Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Manuel Pinto

‘A cobertura feita pelo ‘Jornal de Notícias’ do sequestro e do massacre numa escola da Ossétia do Norte, este mês ocorrido, é o tema que me proponho hoje analisar.

O caso distingue-se por quatro características: no momento em que se desencadeia e se torna notícia apresenta-se como uma ocorrência de grande magnitude, imprevista, chocante, e de desfecho imprevisível. O número de pessoas feitas reféns, a proporção de crianças nesse número, a memória de casos análogos e a probabilidade de atribuição da autoria aos separatistas radicais chechenos são factores que agravam o choque e a atenção e levam a temer o pior. As circunstâncias de tempo e de lugar constituem, aqui, um ingrediente que potencia a estupefacção e a incredulidade: o assalto acontece numa escola do ensino básico e no dia festivo de abertura do ano lectivo: ali se encontram alunos, pais, avós, professores, bebés, de repente surpreendidos pelo pesadelo e pelo horror.

‘Apesar das contradições iniciais, desde o primeiro momento percebemos que este iria tornar-se um assunto incontornável na actualidade’, refere, em mensagem enviada ao provedor o director-adjunto do JN David Pontes.

Como noutros aspectos da vida, há um factor que pesa na forma de tratamento do acontecimento a partir de Portugal: a distância. A pequena cidade de Beslan fica no longínquo Cáucaso e a maioria dos leitores terá a percepção de que, apesar de gravíssimo, o caso não os afecta directa ou indirectamente. São aspectos que concorrem para reduzir o investimento jornalístico.

Apesar disso, o JN apostou numa cobertura destacada. O assalto à escola ocorreu no dia 1 de Setembro, pelas 9 horas portuguesas, pelo que só na edição do dia 2 o assunto chega à primeira página do jornal para lá permanecer em seis edições consecutivas. Nos dias 3, 4 e 5, que correspondem, respectivamente, às fases de impasse, ao dia do massacre e ao dia do rescaldo, o JN, além do destaque na primeira página, desenvolve a matéria nas suas páginas nobres, na rubrica ‘Em Foco’.

Pode questionar-se por que motivo não decidiu o jornal o envio de um jornalista para o local. A opção foi considerada pouco realista pela Direcção. ‘Para além das limitações económicas, havia as condicionantes do terreno e do próprio acontecimento’, salienta David Pontes. Não havia garantias, segundo ele, de um enviado chegar ao local antes do desfecho, pelo que a aposta foi ‘fazer o acompanhamento a partir de Portugal e de Moscovo’, acompanhando a cobertura dos media russos, cruzando e analisando informação de origem diversa, por vezes contraditória.

Embora compreendendo esta opção, o provedor entende que a magnitude do acontecimento justificava que os leitores do JN pudessem ter contado com a reportagem e a visão de alguém do próprio jornal a partir do local da tragédia, tendo, como tinha, o recurso ao correspondente em Moscovo. Mesmo que o desfecho tivesse entretanto ocorrido, as sequelas e o contexto continuariam a justificar a reportagem. De resto, as limitações colocadas pelo Governo de Putin ao trabalho dos jornalistas, de que se conheceram posteriormente casos escabrosos, só tornam mais evidente tal necessidade.

Mas o provedor também entende que o jornal tratou com o devido destaque esta tragédia. Um sinal foi que, na edição de domingo, dia 5, em que o JN publica a ‘primeira entrevista do novo treinador do FC Porto’, o espaço do ‘tema da semana’ é ocupado com Beslan.

É de notar, porém, que a qualidade de um meio informativo não se mede apenas pela capacidade de avaliar e traduzir jornalisticamente a importância de um acontecimento. Cabe-lhe igualmente contribuir para que os leitores compreendam o que se está a passar, bem como o contexto e alcance dos eventos. Neste terreno, o JN, a par do recurso à infografia e a ‘filmes’ dos acontecimentos, traçou um quadro dos conflitos nacionalistas na região; procurou saber ‘qual a capacidade de resposta das autoridades portuguesas a uma situação similar’; e ‘perceber quais seriam as sequelas psicológicas nas crianças e na família’ (David Pontes). Apesar de tudo, a contextualização poderia ter sido mais desenvolvida. Um texto de fundo que perspectivasse o que tem sido a história recente dos nacionalismos, desde a queda do regime soviético teria contribuído para compreender melhor o caso checheno e outros da região.

Nos números de reféns envolvidos no sequestro, o JN balançou bastante, no que esteve longe de ser caso único. No primeiro dia afirmava que havia centena e meia de alunos e dezenas de pais e professores sequestrados na escola. A informação era oficial, mas estava, infelizmente, muito distante dos números reais.

Tudo somado, porém, o provedor subscreve o balanço ‘genericamente positivo’, feito pelo director adjunto. ‘No essencial – reflecte David Pontes – os objectivos foram cumpridos: tentámos ter informação o mais rigorosa e o mais completa possível, nunca nos ficamos só por um dos lados do acontecimento, completamos o registo escrito com informação gráfica e, não menos importante, nunca cedemos ao sentimentalismo fácil ou à exploração do escabroso’.

Tudo somado, o balanço é globalmente positivo’