘fascismo das grandes corporações da mídia’.

Em seu pedido de desculpas, a Secom diz: ‘Por um grave erro de edição, declarações do ministro Gilberto Gil realizadas em outro contexto foram incorporadas à entrevista publicada nesta edição do boletim ‘Em Questão’.

A seguir, a secretaria do ministro Luiz Gushiken assume a responsabilidade pelo erro. ‘A Secom esclarece que a edição equivocada é de sua inteira responsabilidade, pede desculpas ao ministro Gilberto Gil pelo constrangimento e aos leitores e à opinião pública por este lamentável acontecimento.’ Após o esclarecimento, segue uma versão corrigida da entrevista, concedida na casa do ministro em 7 de setembro.

Numa primeira versão do boletim, veiculado no último final de semana, há uma frase de Gil, que, segundo a secretaria, foi adulterada e incluída no texto. A resposta deturpada aparece em meio à discussão sobre quem se beneficiará com a Ancinav: ‘Sem dúvida, a sociedade, que terá seus valores fundamentais assegurados. Seus setores estratégicos estarão mais livres do fascismo das grandes corporações da mídia. Queremos contemplar a riqueza, a complexidade, o dinamismo da sociedade, mas sem imposições, apenas com diretrizes’.

Na nova versão do boletim (www.brasil.gov.br/emquestao/), divulgada ontem, a frase desaparece. A Secom afirma que a resposta de Gil deturpada foi extraída de outra declaração do ministro feita no dia 10 de agosto, durante palestra sobre cultura digital e desenvolvimento, na USP.

Na ocasião, Gil falou em alguns ‘fascismos’, sendo um deles em relação à ‘mídia’: ‘A sociedade precisa de instrumentos tanto legais quanto legítimos para se defender de todo e qualquer fascismo. Falo, por exemplo, do fascismo da exclusão social, do fascismo do obscurantismo, do fascismo da hegemonia de uma cultura, e de seus bens, serviços e valores culturais, sobre as demais culturas que compõem o grande patrimônio comum da humanidade. Falo também do fascismo do Estado, do fascismo das grandes corporações e do fascismo da mídia, fascismos igualmente perigosos, igualmente autoritários, igualmente ‘istas’ e ‘antes’, porque amparados num poder desmedido, incomensurável, que se afirma sobre a sociedade e a democracia’.

O boletim ‘Em Questão’, de acordo com a Secom, ‘traz notícias sobre o que está sendo feito pelo governo federal e o porquê’. O ministro Luiz Gushiken é um dos defensores do projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo, que pretende regulamentar e disciplinar a atividade jornalística no país.’



Soraya Aggege

‘Lula, na ANJ, diz que censura não voltará’, copyright O Globo, 15/09/04

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem, durante a solenidade de posse da nova diretoria da Associação Nacionais de Jornais (ANJ), que a censura não voltará a ser aplicada no país, nem mesmo ‘de forma dissimulada’. Ele disse que, como governante, não fica incomodado quando lê críticas sérias ao governo nos jornais. O discurso de Lula foi em resposta às críticas da ANJ em relação ao projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ). Mas o presidente não fez referência alguma ao Conselho.

– A melhor receita para o vigor do jornalismo é, sem dúvida, a liberdade. Claro que, como cidadão, posso às vezes sofrer intimamente ao presenciar uma injustiça cometida por um erro qualquer de imprensa. Mas, na condição de governante, não me incomodo quando leio uma crítica séria ao governo numa página de jornal. O que me incomodava, e muito, era viver sob um regime no qual o governo se dedicava a censurar artigos de jornal. Isso não voltará a acontecer. E muito menos voltará a acontecer de forma dissimulada. Não se depender da minha vontade – discursou Lula, interrompido por aplausos.

Na solenidade, Lula e seu ministro da Secretaria de Comunicação, Luiz Gushiken, ouviram críticas às ameaças que o governo têm feito à liberdade de imprensa e mesmo ao Ministério Público e à liberdade de informação, com o projeto de mordaça para o funcionalismo. No discurso, Lula disse que sua presença era uma homenagem à imprensa, que ajudou a reconquistar a democracia.

– Só com a plena liberdade de imprensa o direito à informação pode ser atendido. Ao vir aqui, reitero este compromisso, que é o compromisso de uma vida inteira – disse Lula.

O presidente frisou que entre os valores supremos do jornalismo está a independência, citando o primeiro artigo do Código de Ética da ANJ.

– Sem a necessária independência, os jornais estariam entregues a um amontoado de interesses menores, interesses partidários, religiosos, familiares ou econômicos, que distorcem e, mais que isso, estragam a informação que deve buscar, antes de tudo, a objetividade- disse, antes de fazer votos de que a independência dos jornais fique a cada dia ‘mais robusta’.

De acordo com o presidente, quanto mais os jornais forem lidos, significa que mais cidadãos estão participando dos debates de interesse público. Segundo ele, a imprensa erra, mas o governo e as pessoas em geral também cometem erros:

– Há problemas nos jornais? Claro que há. Há erros, distorções? Sem dúvida. Mas há problemas, erros e distorções no governo, assim como em todas as atividades humanas.

Lula ressaltou ainda que quanto mais liberdade maior é a necessidade de responsabilidade, de modo que a afirmação inclua não só a imprensa mas também empresários, trabalhadores e o próprio governo.

Presidente do STF sugere auto-regulamentação

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, sugeriu a auto-regulamentação dos veículos de comunicação como forma de compatibilizar a liberdade de expressão com o direito dos cidadãos à intimidade, à honra, à imagem e à vida privada. Ele propôs a objetividade como critério para evitar o controle externo.

– Os órgãos da mídia devem buscar por meio de seus próprios organismos o que estou chamando de objetividade jornalística. Ou seja, quanto mais próximo for essa objetividade de dez, melhor. Quanto mais distante de dez e mais próxima de zero essa objetividade vai provocar o surgimento de órgãos fora do setor para tentar regulamentar. A auto-regulamentação é o caminho para a redução da degradação da objetividade jornalística – disse Jobim.’