Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A “desinfantilização” da programação da TV aberta

Este artigo resume nossa indignação diante de algumas transformações na grade matinal de parte da televisão aberta do Brasil. Há pelo menos uma década a audiência televisiva da manhã da TV aberta tem deparado com uma série de transformações cruciais nos espaços antes essencialmente reservados aos programas infantis e desenhos animados. Houve um aumento e segmentação de determinados gêneros televisivos, isto é, formatos de programas, em detrimento do desaparecimento gradual de outros.

Os desenhos animados, os seriados e programas infantis, consagrados de maneira prosaica ao longo da história da televisão brasileira no período matutino – vide o sucesso das apresentadoras Xuxa Meneghel e Angélica entre os anos 80 e 90 – vêm sofrendo diretamente com o crescimento exponencial desses formatos de programas, em sua maioria voltados para as necessidades do cotidiano doméstico e aqui a serem denominados de “programas do lar”.

Da rede Record, temos o programa matinal Hoje em Dia, que se utiliza integralmente dessa faixa de horário com quadros de culinária, entrevistas com celebridades e merchandising de profissionais e programas da própria emissora. Na Rede TV também não é muito diferente do programa exibido pela emissora do bispo Edir Macedo, só que com um diferencial: com mais doses homeopáticas de sensacionalismo. O programa Manhã Maior desfila uma gama de atrações “espetaculosas”, assim sintetizadas numa cobertura evasiva da vida de celebridades e da exibição de quadros aparentemente utilitários para a dona de casa. Na Globo, talvez o caso mais emblemático dessa nova fase identificada entre as grades matinais da TV aberta brasileira, a TV Globinho, programa destinado ao público infantil, foi substituído pelo recém-lançado programa Encontro com Fátima Bernardes, como reflexo de uma maior aproximação da sua grade matinal com o público mais adulto em detrimento do segmento infantil.

Novos hábitos entre as crianças

Dessa equação abrangendo reorientações de grades matinais, desenhos animados, seriados e programas infantis, que fizeram parte da infância de relevante parcela das gerações de ontem, perderam força para a capacidade de venda e de merchandising dos programas de debates, de fofocas e utilitários para o lar. O SBT, umas das poucas emissoras remanescentes em se tratando de manutenção da grade infantil no período matutino, tem a sua credibilidade questionada devido às suas constantes oscilações de horários de exibição dos programas – vide o humorístico Chaves.

Essas transformações atestadas aqui comprovam uma desvalorização de forma meticulosa e mercadológica do lúdico e do poder de escolha da audiência infantil, principalmente quando comparamos à década de 80 e 90, onde os infantis eram predominantes nessa faixa de horário. Mas, acima de tudo, coloca em xeque o papel de televisão quanto a um veículo de concessão pública frente às orientações de mercado, ao passo de uma ação de marketing visando aquisição de mais share no ibope (participação de mercado) suprimir o direito de escolha e o poder de opinião do público infantil.

Diante disso, optamos por finalizar nossa breve reflexão com algumas inquietações: 1) até que ponto as razões econômicas podem preterir as razões simbólicas da audiência televisiva? 2) Onde fica o direito de informação e lazer do público preterido dessas mudanças estratégicas? 3) Por que os desenhos animados perderam o seu espaço cativo na TV aberta? 4) Será que essas transformações atestam o desinteresse das crianças pela televisão em relação ao crescimento do uso da internet, vide o consumo exorbitante de tablets nas lojas infantis? Ou estão para prescrever e sobredeterminar novos hábitos midiáticos entre essas crianças?

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[Letícia Mezzalira é aluna do curso de Jornalismo da Universidade do Estado de Mato Grosso; e Lawrenberg A. Silva é professor do curso de Jornalismo]