Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As bocas alugadas do poder

Nunca sei se é por incompetência ou má-fé. De qualquer forma, seja qual for o motivo, é inadmissível. Falo da imprensa brasileira noticiando as coisas que vão pelo mundo. O índice de desconhecimento é abissal e, ao público, são jogadas informações que, se não são mentiras deslavadas, certamente escondem o cerne da questão. O resultado é a desinformação e, com ela, a construção de idéias erradas acerca dos fatos. Bem ou mal, o velho Newton Carlos era, talvez, o único jornalista brasileiro, na mídia televisiva, a fazer análise de acontecimentos internacionais com alguma sabedoria. Ele já não está mais na TV. Sobra a papagaiada. Perde o povo.

Um dos temas que mais têm impressionado é a forma como a mídia divulga o que se passa no Líbano. Bradam pelas telinhas os Bonners, Casoys, Bernardes, Nascimentos, e outras bocas alugadas do poder, que os Estados Unidos exigem a desocupação do Líbano pela Síria, é claro, em nome da democracia. A notícia é passada à exaustão. A TV mostra os dirigentes estadunidenses com as caras amarradas a dizerem que ou os sírios desocupam o Líbano – onde entraram sem permissão (vejam só!) – ou eles vão impor sanções e outros que tais, típicos da sua velha estratégia de intimidação. A partir daí, com a mesma tática sendo usada pela CNN e outros veículos alugados pelos donos do mundo, a agenda política vai se desviando. Ninguém mais fala do Iraque. Os conflitos são notas de rodapé. Agora, o nervo a doer é o Líbano. De lá os sírios malvados estão sendo expulsos pelo povo sob as bênçãos dos marines.

O engraçado é que nenhuma boca alugada fala do Iraque com a mesma lógica. O país foi invadido por tropas estadunidenses com base em informações falsas, numa guerra de agressão e anexação. O exército dos EUA desconhece a ONU, mata civis, atira em jornalistas, tortura, viola direitos, tudo isso documentado e registrado por fotos e câmeras. Então, por que ninguém fala em bloqueio comercial aos Estados Unidos? Por que não há sanções contra esse agressor? Por que alguns agressores são mais iguais que outros? Essas perguntas têm que ser respondidas por uma mídia séria.

Nada é por acaso

Uma mídia responsável diria que a Síria é um pequeno país do Oriente Médio, de pouco mais de 17 milhões de habitantes e que, pasmem, faz fronteira com o Iraque e com Israel. É, qualquer ligação com a política de ocupação do mundo pela ganância estadunidense não é mera coincidência. Outra coisa que não dá para deixar de fora é o fato de que também na Síria há petróleo. Assim, estar de posse do Líbano e submeter a Síria é coisa muito importante para Bush e seus comparsas. Outro detalhe importante, e que um bom jornalista precisa divulgar, é que o Líbano, aberto ao Mediterrâneo, também faz fronteira com Israel. E, desde que o Estado de Israel foi criado, depois da Segunda Guerra Mundial, começando os conflitos contra a Palestina, o Líbano se manteve firme na defesa do povo palestino, inclusive, abrigando refugiados.

Por causa disso, chegou a ter seu território invadido duas vezes por Israel, em 1970 e 1982, exigindo a entrega de palestinos. Logo, aquele lugar geográfico não é um espaço qualquer. E isso precisa ser informado. Tudo precisa ficar claro para que a imprensa não fique reproduzindo a falsa fala do presidente dos EUA que insiste em chamar ‘democracia’ o estado de terror que provoca nos lugares em que põe a mão. Um Midas ‘al revés’, como diriam os hermanos latinos.

E o que o conflito no Oriente Médio tem a ver com a América Latina? Tudo. Porque assim como aquele lugar é alvo da rapinagem estadunidense, a parte sul das Américas também. O estado ‘democrático’ comandado por Bush, que para o ano de 2005 reservou no seu orçamento – o conhecido – mais de 580 bilhões de dólares só para o complexo industrial-militar, já começa a falar que a Venezuela não pode comprar aviões e que a Colômbia precisa de mais marines para combater o narcotráfico. Ora, a Colômbia faz fronteira com a Venezuela, e lá vive Hugo Chávez com suas idéias bolivarianas de soberania e poder popular. Não vai demorar e veremos Bonners, Bernardes, Casoys e Nascimentos da vida a falar da ‘necessária democracia’ na Venezuela e do absurdo do presidente daquele país querer ter aviões de combate. Por isso, é necessário que a informação real, verdadeira, circule. Nada é por acaso. E as pessoas não são burras. Com a informação correta elas fazem os nexos.

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Jornalista do OLA/UFSC, Florianópolis